sábado, 19 de novembro de 2022

BANDEIRA BRASILEIRA, SÍMBOLO SAGRADO DA PÁTRIA

                                                                                     

Barros Alves

            Lembremos, por primeiro, que todo brasileiro patriota, todo o que ama o nosso grandioso País, deve repudiar qualquer ato que possa ferir os seus símbolos nacionais, em especial a bandeira, “auriverde pendão da minha terra/ que a brisa do Brasil beija e balança.” Ao contrário de uma idiota ideologicamente imbecilizada, que a pisoteou publicamente, em passado recente, os que somos defensores dos sagrados valores do nosso povo, devemos dedicar cívica veneração à bandeira nacional, levando em consideração sua história desde os tempos coloniais, passando pelo período imperial até à República, com suas mudanças estéticas e suas adaptações simbólicas. Observemos “en passant” que o verde e amarelo que a República ensina como símbolos das nossas matas e das nossas riquezas minerais (ouro) são, de fato, as cores das Casas de Bragança, de cuja dinastia veio os monarcas brasileiros; e dos Habsburgos, dinastia a qual pertencia Dona Leopoldina, primeira esposa do Imperador Dom Pedro I.

            Clovis Ribeiro, em “Brasões e Bandeiras do Brasil”, segue o convencimento republicano sobre as feições do simbolismo estético da bandeira nacional: “Nas bandeiras de outras nações, as cores correspondem, geralmente, a uma simbologia especial, criada com o pavilhão. Na do Brasil, há uma simbologia em verdade falante, preexistente à composição do estandarte e de curso universal. As cores nacionais são o verde e o amarelo. Essas cores podem significar esperança e riqueza. Mas, antes de tudo, dizem vegetação e ouro, um país revestido de matas e campos, com entranhas onde o metal precioso sobressai entre outros depósitos refulgentes.”

            Constitui bom alvitre registrar o que escreveu Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927) em breve contradita aos que não aprovaram a primeira bandeira criada pelo Decreto nº 4, de 19 de novembro de 1889, a definitiva, pois entre 15 e 19 de novembro a República hasteou uma bandeira que se assemelhava à norte-americana, menos nas cores. O trabalho de Teixeira Mendes veio à lume no dia 24 do mesmo mês, subordinado ao título “Apreciação Filosófica”, no qual tenta justificar o simbolismo do pavilhão nacional. O positivista Teixeira Mendes, sob a orientação de Miguel Lemos (1854-1917), foi o idealizador da primeira bandeira da República, insígnia desenhada pelo pintor Décio Vilares (1851-1931). O astrônomo e engenheiro Manuel Pereira Reis, forneceu a posição das estrelas, o que causou várias divergências nos anos subsequentes, sobretudo por parte de astrônomos. Porém, Teixeira Mendes, nq defesa de sua criação, escreve com propriedade: “A bandeira recorda o passado donde proviemos, a posteridade por quem trabalhamos, e o presente que forma o elo movediço dessas massas indefinidas das gerações humanas. Este símbolo corresponde a tudo quanto o outro (a antiga bandeira de 1822, feita por José Bonifácio e Pedro I) tinha de essencial. Ela lembra, naturalmente, a fase do Brasil-Colônia nas cores azul e branca, que matizam a esfera, ao mesmo tempo em que esta recorda o período do Brasil-Reino por trazer à memória a esfera armilar. Desperta a lembra da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da América, não mais por meio de um sinal, que é atualmente um símbolo de divergência (a Cruz de Cristo que constava da bandeira imperial), mas por meio de uma constelação, cuja imagem só pode fomentar a mais vasta fraternidade (o Cruzeiro do Sul), porque nela o mais fervoroso católico contemplará os mistérios insondáveis da crença medieva, e o pensador mais livre recordará o caráter subjetivo da mesma crença e a poética imaginação dos nossos avós. Finalmente, foi mantida a ideia de representar a independência e o concurso cívico por um conjunto de estrelas...”

            De logo, convém reafirmar que a bandeira, enquanto símbolo nacional, não é propriedade exclusiva de grupos e nem deve ser objeto de disputas. O que se requer é que não se olvide a importância desse símbolo sagrado da Pátria e em detrimento dele se supervalorize outros tipos de bandeiras que não passam de instrumentos de proselitismo político-ideológico. Proibir o uso da bandeira nacional em manifestações públicas e solenidades quaisquer que seja configura desrespeito à lei e ao sentimento patriótico das pessoas. Eduardo Prado, que teceu críticas à primeira bandeira republicana, em face do açodado sentimento militar que movia a nação no limiar da República, escreve em “A Bandeira Nacional” (1903), que a veneração cívica pela bandeira não é uma exclusividade dos compatriotas do Exército nem Armada, mas uma disposição natural de todo brasileiro. “Nós, porém, como todos os brasileiros, temos pela insígnia gloriosa de nossa nacionalidade o mais ardente amor. O culto que lhe consagramos, embora chamado hoje de fetichismo no órgão oficial, é um culto comum a todos os filhos do Brasil.”

            A Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, que trata da bandeira nacional, assim  define: “A bandeira nacional pode ser usada em todas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, tanto em caráter oficial, quanto particular. Ela pode ser: 1. Hasteada em mastros ou adriças, em prédios, templos, campos de esporte, escritórios, salas de aula, auditórios, embarcações, ruas e praças, desde que se lhe assegure o devido respeito; 2. Distendida e sem mastro, desfraldada, aplicada sobre paredes ou presa a um cabo ligando edifícios, árvores, postes ou mastros (quando distendida e sem mastro, a bandeira deve ser colocada de modo que o lado maior fique na horizontal e a estrela isolada em cima, não podendo ser ocultada, mesmo parcialmente, por pessoas sentadas em suas imediações); Reproduzida sobre paredes, tetos, vidraças, veículos e aeronaves; 4. Composta com outras bandeiras, panóplias, escudos ou peças semelhantes; 5. Conduzida em formaturas, desfiles ou mesmo individualmente; 6. Distendida sobre ataúdes, até a ocasião do sepultamento; 7. Usada em saudações militares.”

            O artigo 31 da lei acima referida estabelece: “Art. 31 – São consideradas manifestações de desrespeito à bandeira nacional e, portanto, proibidas: I. Apresentá-la em mau estado de conservação; II. Mudar-lhe a forma, as cores, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições; III. Usá-la como roupagem, reposteiro, pano de boca, guarnição de mesa, revestimento de tribuna, ou como cobertura de placas, retratos, painéis ou monumentos a inaugurar; IV. Reproduzi-la em rótulos ou invólucros de produtos expostos à venda.” Também no manifesto desejo de determinar o respeito à bandeira, o legislador foi incisivo na redação do artigo 32: “As bandeiras em mau estado de conservação devem ser entregues a qualquer unidade militar, para que sejam incineradas no Dia da Bandeira, segundo o cerimonial peculiar.”

            Apesar das discussões ocorridas nos albores da República, com críticas à nossa bandeira, arrimadas em filigranas técnicas, por parte de preeminentes intelectuais da época, entre os quais Araripe Júnior, Clóvis Beviláqua, Coelho Neto, Afonso Celso, há de se concordar que o pavilhão nacional brasileiro é um dos mais belos entre os demais em todo o mundo. Rubem Azevedo, intelectual cearense versado em astronomia, escreveu “A Bandeira Nacional” (1988), onde se lê na página 20: “Já nos acostumamos com a nossa bandeira, nós que vimos a luz do dia sob ela. Não acreditamos que haja, em todo o território nacional, quem deseja vê-la modificada ou substituída(...) Já adquiriu completa maioridade e caráter de verdadeiro símbolo nacional e patrimônio intocável. Às modernas gerações não podem nem devem interessar as estéreis discussões do alvorecer da República. Amemos a nossa bandeira. Orgulhemo-nos dela, pois ela é nossa. À sua sombra protetora nasceram nossos pais e sob ela terão abrigo e proteção os nossos filhos.”

            Entoemos, portanto, em coro: NOSSA BANDEIRA JAMAIS SERÁ VERMELHA!!!  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

             

terça-feira, 15 de novembro de 2022

BEM-VINDES À BIENAL!

                                                                                 

Patativa do Passaré

 

No pórtico da Bienal

SEJA BEM-VINDES, se lê. 

BEM-VINDES ao quenguembal

Que dá certo com você.

 

BEM-VINDES, seu idiota!

Seu nome já está na lista

Da obtusa patota

Da cretinice esquerdista.

 

BEM-VINDES à Bienal!

Nunca vi coisa mais tola!

Coisa de gente anormal

Ou, por outra, de baitola.

 

BEM-VINDES à Bienal!

Quem tal inventou bem sei...

É norma gramatical

Ferida junto com a lei.

 

BEM-VINDES!!! BEM-VINDO não?!

Que neologismo chula!

Façam o “L” de LADRÃO

Que é sinônimo de LULA.

 

Essa tal neutra linguagem

Você sabe... Você viu...

É coisa de viadagem

Ou da puta que os pariu.

 

À tribo da boiolagem

BEM-VINDES TODES. Que tal?

Se tu és da viadagem

Corra para a Bienal.

 

Corra! Saia do armário,

Vá lá gastar seu dinheiro,

Gaste bem seu numerário

Como se gasta em puteiro.

 

SEJA BEM-VINDES, sem zanga.

Você já passou no crivo,

Leve grana, compre livro

Que ensina a soltar a franga.

 

 

Com esses não me misturo,

Tenho tato, tino e siso.

Bienal, te desconjuro!!!

Garanto que lá não piso.

 

Prefiro um templo de Meca

Ou locais de romaria,

Ou minha biblioteca

Templo de sabedoria.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A REPÚBLICA QUE NUNCA FOI

                                                                                          

Barros Alves

Desde o limiar da década de 1880 os militares, que engrossaram o cangote depois da Guerra do Paraguai, faziam exigências ao poder civil e à proporção que não viam seus interesses atendidos na medida das reivindicações, criava-se um ambiente de insatisfação na tropa. Deodoro da Fonseca, velho general, era o líder dos militares. Dirigiu-se, por carta, várias vezes a Pedro II expressando suas lamúrias, mas o imperador, tranqüilo e discreto na sua posição de magistrado, não deu ouvidos ao comandante. O problema, institucionalmente, era do gabinete que governava o País. Enquanto o problema se arrastava, os políticos se arregimentavam para os embates parlamentares e políticos, em especial o pequeno núcleo republicano formado por uma elite intelectual que se arrimava no pensamento de Augusto Comte. Um grupo popularmente inexpressivo, mas atuante na Imprensa e que tinha a simpatia dos quartéis, alinhados com o positivismo das cabeças republicanas.

Pedro II não ia bem de saúde e vivia mais a respirar o ar serrano de Petrópolis do que a suportar o bulício e as fofocas da Corte. Enquanto isso lideranças republicanas conspiravam, estimulados pela questão militar e pelos fazendeiros insatisfeitos com a libertação dos escravos em 1888. No ano seguinte, cai o gabinete parlamentarista conservador do Ministro João Alfredo, que foi substituído pelo gabinete liberal liderado pelo Visconde de Ouro Preto. A conjuntura estava favorável à ação da propaganda republicana. Nos jornais e na seara da articulação política atuavam Rui Barbosa, Quintino Bocayuva, Aristides Lobo, Silveira Martins, entre outros; nos quartéis assomavam as figuras de Deodoro da Fonseca, Benjamim Constant, Eduardo Wandenkolk, Frederico Solon, Francisco Glicério. Uma personagem que se manteve por muito tempo discreta foi o ajudante-general do Exército Floriano Peixoto, aparentemente leal ao Imperador e à Monarquia, assim como o seu comandante Deodoro da Fonseca. “Floriano era não somente dedicado à pessoa do imperador, como um amigo grato da família do Visconde de Ouro Preto”, lembra Heitor Moniz. O chefe do gabinete governante possivelmente faria de Floriano Ministro da Guerra em substituição ao Visconde de Maracaju. Deodoro e Floriano sempre manifestação apreço e respeito pelo imperador Pedro II.

A crise política no governo de Ouro Preto avançou de tal forma que ele ficou totalmente desprestigiado. Os líderes militares, àquela altura decidiram que o governo não podia continuar. Mas, derrubar-se-ia o gabinete ou a monarquia? “Não havia unanimidade entre os participantes da frente em relação à derrubada do regime monárquico e tampouco em relação ao rompimento de seus compromissos internos e externos.” (Hélio Silva). Rui Barbosa defendia que a ação de deposição fosse realizada “com o imperador se possível, sem o imperador se necessário.” Deodoro foi convidado a liderar a aventura. Hesitou por dois motivos: primeiro porque estava bastante adoentado. Delegara, inclusive, ao tenente-coronel Benjamim Constant a tarefa de receber as lideranças republicanas. Em segundo lugar, Deodoro temia uma reação favorável ao imperador por parte de Floriano Peixoto. Quanto ao problema de saúde poderia ser superado com grande esforço, como fê-lo no momento aprazado. Mas, e quanto a Floriano? Falar-lhe sobre a conspiração que já estava nos momentos conclusos não seria um risco? Expor-lhe os planos não seria denunciar ao governo toda a articulação com o consequente fracasso da empreitada? Não havia outro nome para ir ter com Floriano a não ser Deodoro. Ele não se fez de rogado.

Heitor Moniz conta: “Deodoro tomou a si ainda uma vez a tarefa mais pesada. Pediu a Floriano Peixoto que lhe concedesse uma entrevista. A 13 de novembro os dois se encontram numa conferência decisiva. Deodoro expôs ao general tudo quanto havia. O movimento estava preparado. Ele contava com todos os triunfos asseguradores do mais completo êxito e estava pessoalmente decidido, arrastando quaisquer consequências que pudessem vir, a pôr-se à testa da insurreição. Floriano não era homem de arriscar num terreno sem segurança, os passos que ia dar. Observou. Sugeriu um entendimento. Fez reservas. Mas, ao despedir-se de Deodoro, tranqüilizava-o, afinal, quanto à sua solidariedade: - Enfim, se a coisa é contra os casacas, lá tenho a minha espingarda velha...”

Informado da gravidade da situação, D. Pedro II desce de Petrópolis sem atentar para o perigo que corria não o gabinete, mas a monarquia. Não se compreende que um homem com a experiência e a prudência de um estadista como o imperador, ainda tenha insistido na permanência de Ouro Preto à frente do governo, mesmo depois de Deodoro ter dado um ultimato ao gabinete. O próprio ministro da Guerra declarara que uma reação à insurreição seria inútil. Ouro Preto fora conferenciar com Pedro II. Ambos julgavam que a exigência dos revoltosos era a derrubada do gabinete ministerial. Ao ser solicitado pelo imperador que continuasse à frente do governo, formando um novo ministério, em acordo com os insurretos, Ouro Preto responde: - “É impossível, senhor. À vista do ocorrido, faltam-me os meios de bem servir ao País e a V. Majestade; o gabinete está desprestigiado; sem o concurso da força armada, ou antes, hostilizado por ela, não posso responder pela ordem pública. O único serviço que neste momento me é dado prestar a V. Majestade é aconselhar a organização do novo ministério.”

Até aí, ao que parece, cairia apenas o gabinete de Ouro Preto. Na verdade, na noite do dia 14 de novembro, Deodoro ainda não se decidira se aceitaria a República. Porém, surgiu um problema prosaico, de ordem pessoal, que decisivamente contribuiu para que o general decidisse aliar-se com os republicanos aguerridos para derrubar a monarquia. Ao saber que Pedro II entrara em negociações com Silveira Martins com vistas à formação de um novo ministério, Deodoro embarcou na canoa. Explica-se a decisão com o registro do historiador Hélio Silva: “Deodoro e Silveira Martins eram inimigos desde quando o general estivera no rio Grande. Há uma explicação pitoresca, senão picaresca, dessa inimizade (...) O tribuno gaúcho era um belo homem, apaixonado por mulheres bonitas. Em campanha eleitoral, foi ter ao reduto da Baronesa do Triunfo, considerada, com razão, uma das mais belas moças de sua época. Encerrada a excursão, retira-se da estância da bela anfitriã com um ‘bota fora’ de honra, acompanhado até à porteira da fazenda por um cortejo à frente do qual cavalgava, galhardamente, a própria baronesa.”

Segue o relato: “Silveira Martins era um peão, como bom gaúcho, mas em face da emoção, ao picar as ilhargas da montaria, para fazê-la empinar, em um cumprimento galante, o animal assustou-se, o ginete desequilibrou-se e caiu estatelando-se no chão poeirento. Acorreram todos, desmontando prestes, inclusive a baronesa. Ao levantarem Silveira Martins, verificaram que ele havia partido uma perna. Repouso forçado de quarenta dias na estância da baronesa. O resto Silveira Martins confidenciou a Tobias Monteiro, na evocação saudosa de um romance de amor. Pois foi então no rastro desse incidente que chegou ao Rio Grande o novo comandante das Forças de Terra e Mar da Província, general Deodoro da Fonseca, moço, vistoso em seu uniforme de gala e, também, interessado pela baronesa. Mas, não foi bem sucedido na competição. Daí a rivalidade que tornaria inimigos o tribuno liberal e o general conservador.” Essa rivalidade foi, possivelmente, a gota d´água para a queda da monarquia em vez de cair somente o gabinete.

De fato, decidido a apoiar o movimento para apear o imperador do poder, ainda assim somente na noite do dia 15 de novembro, depois de todas as manifestações de populares liderados por José do Patrocínio, nas ruas do Rio de Janeiro; dos inflamados discursos de Benjamim Constant e outros tribunos republicanos prometendo a convocação de uma Assembleia Constituinte; da própria proclamação feita pelo Marechal no Campo de Santana, depois de tudo isso, só na noite de 15 de novembro é que Deodoro se decidiu pela República. No dia 16, às 15 horas, o chefe do movimento, doente e constrangido, envia ao imperador um ofício por intermédio do qual dá o prazo de 24 horas para que a família imperial deixe o território brasileiro. Não houve qualquer reação por parte dos monarquistas, a pedido do próprio imperador, um filósofo enfastiado do poder, que não saiu ao pai, e não quis ver derramado sangue de brasileiros.

Implantou-se a República nesses termos desastrados e desastrada ela continua até os dias atuais. Aliás, isto que temos nunca foi República no sentido conceitual do termo. Logo depois de instalado o regime, veio o afastamento de Deodoro e a ditadura de Floriano Peixoto, que com mão de ferro cassou liberdades, exilou e encarcerou  adversários, muitos dos quais republicanos de primeira hora como Rui Barbosa e Prudente de Morais. Luís Viana Filho, melhor biógrafo de Rui, diz que ao ver distanciando-se da barra o navio que levava a família real para a Europa, o jurisconsulto republicano encheu os olhos de lágrimas. O arrependimento não tardou. Sofreu na República aquilo que jamais sofrera sob a monarquia. Decepcionado, em 1910 pronuncia discurso no Senado, verberando a República, do qual se transcreve excerto que ficou famoso: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” Interessante é que nunca é citada a última frase do período: “Eis em que se transformou a República que eu ajudei a implantar no meu País.”

Cf. Bibliografia:

1.      O PODER MILITAR, de Hélio Silva. L&PM Editora, Porto Alegre-RS, 1984.

2.      DEODORO DA FONSECA (Coleção Os Presidentes), idem, Editora Três, São Paulo, 1983.

3.      NO TEMPO DA MONARQUIA, de Heitor Moniz. Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1929.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



domingo, 13 de novembro de 2022

A IGREJA E A ESQUERDA ABORTISTA parte 2

                                                                          

Barros Alves

            No artigo anterior ficou claro que a esquerda é “preponderantemente abortista” (Norberto Bobbio). Com efeito, quando se faz uma pesquisa nas proposituras apresentadas nas duas casas do Congresso Nacional sobre esse assunto, são todas, sem exceção, apresentadas por parlamentares esquerdistas, ainda que abrigados sobre o disfarce de outras siglas incolores. Recentemente, o candidato da esquerda à presidência da República, em “free speech”, deixou claro ser a favor do aborto. Depois, por força das circunstâncias eleitorais, aconselhado pelo marqueteiro de campanha, andou desconversando. Na verdade, pode-se afirmar sem medo de errar que aborto é pauta da esquerda. Por outro lado, ficou patente também a posição radicalmente contrária ao aborto por parte da Igreja Católica, posicionamento expresso desde os primórdios, por intermédio dos textos bíblicos, ensinamentos dos Pais Apostólicos e Padres Apologistas no limiar da caminhada, documentos conciliares, Encíclicas papais, o Grande Catecismo, anteriormente citado, etc.

            É certo que nos mais de dois mil anos de Cristianismo, a Igreja não saiu um milímetro de sua retilineidade na condenação das agressões à vida, em especial ao aborto provocado. O Magistério da Igreja está pleno dessas manifestações em defesa da vida e de condenação àqueles que atentam contra o quinto mandamento: não matarás!

            Eis o que disse o Papa Pio XII, em Mensagem aos médicos em 29 de outubro de 1951: “Todo ser humano, até mesmo a criança no seio de sua mãe, recebe o direito à vida imediatamente de Deus e não dos pais ou de alguma autoridade ou sociedade humana. Portanto, não há nenhum homem, nenhuma autoridade humana, nenhuma ciência, nenhuma ‘indicação’ médica, eugênica, social, econômica, moral que possa exibir ou conferir um título jurídico válido para dispor direta ou deliberadamente de uma vida inocente, quero dizer, para dispor dela para sua destruição, encarada quer como fim, quer como meio para obter um fim, que talvez em si mesmo absolutamente não seja ilegítimo. Assim, por exemplo, salvar a vida de uma mãe é um fim nobilíssimo, mas matar diretamente o filho como meio de obter esse fim não é permitido. A destruição direta de uma pretensa vida ‘sem valor’, nascida ou ainda não nascida, destruição essa praticada há alguns anos em larga escala, de forma alguma pode justificar-se. Por isso, quando essa prática começou a difundir-se, a Igreja formalmente declarou que matar, mesmo por ordem da autoridade pública, aqueles que, embora sendo inocentes, por causa de suas taras físicas ou psíquicas não são úteis à nação, tornando-se antes uma carga para ela, é contrário ao direito natural, e ao direito divino positivo, e, por conseguinte, proibido(...) A vida de um inocente é intangível e todo atentado ou agressão contra ela viola uma das leis fundamentais, sem as quais não é possível a vida em segurança na sociedade (...) E não vos esqueçais de que acima de toda lei humana, e acima de toda ‘indicação’, ergue-se indefectível a lei de Deus.”

            No mesmo passo de Pio XII segue João XXIII, ao escrever na Encíclica “Mater et Magistra”: “A vida humana é sagrada: mesmo a partir de sua origem, ela exige a intervenção direta da ação criadora de Deus. Quem viola as leis da vida, ofende a Divina Majestade, degrada-se a si mesmo e ao gênero humano, e enfraquece a comunidade de que é membro.”

            O Papa Paulo VI, quando ainda João Batista Cardeal Montini, escreveu em uma “Carta Pastoral à Família Cristã”: “Outro tema triste é o aborto por indicação eugênica, terapêutica, social, ou como quer que o chamem (...) Só queremos recordar sumariamente, tratando-se em definitivo de homicídio direto duma vida inocente, o aborto constitui um delito. Não importa se é discutido com bela desenvoltura; está proibido, é pecado. É uma tragédia que ataca as fontes da vida; é contradição violenta ao fim mais alto e mais sagrado da família; é desonra secreta, mas queimante, para quem o quer, para quem o leva a término.”

São João Paulo II, Papa, numa de suas alocuções, falou aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro, em 5 de abril de 1981: “Se concedemos direito de cidadania ao assassínio do homem, quando está ainda no seio da mãe, então encaminhamo-nos por isso mesmo para o declive de incalculáveis consequências de natureza moral.  Se é lícito tirar a vida a um ser humano, quando ele é mais débil, totalmente dependente da mãe, dos pais e do âmbito das consciências humanas, então destruímos não só um homem inocente, mas também as mesmas consciências. E não se sabe quão larga e rapidamente se propaga o raio daquela destruição das consciências, nas quais se fundamenta, antes de tudo, o sentido mais humano da cultura e do progresso do homem(...) O problema da responsabilidade pela vida concebida, no seio de cada mãe, é problema eminentemente social. E ao mesmo tempo é problema de cada um e de todos. Ele encontra-se na base da cultura moral de todas as sociedades. E dele depende o futuro dos homens e das sociedades.”

Consciente da grave defasagem moral verificada em nossa sociedade São João Paulo II, Papa, escreveu uma “Carta a todos os irmãos do episcopado”, datada de 19 de maio de 1991, na qual expressa sua preocupação a problema em questão: “Na verdade, se é tão grave e inquietante o fenômeno, tão difundido, da eliminação de vidas humanas que estão para nascer ou a extinguir-se, não menos grave e inquietante é o apagar-se da sensibilidade moral nas consciências. As leis e as diretrizes civis não só tornam patente este ofuscamento, mas contribuem para reforçá-lo. Com efeito, quando parlamentos votam leis que autorizam a morte de inocentes e países põem seus recursos e suas estruturas a serviço desses crimes, as consciências individuais, frequentemente pouco formadas, são mais facilmente induzidas ao erro. Para romper tal círculo vicioso, parece mais do que nunca urgente reafirmar com força nosso magistério  comum, baseado na Sagrada Escritura e na Tradição, a propósito da intangibilidade da vida humana inocente.

Por final, é mister citar a Constituição Apostólica “Gaudium et Spes”, oriunda do Concílio Vaticano II, na qual se lê no item 51: “Com efeito, Deus, Senhor da Vida, confiou aos homens para que estes desempenhassem de um modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada com extrema solicitude desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis.”