Barros Alves
Desde os tempos imediatamente posteriores
à crucificação de Jesus, surgiu na comunidade dos seus seguidores, então
chamada “do Caminho” – só dois séculos depois é que apareceu o apelido “cristão” - a ideia de creditar na conta
dos judeus o julgamento e morte do Nazareno. Sacerdotes e doutores da Lei, a
Sinagoga e o Sinédrio, ou seja, o alto clero do Judaísmo e o Judiciário da
Judeia ocupada pelo Império romano, teriam tramado contra a vida daquele que se
auto-intitulava “Filho de Deus”. A afirmação de Jesus constituía heresia, cujo herege
era passível de lapidação, segundo o rigor da Lei de Moisés. O próprio fato de
a morte de Jesus ter sido executada por crucificação, de logo, aponta para a
autoridade romana. A crucificação era pena amplamente usada pelos romanos para castigar
rebeldes, líderes políticos e revolucionários que se manifestassem contra a
ocupação. A destoante pregação religiosa de Jesus, um judeu marginal, segundo o
apropriado conceito do padre e “scholar” John P. Meyer, tornou-se grande incômodo
não apenas para as autoridades do Templo, mas, sobretudo, para os romanos. O
discurso de Jesus, ousado e contestador, soava aos ouvidos dos prepostos do
Império como manifestação zelota, mesmo não sendo ele da seita belicosa dos
Zelotes, como equivocadamente sugere o iraniano Reza Aslan, especialista em Novo
Testamento. As narrativas da Paixão contidas nos Evangelhos não são relatos
históricos, mas, em certa medida, formas ideológicas de expressão cultural dos
primeiros cristãos amedrontados pelo terrorismo romano. Daí a latência do antissemitismo
que se pode captar no discurso neotestamentário. Esse discurso permeou nossa
cultura nesses 20 séculos de Cristandade. No Ocidente, chancelou perseguições e
inomináveis crimes contra os judeus, em nome de Jesus. Entre os milhares de
livros escritos sobre a Paixão, poucos são da lavra de juristas. Ademais, consoante
lembra o erudito padre Raymond Brown, “há severas limitações impostas pelos
materiais e métodos em nossa habilidade de adquirir exatidão sobre essa
história...” Todavia, entre os respeitáveis mestres que intentaram desvendar os
episódios da Paixão, assoma a autoridade de Haim Cohn, ex-presidente da Suprema
Corte de Justiça de Israel, cuja densa obra “O Julgamento de Jesus, o Nazareno”,
resultou da aliança entre os conhecimentos históricos da legislação judaica e percuciente
e profunda pesquisa em fontes diversas. Na análise histórico-jurídica de Cohn
se pode constatar que não foram os judeus que “judiaram” com Jesus.