BarrosAlves
Saulo Ramos, jurista de renome
falecido há alguns meses, também poeta, ocupou importantes cargos no governo da
República ao tempo do presidente José Sarney, quando comandou com proficiência
a Consultoria Geral da República, órgão que após a Constituinte viria a
se transformar na Advocacia Geral da União, criada por instâncias do
preclaro advogado. “O Código da Vida”, com ser relato de um extraordinário caso
judicial deslindado pela equipe liderada por Saulo Ramos, constitui, outrossim,
obra de feição autobiográfica. Trata-se de um livro cuja leitura entusiasma, seja
pelo ineditismo do caso narrado com certo suspense, seja pela leveza com que o
autor conta suas idas e vindas, seus altos e baixos, suas peripécias desde os
tempos de criança no ambiente rural, passando pela juventude estudantil e,
posteriormente, no exercício do jornalismo, até os dias de causídico de
inegáveis méritos, de assessor presidencial laureado pela fama; enfim, do homem
que arrostou todos os obstáculos e venceu na vida às expensas de muito trabalho
e dedicação à causa escolhida para dar norte à sua existência.
No “Código da Vida”, Saulo
Ramos narra uma historieta que merece cotejamento. Talvez o ilustre mestre
tenha recebido a informação original de forma truncada. Ele dá conta de que
no grupo literário a que pertencia – e também o grande poeta Guilherme de
Almeida – pontificava como improvisador emérito o poeta paraibano Eurícledes
Formiga. À página 102 do livro, Saulo Ramos conta: “Uma noite, um expectador
resolveu embaraçar o paraibano e o desafiou a improvisar sobre o tema ‘A
saudade é um parafuso’. Ficamos todos gelados. Não tinha jeito de sair daquela
encrenca. O tema era um desastre. Mas o poeta, calou, pensou um pouco e, com
voz pausada e rouca, devolveu em sextilha com rima nas pares: ‘A saudade é um
parafuso,/ Que, quando entra, não cai,/ Só entra se for torcendo/ Porque
batendo não vai./ Depois que enferruja dentro,/ Nem destorcendo não sai.”
Consoante registro dos
acreditados autores da clássica “Antologia Ilustrada dos Cantadores”, o
professor e pesquisador Francisco Linhares e o cantador Otacílio Batista, com
os quais tive a honra de privar da amizade, os versos compõem um poema de cinco
estrofes, cuja autoria pertence ao cantador Antônio Pereira, natural de São
José do Egito, município do sertão pernambucano. A versão tida por original e
atribuída a Antônio Pereira é como segue:
Saudade é um parafuso
Que, na rosca, quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo não vai;
E se enferrujar dentro
Pode quebrar, mas não sai.
A última das cinco estrofes do
poema não é menos inspirada do que as demais:
Quem quiser plantar saudade,
Primeiro escalde a semente;
Depois plante em lugar seco
Onde bata o sol mais quente,
Pois, se plantar no molhado
Quando nascer mata a gente.