quarta-feira, 31 de agosto de 2022

O JUIZ E OS POETAS

                                    

            O poeta gaúcho Mário Quintana afirmava que "um poeta satisfeito não vale nada." É certo que ao longo do tempo os poetas, naturalmente amantes da liberdade, foram sempre uma voz crítica que se alteia contra todo tipo de desmando. É o que constatamos neste artigo.

                                                                          



                                                           O JUIZ E OS POETAS

                                                               Barros Alves

 Definitivamente, depois de tantas peripécias antijurídicas, o ministro Alexandre de Morais roubou a cena. Já ultrapassou a condição de semideus do Olimpo do Poder Judiciário brasileiro e está a definir o destino de todos os humanos nesta Terra de Santa Cruz. Legisla, executa, investiga, denuncia e pune. Obama foi apressado em relação ao descondenado que pretende retornar ao local do crime. Alexandre de Morais, sim, esse é o cara. Casa e batiza. Não sabemos até quando. Porque toda glória nessa vida é passageira. Sic transit gloria mundi!

            Mas, o fato é que ninguém tira o Alexandre de Morais do pensamento. E agora não consigo nem ler poesia sem que me apareça pela frente a imagem do careca do STF. Lendo uns poemas em uma coletânea que me caiu nas mãos eis que me aparece o poeta oitocentista Frei Francisco de Sant’Onofre com umas trovas que são a cara do careca:

 

Bate no peito o juiz:

- Minha justiça não falha.

Mas, a populaça diz:

-Lá vai o doutor Canalha.

 

Velho juiz rouba a cena:

- Julgar bem é minha sina!

Mas, diz-se à boca pequena

Que ele adora uma propina.

 

Juiz há que julga bem

Lá na ribeira do Minho,

Mas se o réu não tem vintém

Vai parar no pelourinho.

 

            Mudo de página, mas não muda o tom e já me surge diante dos olhos um poema mais elaborado. Leio com pensamento no careca os versos do soneto escrito pelo poeta baiano Botelho de Oliveira (1636-1711):

 

Que julgas, ó ministro da Justiça?

Por que fazes das leis arbítrio errado?

Cuidas que dás sentença sem pecado,

Sendo que algum respeito mais te atiça

 

Por sobrar os enganos da Justiça?

Bem que teu peito vive confiado,

O entendimento tens todo arrastado

Por amor, ou por ódio, ou por cobiça.

 

Se tens amor, julgaste o que te manda;

Se tens ódio, no inferno tens o pleito;

Se tens cobiça, é bárbara e execranda.

 

Oh, miséria fatal de todo feito!

Que não basta o direito da demanda

Se o julgador te nega esse direito.

 

Vixe! Valha me Deus! O autor desse soneto parece que estava vendo o careca, pensei. Resolvi pular várias páginas ao arbítrio do acaso. Mas, eis que lá estão, impertinentes, novamente uns versos que são a cara (ou a cabeça) do cara lisa. Desta feita é um português de Amarante, na Região do Douro, quem escreve lá pelos idos dos 1700. “Justiça Humana” é como se intitula o soneto de autoria do poeta Paulino Cabral (1719-1787):

 

Citado o réu, a ação distribuída

Oferece-se o libelo na audiência;

Entra logo uma cota, uma incidência,

Apenas em dez anos discutida.

 

Contraria-se tarde[1]; ou recebida

Uma exceção, faz nova dependência;

Crescem as dilações, e a paciência;

Uma das partes perde, ou perde a vida.

 

Habilita-se um filho, outro demora;

E de novos artigos na disputa

Mais se dilata a causa, ou empiora.

 

Contudo, pôe-se em prova, ou circunduta[2];

Em casa do escrivão bem tempo mora,

E se há sentença, enfim... não se executa.

 

Todavia, diante do que temos visto o careca aprontar de olhos vendados para a Constituição e as leis do Brasil atual, esses juízes das observações poéticas perdem feio em matéria de abusos e confusão jurídica. Ou seria mental?! De qualquer forma, dá para pensarmos que qualquer dia desses o careca vai repetir o nada megalomaníaco líder comunista Leon Trotsky: “Se o sol brilha só para a burguesia – então, camaradas, apagaremos o sol.”

 

 

 



[1] A contestação do réu.

[2] Circundução (ant. jur.): anulação da citação do réu, pena aplicada ao autor pelo seu não comparecimento em juízo.

                                                       

terça-feira, 30 de agosto de 2022

TROVA VÁRIA

 

Barros Alves

 

 Tu me pedes que eu te ame.

Não precisas pedir, não!

Pois tu és a tsunami

Que invadiu meu coração.

 

Dentro da trova inspirada

Pelo dom que Deus me deu,

Saiba minha doce amada:

Só cabe você e eu.

 

O teu beijo não me acalma,

Só me causa mais furor;

Teus olhos queimam minh’alma

Como um fogo abrasador.

 

Casar é bebida amarga,

Quem casa, eu sei, pouco logra;

A musa muda-se em carga

E em cima da carga a sogra.

 

Refere velho ditado

Provindo da Catalunha:

Casamento é algo errado,

Precisa de testemunha.

 

Não vem escrito na testa,

Mas uma verdade encerra:

“Quando o sujeito não presta

Não vale o que o gato enterra.”

 

Minha mãe já deu o mote

Para o filho e para a filha:

“Quem não puder com o pote

Que não pegue na rodilha.”

 

Aos babões de qualquer faixa

Honra e vergonha falecem:

“Todo o que muito se abaixa

Os fundilhos aparecem.”

 

O preguiçoso é maldito,

Ser vadio e sem nobreza.

“A preguiça – está bem dito –

É a chave da pobreza.”

 

 

O trabalho é um inferno,

Pois salve melhor juízo,

Antes, nosso Pai Eterno,

Nos botou num paraíso.

 

Erra quem prega evangelho

Do trabalho e da labuta.

Eis pensar de asno velho

De mentalidade bruta.

 

O operário se esbalda

Trabalhando em profusão,

Mas não é ele quem salda,

Só enriquece o patrão.

 

Antigo provérbio atesta

A cristãos e a judeus:

“Quem dá aos pobres empresta

E, infelizmente, adeus!!!”

 

Passeio de bicicleta,

Correr não é pra mim, não!

“Rico correndo é atleta,

Pobre correndo é ladrão.”

 

Fui a umas passarelas

Ver desfile de renome.

Tive dó das magricelas...

Estarão passando fome?!

 

Paguei pra ver a estética,

Ver beleza e formosura;

Vi um bando de esqueléticas

Balançando a ossatura.

 

Há gente neste momento

Ensinando verso e prosa.

Falta pouco pra jumento

E pensa ser Rui Barbosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

DESTRAVADAS TROVAS

                                                                                 


Patativa do Passaré

 

Quem é que agride a Justiça,

Desrespeita nosso povo?

- É o sinistro carniça

Que tem cabeça de ovo.

 

Quem desrespeita o direito,

Fere a Constituição?

- É o sinistro imperfeito,

O cabeça de melão.

 

Quem se diz bom professor,

Mas na Lei sempre desliza?

- É o sinistro do terror

De cabeça e cara lisa.

 

Quem lá na Corte Suprema

Quer ser Deus, fazer milagre?

Quem de ladrão tira algema?

- É o cabeça de bagre.

 

Quem cria casos demais

E age como porra louca?

- O sinistro de imorais,

Aquele cabeça oca.

 

Quem mente no Tribunal,

Tergiversa e faz trapaça,

Rasga a Lei Fundamental?

- O cabeça de cabaça.

 

Quem é o sinistro otário

Que deixa a Justiça lerda,

Perseguidor de empresário?

- É o cabeça de merda.

 

Quem é essa coisa rara

Quem que nos tolhe a liberdade?

Não tem vergonha na cara,

Na cabeça só maldade.

 

De Norte a Sul, Leste a Oeste,

Dessa praga ninguém gosta,

Pois na cabeça do peste

Tem uma ruma de bosta.