segunda-feira, 13 de abril de 2015

UM COMUNISTA SANTO?



Barros Alves


         
 Após a hecatombe que varreu a Europa na primeira metade do século passado, muitos intelectuais que combateram denodadamente o nazi-fascismo, bandearam-se inopinadamente para as hostes comunistas. Tal fato espantou sobretudo intelectuais cristãos como o teólogo e cardeal francês Henri de Lubac, que expressou suas preocupações em obras basilares para o entendimento da sutilidade do mal causado pelo humanismo travestido de cristianismo, pregado por altos dignitários da própria Igreja. Já em 1949, numa carta que escreveu aos “cristãos progressistas”, Henri de Lubac chamava a atenção para o fato de que eles não deveriam “fazer o jogo do pior dos totalitarismos, porque depois de haverem lutado contra o nazismo, não se dão conta de estarem lutando em prol de outro totalitarismo, o do Partido Comunista.”
            Entre nós também vários intelectuais, levados pelos ventos da ilusória propaganda comunista de paz e igualdade disseminada em todo o planeta no pós-guerra,  optaram equivocadamente pela defesa de postulados que se coadunam perfeitamente com os interesses mesquinhos e anticristãos do marxismo-leninismo. E isto bem antes do boom denominado Teologia da Libertação, “a fumaça de Satanás que entrou pelas frestas da Igreja”, consoante frase do Papa Paulo VI em outro contexto. Todavia, a ideologia da desgraça do homem continua sua ação deletéria na Igreja e no mundo, arrimada em um discurso presidido pela desfaçatez e pela hipocrisia.
            A Teologia da Libertação é um desses males que adentram sorrateiramente – às vezes nem tanto – no Corpo Místico de Cristo, a Igreja, e como um câncer espiritual e intelectual vai minando os caminhos do divino, na tentativa felizmente vã de destruir o sagrado, colocando em seu lugar um humanismo ateu torpe e inconsequente. Assim é que nomes respeitáveis do pensamento teológico da contemporaneidade, expõem com tanta competência quanto com poder sofista, um discurso que mistura o político com o religioso e é a um tempo populista, demagógico e herético. Esses teólogos, alertava Lubac “Querem uma libertação social, mas o que ocorre de fato é que dão clara contribuição para o estrangulamento do homem, para uma organização tirânica, policialesca, que regula e manieta o pensamento e as consciências, com um entusiasmo enorme de destruir o princípio da liberdade espiritual que o cristianismo tem introduzido no mundo.”
Com efeito, esses teólogos que esteiam suas argumentações na dialética demoníaca de Marx, nada mais querem do que “descristianizar as almas.” O discurso é piedoso, mas hipócrita; sereno, mas pregam a revolução e a violência para a consecução de seus objetivos; adoçam as palavras com a mensagem sagrada do Santo Evangelho de Jesus Cristo, mas cooperam com o mal ao apoiarem regimes políticos que odeiam a religião e, em especial, o Cristianismo. Esses teólogos e pregadores da libertação têm, de fato, um discurso angelical. Porém, se olharmos a sua essência veremos sem muito esforço que é um discurso enganador, tergiversante, anticristão. E nos faz lembrar a admoestação do apóstolo Paulo quando escreve aos Gálatas: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o Evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além que vos temos pregado, seja anátema.” (Gl. 1.6-8)
Um dos nomes exponenciais da Igreja na América Latina, sobretudo no Brasil, foi um desses equivocados que se deixaram levar pela falsidade de um humanismo que insiste em equiparar-se ao Cristianismo. Dom Hélder Câmara, cognominado Bispo Vermelho, exatamente em razão de suas ideias consentâneas com as doutrinas marxistas, fez o jogo da ideologia totalitária de forma entusiasmada. Era um homem bom, mas com ideias totalmente em descompasso com a doutrina bissecular assentada pela Igreja em inúmeros documentos conciliares e pontificiais. Ele chegou ao ponto de dizer que o Brasil deveria adotar o mesmo sistema econômico da então Tchecoslováquia comunista. Era defensor intransigente da China e de Cuba, nações governadas pela tirania comunista. Quando arcebispo de Olinda e Recife, a título de combater a ditadura militar, correu mundo pregando ideias marxistas travestidas com a capa do Evangelho de Jesus Cristo. É este bispo defensor de uma “doutrina intrinsecamente má” (Pio XI sobre o marxismo) que alguns católicos querem elevar à glória dos altares.
Quando vejo a procissão de incensadores da canonização de Dom Hélder Câmara, é como se estivesse a sentir a mesma angústia de Henri de Lubac em face das investidas do comunismo, às vezes travestido de anjo, contra a Santa Igreja Católica. O Cardeal Lubac profere sentida indagação dirigida aos irmãos cristãos: “Como conseguir que se deem conta de que o que se tem vivido e o que está em jogo é o desprezo pelo espiritual?” É mister, pois, não esquecermos que milhões de marxistas em todo o mundo, esses mesmos que odeiam o espiritual, estão exultantes com a possível canonização de Dom Hélder Câmara, porque o bispo Vermelho alcançar a glória dos altares é o mesmo que colocar lá as ideias comunistas.