domingo, 21 de janeiro de 2024

A IDADE DO CEARÁ

 

                                                                             Fortaleza em 1811

Barros Alves

 

O sempre deputado Heitor Férrer, a quem tive a honra de prestar assessoria durante cerca de  quinze anos, divulgou um vídeo conclamando o povo do Ceará para comemorar a emancipação político administrativa do nosso Estado, no que fez muito bem. Urge, nestes tempos de miséria da memória, resgatarmos datas, fatos e personalidades importantes da nossa História. É certo que por decisão da Rainha Maria I desvencilhamo-nos de Pernambuco em razão da Carta Régia datada de 17 de janeiro de 1799. Porém, na condição de “advocatus diaboli”, fiz uma ressalva ao vídeo que apresenta o dístico “Ceará – 225 anos”, ensejando a que o receptor da mensagem pense que esta é a idade do Ceará. O Ceará, na verdade já completou 420 anos de existência, em agosto do ano passado, posto que o nobre açoriano Pero Coelho de Sousa, em demanda do Maranhão, aportou no “País do Jaguaribe” em 1603, daí seguindo rumo à foz do Rio Siará. Sobre isto divergem perifericamente alguns historiadores. Por outro lado, o que é pior, alguns políticos vivem a mudar datas, institucionalmente, ao sabor dos poderes que exercem de modo circunstancial. É o caso da equivocada data comemorativa do aniversário de Fortaleza. Mas, isso são outros quinhentos.

O fato é que quem primeiro pôs os pés nesta terra como capitão-mor de uma expedição exploradora, criada com o fito mesmo de descobrir terras e delas se apossar, juntamente com os seus bens, é claro, foi grande guerreiro Pero Coelho de Sousa, experiente em batalhas de ultramares. O meu melhor padrinho nesta definição de data chama-se Guilherme Chambly Studart, o Barão de Studart, um homem extraordinário que deu inestimável colaboração para nossa história, gastando tempo e pecúnia, em garimpar documentos sobre a formação do povo cearense em arquivos existentes do outro lado do Atlântico. O Barão de Studart, patrono da cadeira que ocupo na Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, mobilizou céus e terra para comemorar o tricentenário da independência do Ceará em 1903, tomando por base do nosso descobrimento, portanto, a data em que aqui aportou Pero Coelho de Sousa. O Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico), pelos seus preclaros sócios ao tempo das comemorações, deixou significativo registro em tomo especial. O mais é narrativa especulativa para encher compêndios.

Quero, todavia, para o conhecimento dos meus leitores, referir-me à documentação que nos concedeu a emancipação político-administrativa de Pernambuco. Lembrando que antes havíamos pertencido ao Maranhão, o que em nada contribuiu para o desenvolvimento da pequena gleba, tais as lamentações de Martim Soares Moreno que, aliás, foi o primeiro a sugerir a mudança da tutela para o Pernambuco. O Barão de Studart, à custa de muita dedicação, conseguiu amealhar um tesouro de documentos, sem os quais pouco saberíamos sobre o descobrimento, conquista e exploração das terras do Siará Grande. Muitos desses documentos foram transcritos em várias edições da Revista do Instituto, em “Datas e Fatos para a História do Ceará” e em “Notas para a História do Ceará”.  Nestas recolho a Carta Régia que proporcionou nossa emancipação. Transcrevo-a:

“Reverendo Bispo de Pernambuco, do meu Conselho e mais Governadores Interinos da Capitania de Pernambuco: Eu, a Rainha, vos envio muito saudar. Sendo-nos presente os inconvenientes que se seguem tanto ao meu real serviço como ao bem dos povos da inteira dependência e subordinação em que os governadores das Capitanias do Ceará e da Paraíba se acham do Governador da Capitania de Pernambuco que pela distância em que  reside não pode dar com a devida prontidão as providências necessárias para a melhor economia interior daquelas Capitanias principalmente depois que elas têm aumentado em povoação, cultura e comércio: Sou servida separa as duas Capitanias do Ceará e Paraíba da subordinação imediata do Governo Geral de Pernambuco em tudo o que diz respeito a propostas de Oficiais Militares, nomeações interinas de ofícios e outros atos de Governo; ficando porém os Governadores das duas ditas Capitanias obrigados a executar as ordens dos Governadores de Pernambuco no que for necessário para a defesa interior e exterior das mesmas Capitanias e para a polícia e segurança interior das mesmas: Igualmente determino que do Ceará e Paraíba se possa fazer um comércio direito com o Reino para o que se estabelecerão em tempo e lugar conveniente as casas de arrecadação que forem precisas e se darão outras providências que a experiência mostrar serem mais úteis e adequadas para facilitar e aumentar a comunicação imediata e o comércio das ditas duas Capitanias com este Reino,  o que vos participo para que assim  o fiqueis entendendo. Escrita no Palácio de Queluz aos dezessete de janeiro de mil setecentos e noventa e nove. – O Príncipe. Para o Bispo de Pernambuco e mais governadores interinos da mesma Capitania.”  Note-se que a decisão oficial da Rainha foi assinada pelo Príncipe Regente Dom João.

Bernardo Manuel de Vasconcelos foi designado primeiro governador do Ceará. Este desconhecido da maioria, só há poucos anos foi lembrado pelo poder público que em sua homenagem nomeou avenida de Fortaleza, via que começa no viaduto da Avenida Carlos Jereissati (Aeroporto Pinto Martins) e segue até o Bairro Prefeito José Walter. A Rainha remeteu a Carta Régia ao escolhido juntamente com a missiva que segue:

“Bernardo Manuel de Vasconcelos, chefe de Esquadra da minha Armada Real e Governador da Capitania do Ceará: Eu a Rainha vos envio muito saudar. Pela Carta Régia de que achareis junto à cópia fui servida separa a Capitania do Ceará da imediata subordinação, em que se achava do Governo Geral de Pernambuco com as limitações ali apontadas: O que me pareceu participar-vos para vossa inteligência esperando que esta mais ampla jurisdição, que vos confio,  vos dará uma maior facilidade para promover todos os objetos de utilidade pública e para vos empregardes com a maior eficácia e zelo em tudo o que puder concorrer para a felicidade desses povos. Escrita no Palácio de Queluz aos dezessete de janeiro de mil setecentos e noventa e nove. – O Príncipe.”

Somente a 23 de maio de 1799 o governador designado deixa Lisboa. Demora-se em Recife, onde aportara em agosto, e só chega ao Ceará em 25 de setembro, tomando posse a 28 daquele mês. Sabe-se que dentro de suas limitações e competências, Bernardo Manuel de Vasconcelos se houve com aprumo e realizou um bom trabalho como administrador da Capitania do Ceará.

Lembre-se, a título de curiosidade, que Fortaleza no início do século XIX não passava de uma pequena vila. Centros cheios de vida e desenvolvimento, consoante o relato do próprio Governador, eram Santa Cruz do Aracati, Sobral e Granja. Esta, naqueles dias, tinha “um grande comércio de carnes e algodão, que atrai pelo seu cômodo muitas embarcações e traficantes de Capitanias circunvizinhas, vila tão celebrada na história do Padre Vieira, pela pesca, que nela havia do coral e âmbar-gris.” Bernardo de Vasconcelos dá uma ideia do acanhamento de Fortaleza, que passava a ser a capital da Capitania: “É de menor extensão e povoação a Vila da Fortaleza onde reside o governador e se acha acantonada uma única companhia de tropa paga, que guarnece a Fortaleza da Assunção estabelecida nas praias do oceano. O mesmo se observa na Vila do Aquiraz, cabeça de Comarca, e residência do ouvidor-geral, aonde os jesuítas tinham o seu colégio.” Bernardo Manuel de Vasconcelos governou o Ceará até 8 de novembro de 1802.

O resgate dessas datas e fatos deve ser feito não apenas por diletantismo, mas sobretudo e necessariamente como um objeto de reflexão para as atuais gerações, as quais podem fazer comparações ao observarem o comportamento dos homens e o processo de desenvolvimento dos lugares que governaram. Um caso que se presta ao estudo e análise o de Granja, que nos inícios tinha tudo para ser pujante, mas estacionou no tempo. Um caso a ser investigado por historiadores e sociólogos.   

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

19 DE JANEIRO: UMA DATA IMPORTANTE PARA O CEARÁ

 

Barros Alves

 

            Eu repito à saciedade que o fundador do Ceará não é Martim Soares Moreno. Não foi o valente e intrépido “guerreiro branco” mitificado pela escritura genial de José de Alencar, que assentou a pedra fundamental das terras alencarinas. Os louros cabem ao nobre açoriano Pero Coelho de Sousa, tão injustiçado pelos do seu tempo quanto esquecido pelos de agora. Mas, não é desse polêmico tema que desejo tratar neste artigo. Detenho-me em rememorar a grande batalha travada a partir do dia 19 de janeiro de 1604, nos contrafortes da Ibiapaba, luta renhida e sangrenta que culminou com a expulsão dos franceses daquele logradouro, como a marcar naquele momento os limites a oeste do que viria a ser o Ceará. O capitão-mor Pero Coelho e mais uns seis auxiliares próximos, entre os quais Martim Soares Moreno com 17 anos de idade, “duzentos índios frecheiros” e mais uns milhares que a eles se juntaram, “porque entre grandes e pequenos eram mais de cinco mil almas”, segundo o relato de Frei Vicente de Salvador na HISTÓRIA DO BRASIL, que teve a edição de 1918 anotada e comentada por Capistrano de Abreu.

            Pero Coelho empreendeu a aventura às suas próprias expensas, e nela gastou “toda a sua fazenda que era muita”, consoante o testemunho de Martim Soares Moreno, com o fito de dar combate aos franceses que de boa parceria com nativos infestavam o Maranhão, então parte Brasil conhecido, consoante o era a outra parte sul e leste até à Paraíba. Dali ao Maranhão nada havia sido explorado, era espaço desconhecido, terra de ninguém, apesar de no papel já existir donatário da Capitania, Antônio Cardoso de Barros, que aqui nunca pôs os pés. Até a Paraíba era o Brasil. Depois havia o País do Jaguaribe, o ancoradouro do Mocoripe e à sotavento deste a foz do Siará, onde, de fato nasceu Fortaleza e o nosso Estado, sob o batismo que lhe deu Pero Coelho depois que foi forçado a retornar da Ibiapaba, chamando o lugar de Nova Lisboa e Nova Lusitânia, respectivamente.

            O poderosos tuxauas da região, Diabo Grande e Mel Redondo, eram aliados dos franceses e, armados por estes, receberam a expedição de Pero Coelho com a violência de crueldade que lhes eram próprias. No dia 19 de janeiro de 1604 iniciou-se a grande luta, pois  “forma recebidos meia légua ao pé da serra com muita frechada e com sete mosquetes que disparavam sete franceses e faziam muito dano.” Ainda assim a tropa avançou, apesar de todos os percalços, da fome, da falta de água devido a estiagem e do cansaço advindo da longa jornada nos dias anteriores.  Os inimigos não paravam de atirar flechas e já contavam com a vitória. Mas, eis que por milagre cai torrencial chuva pela madrugada que aplacou a sede de todos e fez parar o ataque inimigo. Todos se alegraram e deram graças a Deus “e o capitão com esta alegria mandou matar um cavalo, que ainda levava, para confortar os soldados”, uma vez que o alimento não dava para todos, porque, como dito, a expedição contava com cerca de cinco mil pessoas.

            Finalmente, em face da bravura de Pero Coelho e seus homens, no dia 20 de janeiro, Diabo grande propôs uma negociação que não foi aceita. Então, índios e franceses voltaram à carga houve confronto das quatorze horas até à noite. Pela manhã do dia seguinte, Pero Coelho atacou sem dó. Houve recuo do inimigo. Essas batalhas foram sustentadas por mais de 20 dias, até que por intermédio de um chefe respeitado chamado Ubáuna, rogaram paz, o que foi aceito por Pero Coelho. Depois foi ter com ele Diabo Grande e Mel Redondo e entre eles se fez um pacto registrado em documento próprio, conforme narra Frei Vicente de Salvador. O capitão intentava continuar a saga até o Maranhão. Porém, os estropiados soldados não o consentiram e, em face da insubordinação dos comandados, Pero Coelho viu-se obrigado a “retirar-se ao Ceará, onde deixou Simão Nunes por capitão com quarenta e cinco soldados, e se veio à Paraíba buscar sua mulher e família para se tornar a povoar aquelas terras.” Com efeito, Pero Coelho retornou à Barra do Ceará com mulher e filhos para ser vítima de tragédia que a história deve relembrar antes com gratidão do que com comiseração, tão grande foi aquele homem. Antes do retorno ao Ceará, sofreu o diabo ante a ingratidão do governo local e, sobretudo,  da Coroa portuguesa, cujo rei tinha ouvidos abertos à fofoca e à maledicência. Vítima de acusações nunca bem explicadas, fruto de mentes tacanhas e invejosas, Pero Coelho foi relegado ao quarto de despejo da história. Um injustiçado!!!

            Por pertinente, transcrevo palavras de lucidez do respeitado historiador cearense Raimundo Girão ao se referir à expedição de Pero Coelho: “Muita injustiça têm cometido alguns historiadores no apreciar os acontecimentos dessa expedição, a ponto de considerar o chefe um execrado, sem se deterem no exame sereno do alto valor de sua corajosa iniciativa e no modo como tudo fez ele para FINCAR NA TERRA CEARENSE A ESTACA ZERO DA CIVILIZAÇÃO EUROPÉIA, trazendo a família – mulher e filhos -  e esforçando-se, em segunda viagem, para trazer à sua Nova Lisboa os indispensáveis elementos de consolidação.” (Girão comentando a “Relação do Ceará”, em “Três Documentos do Ceará Colonial”, Depto. De Imprensa Oficial do Ceará, 1967, pág. 190). Grifos meus.   O certo é que Pero Coelho foi um bravo. Expulsou os franceses da Ibiapaba liderando uma expedição mantida com seus próprios recursos, lançou a pedra fundamental de Fortaleza (Nova Lisboa) e do Ceará (Nova Lusitânia), foi à Paraíba por necessidade da missão a que se propôs, retornou ao Ceará com o fito de dar continuidade à colonização de nossos irmãos primevos. Porém, não apenas os homens que o cercavam o traíram, mas a natureza lhe foi avara. Forçado a retirar-se novamente, no trajeto rumo ao Rio Grande do Norte viu morrer de fome e sede o filho mais velho. Os demais da família não morreram porque foram socorridos pelo Padre Manuel Correia Soares. O que aqui foi contado é apenas uma ínfima parte da saga desse herói de dois mundos.

MARINHA DO BRASIL CUMPRE MISSÃO EM FORTALEZA

 

 
Barros Alves 
 
A Marinha do Brasil, representada pelos seus oficiais de mais elevadas patentes, está neste final de semana realizando um importante trabalho nos verdes mares bravios desta terra de Iracema. Sob a liderança do Almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen, comandante da Marinha, nosso conterrâneo, veio a Fortaleza todo o Estado-maior da Armada, com o fito de realizar inaugurações e ações de caráter beneficente, sobretudo na área da saúde e assistência social, o que é prática corriqueira no cotidiano dos homens do mar em qualquer nível de função. Constitui, indiscutivelmente, uma deferência do Almirante Olsen à sua terra natal, aqui aportar com os seus principais auxiliares e demais profissionais de várias áreas que servem ao Brasil acostados na Marinha, para trabalho e congraçamento com a sociedade cearense, a qual se sente honrada em razão do convite para participar dos eventos, convite formulado pelo Vice-Almirante Reis Leite,  Comandante do 3⁰ Distrito Naval, secundado  pelos comandantes da Capitania dos Portos do Ceará, Capitão de Mar-e-Guerra Emilião Pinto; da Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, Capitão de Fragata Daniel Rocha; e pelo presidente da Sociedade dos Amigos da Marinha, Jamiro Dias.

Registro entre os eventos para os quais os cearenses foram convidados, a visitação ao Navio Aeródromo Multipropósito "Atlântico", que há cerca de um ano esteve em nossa capital e novamente aqui se encontra. É a Nau  Capitânia da Esquadra brasileira. Trata-se de um colosso de vaso de guerra projetado para tarefas de controle de áreas marítimas, projeção de poder sobre terra, mar e ar. Também apropriado para missões de caráter humanitário, com uma equipe multidisciplinar de qualidade irreprochável, e é por isso que, por agora,  está aqui em Fortaleza.

Importante ressaltar as  capacidades embarcadas no Navio-Aeródromo Multipropósito “Atlântico”, consoante as informações que me foram prestadas pelo Comandante Roberto Lima, Relações Públicas das Unidades da Marinha no Ceará. O navio tem capacidade para 6 helicópteros do Comando da Força Aeronaval,  3 embarcações de desembarque de viatura e pessoal, com capacidade para embarque de 35 pessoas cada; 1 lancha de transporte de pessoal (20 pessoas); 1 lancha operativa do tipo Pacific.; 1 equipe de pronto emprego do Centro de Medicina Operativa da Marinha, composta por 28 médicos e militares da área de saúde de diferentes especialidades, incluindo pediatras. 

Na área de Saúde há no Navio-Aeródromo Multipropósito “Atlântico” um Centro Médico devidamente equipado onde trabalham profissionais das seguintes especialidades: Ortopedista, Cirurgião Geral, Anestesista, Clínico Geral, além de Farmacêutico, Cirurgião Dentista, Técnicos em Enfermagem, Auxiliar de Higiene Bucal e Auxiliar de Laboratório (patologia clínica).​​ Estoque de Saúde de Reação Primária.​​ Atua também no Navio um Grupamento Operativo com 180 Fuzileiros Navais, da Força de Fuzileiros da Esquadra, com maquinário composto por microcarregadeiras, ambulâncias e pá carregadeira, para ajudar na desobstrução de vias e demais necessidades.

Amanhã, na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, ocorrerá a inauguração de uma Capela ecumênica, com a presença de Frei Odécio Lima de Sousa, Chefe do Serviço de Assistência Religiosa da Marinha. O templo, construído com verbas públicas conseguidas pelo Senador Eduardo Girão  católico; e pelo deputado Dr. Jaziel, evangélico, será destinado ao atendimento espiritual da tropa e de seus familiares.  Em outros momentos será aberta para a comunidade.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

A POESIA ILUMINADA DE MÁRCIO CATUNDA

 

            Barros Alves

           Diz-se que o Ceará tem o maior número de poetas por metro quadrado do planeta. Poetas ou arremedo de poetas? Na verdade, poetas que têm engenho, arte e substância própria da linguagem poética temos poucos. Só uma quantidade mínima nos oferece a palavra pejada de sensibilidade e apelo emocional, que nos conduz ao ânimo da leitura por nos impor uma intimidade com o espírito criativo que vai além de versificação sensaborona.  Entre os bons poetas da minha geração inscreve-se Márcio Catunda, cuja produção não requer encômios porque, mercê da qualidade, de si mesma dá bom testemunho a quantos têm oportunidade de lê-la. Poeta que sabe agraciar com gestos afetivos o efêmero e o eterno, o que escreve é um ato de contemplação a todos os mundos, visíveis e invisíveis. Ali a imanência do mistério ganha harmonia e significação para o leitor que busca o êxtase dos silêncios, lugar onde a embriaguez pela palavra-arte faz mais sentido.

Em todos os seus livros de poesia Márcio Catunda salmodia com a placidez dos monges e com o fervor de juvenis encantos, num misto de confissão sacral e profana, que estabelece uma harmonia entre vivência aparentemente díspares. As coisas, as mulheres, os mares e navegares, as distâncias e as pertinências entre os seres humanos, as angústias e pesares, as alegrias e sonhos imensos, as melodias, os cantos e lamentos no tropel dos dias sobre esse mundo vário e incompreensível, ganham performance e obrigação de ser compreendido no frêmito da dança criativa e nas muitas tonalidades da expressão poética de Márcio Catunda. Aprecio essa “vagabundagem lírica” (“Vagabundagem Lírica” é título de poema que está em “Dias Insólitos”, 2018) do poeta de raízes litorâneas, marítimas, viajeiras, acarauenses. Porque, ele bem o diz, “o vagabundo lírico/ inventa o ofício de sentir a beleza” e mesmo vivendo os descaminhos do caótico cotidiano, “é inebriado de experiências metafísicas.”

Márcio Catunda que inscreve seu nome no cancioneiro cearense e brasileiro com esplendor de sol, alia à condição de privilegiado das musas, a capacidade de escrever uma prosa assentada na segurança de quem domina o vernáculo com correção, para expressar seu pensamento sobre pessoas e fatos do cenário literário em vários tempos e lugares, daquém e dalém, conhecidos e desconhecidos, lembrados e esquecidos, como diria o poeta Otacílio Colares. Diplomata de carreira, poliglota e viajor em razão do ofício, Catunda conheceu várias culturas e visitou lugares em que viveram grandes nomes da literatura universal, sobretudo na França. Eis a inspiração para que escrevesse uma coletânea de ensaios da melhor lavra, a qual intitulou “Paris e seus Poetas Visionários”, obra que nada fica a dever a nomes como Emil Ludwig, com os famosos ensaios histórico-biográficos; nem a Henry Thomas e Dana Lee Thomas, com “Vidas de Grandes Poetas”, nem a Raimundo de Menezes, com as biografias de “Tragédias que não Foram Escritas”; nem a José Paulo Paes, com os escorços biográficos de “Os Poetas”. Poeta e prosador de inegáveis méritos, digno de nossa admiração e louvor, Márcio Catunda é sobretudo o homem discreto, largo coração, alma generosa. E, para gáudio dos cearenses, é nosso conterrâneo. Que, aliás, está entre nós para lançar mais um livro, “Nuvens e Sobras”, evento que ocorrerá no Ideal clube de Fortaleza, às 19 horas da próxima quinta-feira, 18/01. É a Confraria do Vento que convida e, como disse o Mestre, “o vento sopra onde quer.”