Barros
Alves
O que hoje se conhece entre nós como
carnaval, é festança que já se presenciava no Brasil no final do período
colonial, provinda de Portugal com o nome de entrudo. Eram manifestações
populares que incluíam desfiles de fantasiados, músicas e fanfarras. Do entrudo
se tem notícia a partir do século XVII como uma reminiscência das saturnais greco-romanas
que se realizavam a 17 de dezembro e das lupercais em que o populacho se
esbaldava comendo, bebendo e dançando para comemorar as colheitas. No Brasil o
entrudo ganhou feição imensamente popular. De forma desorganizada, corriam pelas
ruas, uns sujando os outros com farinha de trigo e polvilho, enquanto algumas
pessoas folgavam em ficar em casa, derramando de suas janelas água suja sobre
os passantes. Ontem como hoje, era uma festa que se despedia das liberalidades,
das bebedices e glutonarias, para entrar no período quaresmal. Entrudo é
palavra que lembra INTROITUS, nome latino usado pela Igreja para designar as
solenidades litúrgicas da Quaresma. A festa está em data móvel do calendário e
precede sempre a quarta-feira de cinzas, que marca o início do jejum, com
suspensão da carne nas refeições, a CARNELEVALE, que significa exatamente a
retirada da carne. Em Manuscrito de 1130 Du Cange registra essa expressão: “In
Dominica in Caput Quadragesimae qaue dicitur carneleuale”. No domingo do início
da Quaresma o qual é chamado carnelevale.
O carnaval fixou-se no imaginário e
no gosto do brasileiro de tal modo que nosso País é conhecido em todo o mundo
como País do Carnaval, sendo este o título de um livro do romancista baiano
Jorge Amado, que em outras obras deu visibilidade a essa festa do povo. Vadinho,
um dos protagonistas do romance “Dona Flor e Seus Dois Maridos” morre em pleno
desfile de carnaval logo no início da história. Não poucos escritores,
ensaístas e poetas, entre os quais destaco Manuel Bandeira, detiveram-se em
cantar os festejos mominos. Por agora, escolhi alguns poetas pra ilustrar a
inspiração que o carnaval lhes proporcionou. Fi-lo despretensiosamente, de forma
aleatória. Cito, de logo, o Príncipe dos Poetas Capixabas, Ciro Vieira da Cunha,
com os sonetos que transcrevo:
CARNAVAL
Canta
Pierrô e dança Colombina
ao
som de um tango lúbrico e canalha...
O
cloretilo no salão se espalha,
reina
o confete, impera a serpentina...
E
como grita e folga essa gentalha,
gente
infeliz que nunca se malsina:
mulheres
cuja vida é a cocaína
e
a morte o fio fino da navalha...
Só
tu não danças – flor das espanholas! –
tu
que tens feito tanta gente louca
com
esses olhos – mudas castanholas...
Pensas,
talvez, em amargura estranha,
nos
dias que passaste presa à boca
de
algum toureiro que ficou na Espanha.
DE
UM PIERRÔ
Carnaval!
Carnaval! A turba louca
Passa
gritando pela rua em fora...
Nos
bares, cabarés champanhe espouca
E
a gente bebe até que venha a aurora...
Canta
na rua um ébrio de voz rouca
Versos
canalhas que a ralé adora...
É
quase madrugada... Em minha boca
Amarga
o sonho que meu peito chora...
Espero
Colombina, alva de cal,
De
olheiras de carvão e de olhos baços
Que
vem trazer-me ao quarto o Carnaval...
O
doce Carnaval do meu desejo:
-
As brancas serpentinas de seus braços
E
o confete vermelho do seu beijo...
O
entrudo e, posteriormente, o carnaval de rua eram manifestações inclusivas que
tinham grande participação de escravos e negros alforriados, os quais se
misturavam aos brancos na promíscua algazarra, um exercício prático de
mestiçagem cultural e econômica, durante pelo menos três dias. Atualmente,
apesar do açodamento do discurso inclusivo, não se pode dizer o mesmo, uma vez
que o carnaval, transformado em indústria cultural, é para poucos aquinhoados
que podem despender algumas centenas de reais, quando não milhares de dólares
em camarotes de luxo, para assistir ao
feérico desfile no sambódromo da Marquês de Sapucaí ou em clubes elegantes.
Carnavais de rua continuam fazendo a
alegria do folião, porque o povo não se deixa abater pelas circunstâncias
adversas e, em se tratando de festa, o brasileiro enfrenta os ventos da procela
para bailar os três ou quatro dias em honra do Rei Momo. O poeta Gerardo Ramon
Pereira, em “Efêmera Ilusão” teve sensibilidade para expressar em versos a
democracia carnavalesca que se desvencilha do racismo para fazer da folia
instrumento de inclusão do negro durante os dias mominos.
Na pele negra a marca da injustiça
Cravada n’alma a fogo e preconceito...
Tanta alegria, tanto amor cobiça,
Mas só dor, fome e mágoa há no seu
peito!
Vem... Chega o Carnaval! To do se atiça
E explode nele um homem satisfeito...
Samba com branca, negra e com mestiça,
Nu reino de igualdade vê-se eleito!
Três dias em que vive num harém
De ardentes colombinas tão amado...
O mundo é justo e gente ele é também,
Três dias vai durando o seu reinado;
Trezentos e sessenta e dois, porém,
Volta a ser pobre negro injustiçado.