segunda-feira, 21 de maio de 2012

A Política e Sua Perversão Dimas Macedo Mestre em Direito e Professor da UFC A política, que é a latitude máxima da ação humana, em busca de um fim social, e de uma práxis civil e emancipadora, corre em todas as sociedades qual rastilho de pólvora. Não há como deter a sua força, a sua energia dadivosa, o seu poder absoluto de envolvimento e de transformação. Não podemos pensar em qualquer forma de sociedade sem que nela não esteja presente o exercício da política. A política é o que é, existe porque tem que existir. É a espinha dorsal e a coluna vertebral do Estado, do município, do poder político de uma forma geral. Claro que a política não se submete aos limites da ética, porque a conquista do poder e a sua manutenção constituem, com certeza, um campo de guerra e não tem como ser diferente. Mas é claro que ela pode ser limitada pelas regras do Direito e pelas aspirações de Segurança que rondam o habitat da vida social. Em face das conquistas da técnica e da clarificação das consciências, penso que, nos dias de hoje, a política poderia ser um pouco diferente. Deveria estar prioritariamente voltada para o homem, para as suas necessidades e para a superação das misérias sociais, que desafiam a paz e a busca dos Direitos Humanos. A política, infelizmente, virou uma grande equação capitalista: transformou-se em patrimônio material de uns e em forma de extorsão com que outros se mantêm no poder, roubando os cofres da Administração, assaltando a partilha do orçamento, transformando tudo em uma mesa de jogo da corrupção e do desvio de recursos. Após os avanços da globalização econômica, especialmente a partir da década de 1990, o capitalismo e os seus valores de ordem financeira foram assaltando, gradativamente, a máquina do Estado. O mercado substituiu a política e os intelectuais foram expulsos do espaço público, porque a equação capitalista não precisa de ideias, mas de pessoas dóceis à sua sedução material. O capitalismo, como sabemos, abomina qualquer discussão de ideias que não seja em proveito da sua utilidade, e que não seja a favor dos monopólios de todos os setores da vida; e a ideologia de ordem econômica e monetária passou a ser, ao que parece, a religião oficial do planeta. A cultura, a arte e a educação, que são bases primordiais do humanismo, vêm sendo ultrapassadas, de último, pelos valores da tecnologia; a preparação técnica das pessoas assumiu o lugar da sua formação, do seu aprendizado sistemático e da sua capacidade de interação com os seus semelhantes; e a defesa da Ética e dos Direitos Humanos igualmente vem perdendo o seu lugar nessa nova forma de sociedade, calculadamente fria e esquisita. Grande parte das pessoas, hoje, sucumbiu à sedução do consumo, e trocou sua alma pela exibição do seu ego. Muitos não estão nos espaços midiáticos da web porque fizeram alguma coisa de proveito no mundo, mas porque desejam promover as suas fantasias. Assusta observar, por outro lado, que o homem perdeu a sua condição de reagir, de se indignar, de denunciar os desmandos da classe política, e de ocupar as ruas e as praças para reivindicar os seus direitos. Os que se julgam acima do bem e da verdade, decretaram a morte dos princípios, como se fosse possível convencer os semelhantes com o barulho de suas teses enfadonhas. A completa conivência de muitos chefes de Estado, e assim também do último governo do Brasil, para com a mentira e a falsificação da verdade, e para com aqueles que já estão cansados de mandar, tais os exemplos de Fernando Color, Renan Calheiros e José Sarney, são situações que estão, por outro lado, a desafiar a paciência das pessoas. No caso específico do Brasil, a busca da justiça social e o resgate da política enquanto vocação parece que não são, decididamente, valores que agradam aos integrantes da classe dirigente. E o povo, sempre alimentado de muitas ilusões, se acostumou demais com a mentira e com as esmolas que lhe são destinadas pelas autoridades que estão de plantão, e não desconfia sequer das intenções dos que estão no centro do poder. Parece ser mesmo doloroso, para os homens de boa vontade, e para os que lutam pela ética e a dignidade, assistir a ascensão de pessoas despreparadas e gananciosas para a representação parlamentar, e para os postos de comando da máquina do Estado. A política não constitui um fim, e o exercício da política, como sabemos, é uma vocação. Não é um patrimônio que se transmite por herança para os apaniguados do poder. A política é uma missão e exige de quem a ela se entrega um compromisso integral e efetivo para com as exigências da vida coletiva. No Brasil, infelizmente, a maioria dos políticos ainda não despertou para a grave questão do ambiente e o povo ainda não se sente motivado para os desafios da educação ambiental, o que é lamentável, e a consequência de tudo será a transmissão, para as gerações futuras, dessa conduta irresponsável. Essa perversão em que a hegemonia da política foi transformada, é a causa da violência social e da violência simbólica que nos cercam; é a causa da proliferação das drogas e das deformações que atacam as novas gerações, e entorpecem a mente dos que gravitam ao redor da máquina do poder. Parece mesmo que existe uma desordem no cosmos, causada pela perversão em que se transformou a política, pois a sinfonia planetária, que há séculos encantava a audiência humana, hoje se encontra ameaçada. Empresários inescrupulosos e políticos de visão mesquinha têm feito da ganância e da especulação instrumentos de violação da paz e do equilíbrio da vida em sociedade. O meio ambiente vem perdendo a sua qualidade. Agredido pela insensatez e a irresponsabilidade de muitos, agoniza qual um animal sangrado, e pede clemência para a tragédia da degradação ambiental e cosmológica. Depois que o homem decretou a morte de Deus e do sagrado, parece mesmo que tudo se tornou possível, cumprindo-se assim a profecia do grande romancista russo Fiódor Dostoiévski. A degradação ambiental, que hoje se espalha pelo mundo, tem recebido respostas muito convincentes da própria natureza, que aqui e ali vai se defendendo como pode, através de vulcões e terremotos, degelo das calotas polares, tsunamis marinhos e aquecimento de todas as regiões do planeta. O ser humano, contudo, não recua e a sociedade de consumo vai achando normal a circunstância de conviver com o lixo e com as embalagens nunca recicláveis das mercadoras que consome, rejeitando o ciclo natural do ambiente à sua volta e substituindo-o pelo consumo de mercadorias e serviços provenientes da indústria do tóxico. O homem que consome, de forma obsessiva, o ópio do mercado, e que sonha com o desejo do lucro, e que apoia, a seu turno, a poluição da natureza, parece mesmo que decidiu morrer abraçado com a sua imperfeição e com a sua teimosia de viés egoísta. Parece que decidiu sufocar a natureza, almejando assim o seu poder absoluto sobre o cosmos. É possível que a voz dos ambientalistas, e daqueles que defendem a natureza, continue clamando no deserto, mas aceitar as coisas de forma diferente, e não reagir contra o agravamento da crise ambiental, me parece o jeito mesquinho de estar no mundo e de aceitar a sua total degradação. Assim sendo, urge que as pessoas de boa vontade continuem resistindo ao avanço do mal e ao poder de degradação do universo, resultado da teimosia dos que não acreditam no amor e na compreensão, que maltratam a sensibilidade e tudo corrompem em nome dos bens materiais e dos interesses políticos inconfessos. Para além de tudo, no entanto, está a esperança, a dignidade dos que sonham com a vida, que replantam a semente do bem e a partilha da Paz e da Justiça, porque os frutos perenes do amor, a defesa da ética e o denodo dos que lutam pelas formas de afirmação do bem e da verdade são as nossas crenças e os nossos valores de maior valia. Fortaleza, inverno de 2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

BARROS PINHO NAS SESMARIAS DA SAUDADE

Juarez Leitão* Na antífona com que abre o seu livro “Circo Encantado”, publicado em 1975, Barros Pinho anuncia a chegada do encantamento na vereda das águas/ na poeira do sol. E, ao fechar o livro, parte com o que restou do espetáculo: aqui vai o circo/trapézio quebrado/areia nos pés/palhaços na rua. Agora, ainda sob o impacto de sua partida inesperada, tropeçamos nos destroços do ciclone emocional que caiu sobre nós. O circo encantado de sua poesia, o aconchego de sua convivência, sua visão crítica do mundo e os demais exercícios de inteligência com que nos brindava na tribuna do parlamento, na academia e na mesa do bar se espalham por todos os cantos da memória aflita e dolorosa de seus companheiros. Quem era este homem-poeta? De que barro foi feito? No poema “Viver não só para existir”, produzido aos 70 anos, se apresenta como “menino aprendiz do absurdo/embriagado no vinho da infância/a andar nos rios pelos caminhos do mar.” Em muitas outras ocasiões de sua mágica, acesa e inventiva poesia se confessa, assim, um menino do rio, atravessado de saudades perenes e úmidas, que escorrem barrentas por dentro da alma. O rio é seu tudo, seu universo pânico e, em torno dele, constrói a peripécia de seu sonho, sua saga, seu roteiro. O Parnaíba, era um lençol de garça nos seus olhos e as suas águas viviam “a tocar flauta no dorso das formigas para o banquete das nuvens”. Um dia, em 1958, no fulgor da adolescência e carregado de perplexidades, Zé Maria chegava ao Ceará. Vinha predestinado a fazer história. Nesta terra foi líder estudantil, vereador, deputado estadual, prefeito da capital e secretário de cultura no estado e no município. Convivemos por 40 anos em ofícios de política e literatura. A arte e o ideal nos fez irmãos. Fui seu companheiro de bancada na Câmara Municipal de Fortaleza pelo MDB, o valente MODEBRA, num momento cinzento da vida política nacional e, naquele parlamento, militamos nas trincheiras da oposição, ele, o líder do partido, eu, seu seguidor fiel em votos de defesa da cidade e de nossos sonhos de juventude. Estes mesmos sonhos, eternos e puros, que nos manteve meninos a vida toda caminhando nas pedras e nas noites para alcançar os fachos da aurora. O destino foi generoso com o nosso poeta, porque, além de o dotar de muito talento e grande caráter, deu-lhe boas oportunidades de exerce-los. E quando todos o tinham como um bom professor e exímio poeta, surpreendeu por sua capacidade de gestor, um executivo operoso a gerar resultados positivos para a administração pública. As funções de homem público nunca endureceram o espírito do poeta. Poeta sempre foi em todos os caminhos de sua existência frutificadora, em que viveu a semear palavras e ternuras para encantar as grandes solidões. Como diz em seus versos, atravessou o tempo e os percalços da vida montado no cavalo Ventania ou na formosa e cúmplice burra Sabiá com o “pendão da cana fixo na retina” e todas aquelas valentias avoengas, qualidades e desculpas, a ternura das mães-pretas, a andeja vocação tabajara e a lubricidade incandescente herdada dos colonizadores da Ibéria. Correu serelepe pela ribeira cheirosa do Parnaíba e pela “terra de serrotes ondulados de longas planícies preguiçosas.” Trouxe para a sua poesia todas as lembranças: a rua em que nasceu, uma missa de domingo na matriz de Nossa Senhora do Amparo, o circo da baianinha que “no trapézio machucava o coração da rua”. Carregou no alforje lã de carneiro, labirintos e vagalumes. No bolso, “o sino de todas as igrejas”, no peito, “o lamento ensebado do carro de boi” e na meia o punhal dos Taiocas, instrumento clânico de prevenção e desabuso contra o atrevimento alheio. Rei Mago, fervoroso e telúrico, trouxe para a literatura brasileira a estrela do natal e escreveu na palha morna e humilde da manjedoura o evangelho das abelhas. Tornou-se o arauto do Menino Jesus e o seu último e caprichoso evangelista. O encanto pelo natal foi o outro rio permanente de sua criação. Barros Pinho nunca envelheceu e, por isso, não pode morrer. Cada encontro com sua poesia nos dará esperanças e utopias novinhas e nos mostrará o mesmo marinheiro afoito a domar mares e ventos, conquistando portos, horizontes e liberdades. Sua franca e mágica viola ponteará, como Garcia Lorca, alegres canções ciganas. Seu gibão o vestirá no chão épico de Gerardo Mello Mourão e, como Manoel de Barros, reinventará o olhar das coisas e recriará os espantos. E, assim, vivo e presente, continuará apalpando as contradições do mundo, esmerando-se na arte de despetalar sentimentos e transmitir o afeto generoso pela terra, pelo homem e pela dignidade humana. E, nos passos que deu e nas marcas que fez, continuará ensinando a sintaxe da paixão e tocando a flauta amorosa da memória. Aqui, no país da saudade, a presença azul, imensamente azul, do menino Zé Maria, ribeirinho telúrico do rio Parnaíba, estará ordenando a vida e construindo novas e ardentes quimeras. Juarez Leitão é poeta e historiador. Pertence à Academia Cearense de Retórica

quinta-feira, 3 de maio de 2012

O POETA JOSÉ MARIA BARROS DE PINHO Pronunciamento do Deputado PAULO FACÓ Senhor Presidente. Senhores Deputados: A política e a literatura do Ceará sofreram um grande golpe na fatídica manhã de 28 de abril, quando transpôs o portal do imponderável o poeta e homem público JOSÉ MARIA BARROS DE PINHO. Fortaleza foi tomada de surpresa quando a lastimável notícia se espalhou como um sopro nefando pela cidade, dando conta do arrebatamento do querido e admirado homem de letras, provocando um agudo sentimento de dor entre seus amigos e admiradores, assim como na multidão inumerável dos que conheceram o seu desempenho tanto como intelectual quanto como gestor público e parlamentar, unidos todos na lamentação da grande perda num tempo tão carente de nobres valores humanos. O professor BARROS PINHO foi um homem de grande envergadura moral e se conceituou no Ceará como portador de uma inteligência superior, produzindo para a literatura obras de alto esmero na poesia, no conto e na retórica. Poeta ensolarado, vibrante e lucidamente preparado, fez de sua arte não só um instrumento de vitalismo estético, mas também uma ponte conceitual de análise da condição humana, defendendo a liberdade, o amor e as raízes da cultura popular, conseguindo no verso e na ficção obter magníficos resultados, sendo, pelo conjunto de sua obra, reconhecido e respeitado nacionalmente. Filho de Teresina, veio do Piauí adolescente para o Ceará e aqui construiu esplêndida carreira como educador, escritor e político, exercendo em nossa terra sua privilegiada inteligência e aplicando na vida pública seu altruísmo, sua honestidade, seu altivo e destemido compromisso com a liberdade e a democracia. Em Fortaleza, estudou no Colégio Lourenço Filho e na Faculdade de Administração do Ceará, por onde graduou-se. Ingressou no magistério como professor de Sociologia do Colégio Santa Lúcia. Vice- Diretor e Coordenador do Colégio Capistrano de Abreu, estava decidido a fundar o seu próprio colégio, conseguindo-o, em 1971, ao inaugurar o Colégio Oliveira Paiva, na Avenida Francisco Sá. O Colégio Oliveira Paiva, dotado de amplo auditório, haveria de se transformar no cenário dos debates, reuniões e seminários de estudantes, professores e militantes políticos que, naquele espaço corajosamente cedido por Barros Pinho, praticavam a resistência democrática à ditadura militar. Afoito ativista político, Barros Pinho já se envolvia com o Movimento Estudantil desde o Piauí, quando foi eleito Vice-Presidente da União Piauiense de Estudantes Secundaristas. No Ceará, foi Primeiro Secretário do Centro Estudantil Cearense e Presidente da UEE – União Estadual dos Estudantes. Preso político em 1964, nunca renunciou aos seus ideais democráticos e, quando foi possível, voltou à militância, elegendo-se vereador à Câmara Municipal de Fortaleza, nos anos 70 do século passado, exercendo a liderança do Movimento Democrático Brasileiro, o partido de oposição ao Regime Militar. Eleito Deputado Estadual em 1982, brilhou na tribuna e nas comissões, sendo escolhido seguidamente pelo Comitê de Imprensa como um dos melhores deputados em todos os anos de seu mandato. Em momento memorável da Casa do Povo, saudou a presença do senador Teotônio Vilela nesta Assembléia Estadual, proferindo um discurso que comoveu profundamente o homenageado, ao ponto deste declarar que aquela fora a melhor oração que ouvira em toda a sua vida. Secretário Estadual de Cultura e Presidente da Fundação Cultural de Fortaleza, desempenhou com clara e distinta competência a sua missão, com realizações marcantes em favor do folclore, da literatura, das artes plásticas, da pesquisa histórica, do teatro, da música regional e do carnaval. Estimulou especialmente os maracatus. E fundou o Teatro Antonieta Noronha. Desenvolvia no município de Maracanaú, onde era Secretário de Cultura, excelente trabalho de recuperação das raízes culturais indígenas e africanas quando foi repentinamente atingido pela doença que o levaria à morte. Probo, lídimo e conceituado homem público, Barros Pinho era, sobretudo, um intelectual. Segundo os críticos, sua poesia e seus contos tem grandeza espiritual e densidade criadora, com profunda e especial capacidade no emprego da invenção, dos símbolos e das metáforas. As marcas da infância nunca se apagaram na alma do menino ribeirinho e foram constantemente utilizadas como objetos recorrentes de sua produção literária. Tinha uma verdadeira e tocante obsessão por alguns elementos consuetudinários e práticas culturais vivenciadas na família nordestina. O circo, as lendas matutas, os mistérios do rio Parnaíba e, sobretudo, o natal, eram seus temas preferenciais. Bom boêmio, gostava da mesa de bar, onde bebia pouco e conversava muito. Foi fundador e assíduo freqüentador do Clube do Bode, uma das melhores rodas boêmias da cidade. Enfim, Barros Pinho foi um homem que amou a vida e por seus caminhos transcendentes andou como personagem lírico, audaz e verdadeiro. Puro e autêntico, incandescente de paixão, foi um cavaleiro afoito a empunhar o seu famoso “punhal dos Taiocas” contra a pusilanimidade, a ignorância, a covardia dos prepotentes e inimigos da liberdade. O poeta Cinéas Santos o define como um cangaceiro romântico de alma incandescente, portador do sentimento do mundo e do compromisso altaneiro com a humanidade. Concluo com estes versos de nosso pranteado poeta Barros Pinho: “Carrego madrugada no canto dos olhos. Nos meus ombros depositaram noites Que não querem ser dia. Nos cabelos Guardo a ilusão Ou o sonho Dos que sonharam. Nas mãos trago pedaços de sol só pra distribuir. Na alma A ausência cansada de bater Nos diques da vida.”