segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

CARNAVAL E POESIA

                                                                                           

Barros Alves

O que hoje se conhece entre nós como carnaval, é festança que já se presenciava no Brasil no final do período colonial, provinda de Portugal com o nome de entrudo. Eram manifestações populares que incluíam desfiles de fantasiados, músicas e fanfarras. Do entrudo se tem notícia a partir do século XVII como uma reminiscência das saturnais greco-romanas que se realizavam a 17 de dezembro e das lupercais em que o populacho se esbaldava comendo, bebendo e dançando para comemorar as colheitas. No Brasil o entrudo ganhou feição imensamente popular. De forma desorganizada, corriam pelas ruas, uns sujando os outros com farinha de trigo e polvilho, enquanto algumas pessoas folgavam em ficar em casa, derramando de suas janelas água suja sobre os passantes. Ontem como hoje, era uma festa que se despedia das liberalidades, das bebedices e glutonarias, para entrar no período quaresmal. Entrudo é palavra que lembra INTROITUS, nome latino usado pela Igreja para designar as solenidades litúrgicas da Quaresma. A festa está em data móvel do calendário e precede sempre a quarta-feira de cinzas, que marca o início do jejum, com suspensão da carne nas refeições, a CARNELEVALE, que significa exatamente a retirada da carne. Em Manuscrito de 1130 Du Cange registra essa expressão: “In Dominica in Caput Quadragesimae qaue dicitur carneleuale”. No domingo do início da Quaresma o qual é chamado carnelevale.

            O carnaval fixou-se no imaginário e no gosto do brasileiro de tal modo que nosso País é conhecido em todo o mundo como País do Carnaval, sendo este o título de um livro do romancista baiano Jorge Amado, que em outras obras deu visibilidade a essa festa do povo. Vadinho, um dos protagonistas do romance “Dona Flor e Seus Dois Maridos” morre em pleno desfile de carnaval logo no início da história. Não poucos escritores, ensaístas e poetas, entre os quais destaco Manuel Bandeira, detiveram-se em cantar os festejos mominos. Por agora, escolhi alguns poetas pra ilustrar a inspiração que o carnaval lhes proporcionou. Fi-lo despretensiosamente, de forma aleatória. Cito, de logo, o Príncipe dos Poetas Capixabas, Ciro Vieira da Cunha, com os sonetos que transcrevo:

 

CARNAVAL

 

Canta Pierrô e dança Colombina

ao som de um tango lúbrico e canalha... 

O cloretilo no salão se espalha,

reina o confete, impera a serpentina...

 

E como grita e folga essa gentalha,

gente infeliz que nunca se malsina:

mulheres cuja vida é a cocaína

e a morte o fio fino da navalha...

 

Só tu não danças – flor das espanholas! –

tu que tens feito tanta gente louca

com esses olhos – mudas castanholas...

 

Pensas, talvez, em amargura estranha,

nos dias que passaste presa à boca

de algum toureiro que ficou na Espanha.

 

DE UM PIERRÔ

 

Carnaval! Carnaval! A turba louca

Passa gritando pela rua em fora...

Nos bares, cabarés champanhe espouca

E a gente bebe até que venha a aurora...

 

Canta na rua um ébrio de voz rouca

Versos canalhas que a ralé adora...

É quase madrugada... Em minha boca

Amarga o sonho que meu peito chora...

 

Espero Colombina, alva de cal,

De olheiras de carvão e de olhos baços

Que vem trazer-me ao quarto o Carnaval...

 

O doce Carnaval do meu desejo:

- As brancas serpentinas de seus braços

E o confete vermelho do seu beijo...

 

            O entrudo e, posteriormente, o carnaval de rua eram manifestações inclusivas que tinham grande participação de escravos e negros alforriados, os quais se misturavam aos brancos na promíscua algazarra, um exercício prático de mestiçagem cultural e econômica, durante pelo menos três dias. Atualmente, apesar do açodamento do discurso inclusivo, não se pode dizer o mesmo, uma vez que o carnaval, transformado em indústria cultural, é para poucos aquinhoados que podem despender algumas centenas de reais, quando não milhares de dólares em camarotes de luxo,  para assistir ao feérico desfile no sambódromo da Marquês de Sapucaí ou em clubes elegantes.

Carnavais de rua continuam fazendo a alegria do folião, porque o povo não se deixa abater pelas circunstâncias adversas e, em se tratando de festa, o brasileiro enfrenta os ventos da procela para bailar os três ou quatro dias em honra do Rei Momo. O poeta Gerardo Ramon Pereira, em “Efêmera Ilusão” teve sensibilidade para expressar em versos a democracia carnavalesca que se desvencilha do racismo para fazer da folia instrumento de inclusão do negro durante os dias mominos.

 

Na pele negra a marca da injustiça

Cravada n’alma a fogo e preconceito...

Tanta alegria, tanto amor cobiça,

Mas só dor, fome e mágoa há no seu peito!

 

Vem... Chega o Carnaval! To do se atiça

E explode nele um homem satisfeito...

Samba com branca, negra e com mestiça,

Nu reino de igualdade vê-se eleito!

 

Três dias em que vive num harém

De ardentes colombinas tão amado...

O mundo é justo e gente ele é também,

 

Três dias vai durando o seu reinado;

Trezentos e sessenta e dois, porém,

Volta a ser pobre negro injustiçado.

 

 

 

 

 



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