quinta-feira, 26 de abril de 2018

BOTANDO A SAUDADE NO DEVIDO LUGAR

BarrosAlves

Saulo Ramos, jurista de renome falecido há alguns meses, também poeta, ocupou importantes cargos no governo da República ao tempo do presidente José Sarney, quando comandou com proficiência a Consultoria Geral da República, órgão que após a Constituinte viria a se  transformar na Advocacia Geral da União, criada por instâncias do preclaro advogado. “O Código da Vida”, com ser relato de um extraordinário caso judicial deslindado pela equipe liderada por Saulo Ramos, constitui, outrossim, obra de feição autobiográfica. Trata-se de um livro cuja leitura entusiasma, seja pelo ineditismo do caso narrado com certo suspense, seja pela leveza com que o autor conta suas idas e vindas, seus altos e baixos, suas peripécias desde os tempos de criança no ambiente rural, passando pela juventude estudantil e, posteriormente, no exercício do jornalismo, até os dias de causídico de inegáveis méritos, de assessor presidencial laureado pela fama; enfim, do homem que arrostou todos os obstáculos e venceu na vida às expensas de muito trabalho e dedicação à causa escolhida para dar norte à sua existência.
No “Código da Vida”, Saulo Ramos narra uma historieta que merece cotejamento. Talvez o ilustre mestre tenha recebido a informação original de forma  truncada. Ele dá conta de que no grupo  literário a que pertencia – e também o grande poeta Guilherme de Almeida – pontificava como improvisador emérito o poeta paraibano Eurícledes Formiga. À página 102 do livro, Saulo Ramos conta: “Uma noite, um expectador resolveu embaraçar o paraibano e o desafiou a improvisar sobre o tema ‘A saudade é um parafuso’. Ficamos todos gelados. Não tinha jeito de sair daquela encrenca. O tema era um desastre. Mas o poeta, calou, pensou um pouco e, com voz pausada e rouca, devolveu em sextilha com rima nas pares: ‘A saudade é um parafuso,/ Que, quando entra, não cai,/ Só entra se for torcendo/ Porque batendo não vai./ Depois que enferruja dentro,/ Nem destorcendo não sai.”
Consoante registro dos acreditados autores da clássica “Antologia Ilustrada dos Cantadores”, o professor e pesquisador Francisco Linhares e o cantador Otacílio Batista, com os quais tive a honra de privar da amizade, os versos compõem um poema de cinco estrofes, cuja autoria pertence ao cantador Antônio Pereira, natural de São José do Egito, município do sertão pernambucano. A versão tida por original e atribuída a Antônio Pereira é como segue:

Saudade é um parafuso
Que, na rosca, quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo não vai;
E se enferrujar dentro
Pode quebrar, mas não sai.

A última das cinco estrofes do poema não é menos inspirada do que as demais:

Quem quiser plantar saudade,
Primeiro escalde a semente;
Depois plante em lugar seco
Onde bata o sol mais quente,
Pois, se plantar no molhado
Quando nascer mata a gente.

De minha parte, prefiro ficar com a versão apresentada na Antologia Ilustrada dos Cantadores, posto que aos autores credita-se grande autoridade na pesquisa e na na própria vivência nesse mundo maravilhoso da cantoria e da poesia popular onde vicejam os gênios da raça nordestinada.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

A DENSA E LÍRICA POESIA DE IDEUSMAR FAHEINA



                                                                            


                                                                  Barros Alves
 
A poesia está a caminho do cemitério nesses aziagos tempos de altas tecnologias a conduzir o homem para insensibilidade tal que o assemelham à máquina?  As novas invenções da ciência impelem os leitores para outros mundos fora do universo poético? Estas perguntas se unem a outras historicamente existentes tais como se a poesia é inútil ou se a arte poética não passa de um diletantismo estéril, praticado por personalidades com espírito boêmio que têm ojeriza ao utilitarismo dos pragmáticos. Mas, todas essas perguntas formuladas insistentemente ao longo do tempo, como questionamentos que retornam e se alteiam principalmente em tempos de crise, de modo paradoxal são respondidas pela vida eterna da Poesia, a qual, também insistentemente arma-se de um misterioso poder para arrostar as mazelas do mundo e, militando na imprescindível seara das palavras bem ditas/benditas – com o perdão do trocadilho – alteia-se para dizer de sua utilidade plena no cosmos.

Roman Jakobson compreendeu perfeitamente a grandeza da Poesia e sua importância magistral em face do mundo, da vivência de todos, da multidão, e de cada um. Ele observa nas QUESTÕES POÉTICAS que “A obra poética, no conjunto dos valores sociais, não predomina, não triunfa sobre os outros, mas não deixa de ser o organizador fundamental da ideologia, constantemente orientada para esse objetivo. É a poesia que nos protege contra a automatização, contra a ferrugem que ameaça nossa formulação do amor e do ódio, da revolta e da reconciliação, da fé e da negação. É somente quando uma época acaba de morrer, e quando se dissolveu a estreita interdependência entre seus diverso componentes, é somente então que,  do famoso cemitério da história, se levantam, acima de toda espécie de velharias arqueológicas, os momentos poéticos.”

Perfeito! A sensação que tive ao ler poemas e trovas enfeixados sob o título “Depois do amor... a poesia”, de IdeusmarFaheina, foi exatamente a de estar vivenciando um momento poético cuja transcendência está, como soe de fato ocorrer com as coisas que estão para além do tempo cronológico, grávida de magia, das ilusões do invisível e da grandeza simbólica que só a poesia faz refulgir na alma do leitor ávido ressurgências ditadas pelo amor e de sentimentalidades em face do cotidiano quase sempre nada poético. Faheina como que ultrapassa o impasse desse seco cotidiano em face da poesia e cheio de sentimentos nobres fixa lembranças, resgata recordações, traça perfis em versos que transfiguram realidades e afidalgam o tema do poema.

Num tempo em que o soneto se recompõe do esquecimento em que foi posto, o autor assinala a grandeza desse gênero poético de difícil lapidação escrevendo dezenas deles com esmero de texto e sonoridade, certamente inspirados em instantes de deslumbramento cheios de luminosidade sensorial e emotiva. Eis uma poesia que não deixa ir buscar no amor sua maior ventura, a despertar o sonho fazendo do onírico a celebração da vida, lugar único para a festa da felicidade.Confirma a expressão de Alceu Amoroso Lima, o Tristão de Athayde, de que “a poesia é um sexto sentido. E um sentido todo peculiar que dá aos que o possuem um visão pessoal das coisas, uma compreensão inverificável no mundo. Sentido, aliás, de designação toda arbitrária, pois há nele o poder de todos os outros, sendo a poesia uma forma especial de sensação, só o sentimento lhe dá alma e a inteligência forma. Há nela, portanto, uma síntese de sentidos e de faculdades que criam no indivíduo uma personalidade nova e particular.

Há de fato na poesia de Faheina essa transfiguração admirável das coisas, essa recriação de um novo mundo que desafia a realidade, formulado por intermédio do poder da quimera, de uma espécie de sexto sentido divino intrínseco nos poetas. O mundo dos poetas é um mundo maravilhoso, pois como dizia outro poeta, Homero Prates, “da harmonia secreta das coisas ele extrai a mágica centelha.”Faheina conseguiu com talento e inspiração extrair muitas centelhas de amor e poesia que colocou neste livro que ora vem à lume para prazer de quantos o lerem.