Barros
Alves
O
que pensam e dizem os poetas populares sobre o cotidiano da Política e os rumos
da sociedade? A maioria desses rapsodos do povo é de personagens sertanejas,
iletrados, semialfabetizados, para quem a Academia ainda faz ouvidos de
mercador, apesar de grandes nomes da Literatura nacional já terem se debruçado
sobre o vasto mundo da Literatura de Cordel, como se convencionou chamar este
tipo de escritura poética que aportou no Brasil com o elemento branco, provindo
da Península Ibérica, não exclusivamente de Portugal. Na Espanha seiscentista
este tipo de literatura era conhecida como pliegos
sueltos, folhas soltas. Alguns estudiosos colocam a origem do cordel na
França da época carolíngia. E o que diz o poeta sobre a origem daquilo que ele
próprio cria? Com a palavra Zé Maria de Fortaleza, e os irmãos Arievaldo e
Klévisson Viana. Esses três mosqueteiros da poesia popular escreveram um
folheto de ensinamento intitulado “A
Didática do Cordel”:
Não
se sabe exatamente
O
cordel de onde veio
Alguns
afirmam que os mouros
Lhe
serviram de correio
Até
a Península Ibérica
E
de lá pra o nosso meio.
O
cordel viajou sempre
Nessa
marcha cultural
Conduzindo
a influência
Da
cultura oriental
Embora
seu nome seja
De
origem provençal
A
poesia cordeliana encontrou no Nordeste um ambiente onde surgiria forte,
atraente e vasta, conforme escreve Manuel Diégues Júnior, autor erudito com
vários trabalhos publicados sobre o tema. Para Diégues Júnior “as condições
sociais de formação do Nordeste como que predispuseram para que aqui pudesse
surgir, desenvolver-se e tomar característica própria esse tipo de manifestação
cultural”. O nome Literatura de Cordel nos vem de Portugal em razão dos
folhetos serem expostos pendurados em barbantes em feiras ou casas em que eram
vendidos. O cronista português Teófilo Braga dá conta que no século XVII essa
literatura já estava batizada pelo povo com tal nome. O Poeta Rodolfo Coelho
Cavalcante, um Dom Quixote do cordel, publicou alguns milhares de folhetos. Em “Origem da Literatura de Cordel e a sua
Expressão de Cultura nas Letras de Nosso País”, explica:
Cordel
quer dizer barbante
Ou
senão mesmo cordão,
Mas
cordel-literatura
É
a real expressão
Como
fonte de cultura,
É
a poesia pura
Dos
poetas do sertão.
Na
França e também Espanha
Era
nas bancas vendida,
Que
fosse em prosa ou em verso,
Por
ser a mais preferida.
Com
o seu preço popular
Poderia
se encontrar
Em
esquinas e avenidas.
De
igual modo os irmãos Viana ensinam no folheto anteriormente citado:
Pois
lá na Península Ibérica
Cordão
se chama cordel
Onde
eram penduradas
As
folhinhas de papel
Nascendo
daí o nome
Desta
cultura fiel.
Atualmente,
a moderna Literatura de Cordel mantém praticamente as mesmas características
básicas dos tempos de antanho, quer no formato gráfico, quer na técnica do
verso. Trata-se, portanto, de poesia popular escrita quase sempre em versos de
sextilhas (estrofes de seis versos) ou septilhas (estrofes de sete versos) septissilábicos,
ou seja, de sete sílabas métricas cada verso. As capas dos folhetos podem ser
com figuras em preto e branco, feitas em xilogravuras, o que vem rareando, dado
as muitas possibilidades que a informática permite aos artistas plásticos e
gravuristas, os quais elaboram desenhos tão perfeitos como se xilogravuras
fossem. Algumas editoras preferem capas com fotografias coloridas à moda das
revistas de entretenimento. É ainda Rodolfo Coelho Cavalcante quem nos ensina:
No
Brasil é diferente
O
cordel-literatura,
Tem
que ser todo rimado
Com
sua própria estrutura
Versificado
em sextilhas
Ou
senão em septilhas
Com
a métrica mais pura.
Arievaldo
Viana historia a adaptação ao nosso meio da poesia de cordel que nos legaram os
ibéricos:
O
Nordeste brasileiro
Recebeu
a tradição
Do
trovadoresco ibérico
E
lhe deu nova feição
Diversas
modalidades
Nasceram
em pleno sertão
E
consoante a modernidade tecnológica dos tempos atuais, o poeta demonstra a
capacidade de se inserir nas vanguardas do pensar e do agir:
Se
o cordel está vivendo
A
era da informática
Tem
que usar o modernismo
Dentro
da sua temática
Para
não contrariar
Os
conceitos da didática.
Sua
legitimidade
Não
está no seu formato
Nem
depende do papel
Xilogravura
ou retrato
Está
na forma dos versos
O
resto tudo é boato.
Os
desavisados muitas vezes confundem o poeta cordelista com o cantador repentista
que improvisa ao ponteio da viola. Todo cantador é em tese um poeta de cordel,
mas nem todo o poeta de cordel é um menestrel improvisador. Daí serem os poetas
de cordel também chamados “poetas de bancada”. Porque eles escrevem suas
produções poéticas e presumivelmente se sentam à mesa para elaborá-las. Antes
eram as histórias tradicionais, narrativas de guerras, viagens, conquistas
marítimas, fatos grandiosos ocorridos em épocas distantes no tempo e
conservadas pela memória popular, romances ou novelas de cavalaria, histórias
de amor. Os nossos antepassados, certamente por isto, nomearam também os
folhetos de Literatura de Cordel como “romanços”, romances.
Mas,
a LC sempre teve um viés jornalístico, pois desde os seus primórdios surgem
folhetos dando notícias de fatos recentes, descrição de acontecimentos sociais
ou críticas aos (des)caminhos da sociedade e aos governantes de plantão. É como
diz o poeta José Antônio dos Santos no folheto “História da Literatura de Cordel”:
O
bom poeta andarilho
Do
povo seguia a pista
E
funcionava como
Verdadeiro
jornalista
Seus
poemas de aventura
Cantava
como um artista.
Esse
desiderato jornalístico da LC foi
observado por Teófilo Braga já no século XIX, pois o autor observa que com o
surgimento do jornal inicia-se uma certa decadência da LC. No Brasil, talvez
por ter sido um país predominantemente agrário até a década de 60 do século
passado, a LC continuou em pleno esplendor, sendo lida apreciada pelas classes
menos favorecidas. Ainda agora, depois de um certo hiato, essa manifestação
poética ganhou relevo até mesmo nos meios acadêmicos, sendo objeto de teses e
dissertações. Há mesmo um projeto pensado pelo pesquisador e cordelista
Arievaldo Viana, o “Cordel na Escola”
que está sendo encampado pelo Ministério da Educação. Klévisson Viana, também
poeta e artista plástico de renome internacional, abastece o mercado livreiro
com cordéis da melhor qualidade literária, através da Editora Tupinanquim, onde
trabalham nomes que pontificam na moderna LC, entre os quais destacam-se os
poetas Rouxinol do Rinaré, Antônio Queiroz de França, Evaristo Geraldo da
Silva, Gonzaga de Canindé, Pedro Paulo Paulino e Julye Anne da Silva.
Sobre
o projeto Cordel na Escola, o Poeta
Arievaldo Viana lembra que a LC não é uma poesia de linguagem matuta e escrita
gramaticalmente incorreta. Os poetas de cordel, ainda que iletrados, conservam o código lingüístico
próprio da sua região, ao tempo em que primam pela correção da escrita. É isto
dá uma beleza especial ao verso cordeliano. E o próprio Arievaldo chama a
atenção:
Para
quem ama o cordel
porém
só vê poesia
nessa
linguagem matuta
“pru
quê”, “pru mode”, “pru via”,
tendo
o sertão como tema
pode
esquecer meu poema
bater
noutra freguesia.
Como
poeta utilizo
Métrica,
rima e oração
Pois
o cordel sendo usado
Para
a alfabetização
Não
pode ensinar errado
Nem
pode ser embalado
Nas
plumas da erudição.
A
maioria dos poetas de cordel é, de fato, formada na escola da vida. Formada e
doutorada. E, como o que não falta a esses poetas é sensibilidade, eles transformam
seus versos em espada de Dâmocles que desce sem dó nem comiseração sobre a
cabeça de quantos não cumprem com os seus deveres políticos ou sociais. A
própria sociedade e “os desmantelos do mundo”, como gostam de dizer, são
objetos de suas sátiras versificadas e de seus versos cômico-satíricos, que
tantas vezes driblaram até mesmo a censura oficial, reafirmando o ditado latino
ridendo castigat mores, é rindo que
se castigam os costumes. Principalmente os costumes políticos. Assim é que
existem inúmeros folhetos que tratam da chegada de figurões ao inferno. Para
exemplo cito Paulo de Tarso, poeta popular tauaense, em A Chegada de PC no Inferno. O poeta registra, segundo sua fértil
imaginação, a chegada de Paulo César Farias, ícone da corrupção no governo do
ex-presidente Fernando Collor de Melo. Vejam a crítica política subjacente à
reação do Capeta ante a possibilidade de receber tão incômodo inquilino nas profundezas
infernais:
Satanás
apavorado
Levantou-se
para ver
E
o Cão Goteira gritou:
-
Padrinho chegou PC!
Ele
é bem perigoso
E
vem bastante raivoso
Podemos
lhe receber?
Satanás
disse: - Demore!
A
coisa não é assim
O
meu inferno ta cheio,
Mais
um sujeito ruim?!
Já
não agüento mais
Com
tanta gente incapaz
Com
isso terei meu fim.
Depois
de um arranca-rabo dos diabos com PC, o Façanhudo das Profundas, já conhecedor
do caráter corruptor e corruptível de PC, usou a linguagem que ele melhor
entendia:
Satanás
muito ligeiro
Começou
logo a pensar
E
disse: - Seu PCzinho
Pois
vamos negociar
Eu
pago até cem por cento
Mas
aqui no meu assento
O
senhor não vai sentar.
O
cordel de Paulo de Tarso transcorre todo ele como uma crítica aos costumes
políticos, citando personagens conhecidos da história política do Brasil
contemporâneo. Diante do realismo digno de qualquer matéria jornalística o
cordel em tela nem parece uma peça de ficção.
A
política tem sido um manancial de inspiração para os poetas populares em todas
as suas nuances. O Poeta Patativa do
Assaré, tido merecidamente como um dos grandes nomes da poesia popular de
feição social escreveu poucos folhetos de cordel. Com efeito, ele não é um
cordelista no sentido lato do termo, mas um poeta com características próprias
que vão do erudito, com sonetos petrarquianos da melhor lavra, à poesia matuta
de prosódia cheia de plebeísmos e cacoepias. Entre os seus folhetos melhor
elaborados está um que é pouco divulgado, intitulado “Glosas Contra o Comunismo”, escrito nos anos 40 do século
passado. Trata-se de uma amostra da
visão política de um homem do povo em um dado momento da história. Patativa
critica os comunistas que depois o incensaram em razão de sua poesia
marcadamente de crítica social. Os versos que seguem, aliás, desmentem o
discurso ideologizado de alguns críticos
que durante muito tempo impingiram à opinião pública a idéia de que
Patativa era analfabeto.
Como
popular versista
Provo
com os versos meus
Ser
inimigo de Deus
O
regime comunista.
Ali
não há quem assista
Um
ato de adoração,
Nesta
lei de confusão
Criada
pelo demônio
Não
existe patrimônio
E
é contra a religião.
Pratica
um grande cinismo,
É
burro três vezes burro,
Tolo,
idiota e casmurro
Quem
apóia o comunismo.
Entra
dentro de um abismo
Onde
não se vive bem,
É
um teatro onde só tem
Corrupção,
miséria e crime,
Quem
aceita este regime
Gosta
do diabo também.
Leitor,
seja corajoso
Para
romper o embaraço
E
não vá cair no laço,
Pois
comunista é manhoso,
Mui
sagaz e astucioso,
Anda
disfarçadamente
Com
cara de boa gente
Para
fazer sedição,
É
um fino espertalhão
E
falso como a serpente.
Especialmente
as falcatruas protagonizadas por preeminentes personalidades da nossa vida
pública nas mais diversas instâncias de poder são alvo dos nossos poetas
populares. É tudo como diz o Poeta Horácio Custódio no folheto “Corrupção sem fronteiras”:
Algumas
autoridades
Exercem
mau seus deveres
Atropelam
nossas leis
Prejudicam
muitos seres
Este
mal vem aumentando
E
já está atacando
Até
mesmo os três poderes
Já
imaginou as verbas
Das
cruéis corrupções
A
quantia universal
Somaria
alguns trilhões
Dividido
em benefícios
Sanaria
sacrifícios
Das
mais diversas nações.
No
Ceará, o então Deputado Sérgio Benevides viu-se envolvido em rumoroso caso de
corrupção e desvio de recursos da merenda escolar em Fortaleza. Em um primeiro
processo o parlamentar foi absolvido pelos seus colegas. O Deputado Heitor
Férrer recorreu ao Judiciário para anular a sessão e, numa segunda oportunidade,
os parlamentares cassaram o colega corrupto. A absolvição no primeiro momento
revoltou a sociedade cearense, ganhou as manchetes de jornais e os folhetos de
cordel. Entre eles destaco “O Caso da
Merenda e a Ética do Deputado”, de autoria do Poeta Otávio Menezes, que não
poupa o Parlamento:
Eu
sei que a Assembleia
É
uma casa de respeito
Inda
tenho este conceito
Não
vou mudar a idéia
Mas
parece que a alcatéia
Ou
manada primitiva
Lá
juntou-se em comitiva
E
de maneira patética
Aboliu
o termo “ética”
Na
Casa Legislativa
Há
mesmo quem não entenda
Como
um parlamentar
Fez
esquema pra roubar
De
aluno pobre a merenda
O
eleitor com esta aprenda
Prestando
mais atenção
Vem
aí outra eleição
Por
favor não vá errar
Cuidado
pra não votar
Em
parlamentar ladrão.
Com
uma ponta de saudosismo, Otávio Menezes faz um exercício analógico entre o
ladrão pé-de-chinelo e o de colarinho branco, este normalmente com aparência de
pessoa de bem, de autoridade:
O
ladrão de antigamente
Era
apenas marginal
Que
entrava num quintal
Se
o dono tivesse ausente
Já
o ladrão do presente
É
um sujeito bem ativo
Corrupto
e criativo
Não
rouba, se apropria
Não
assalta, só desvia
Recursos
do Executivo.
O
gatuno do passado
Só
roubava no escuro
Pulando
a cerca e o muro
Ligeiro,
só e calado
Já
o de hoje é letrado
Tem
mansão e bom assento
Inda
rouba e não se suja
E
inda ganha de lambuja
Cadeira
no Parlamento.
Um
poeta que se assina com o pseudônimo de João Grilo escreveu um folheto de
cordel com o quilométrico título de “Lula,
culpado oou omisso nos crimes do mensalão e dos sanguessugas”. Trata-se de
um dos famosos “sonhos” inventados pelos poetas populares onde normalmente eles
vão ao céu ou ao inferno, dependendo do teor da crítica. Este João Grilo, que
certamente não se trata daquela famosa personagem de um clássico folheto de
cordel, foi à morada de Satã:
Sonhei
que fui ao inferno
Numa
rápida excursão,
Chegando
vi um letreiro
Escrito
na escuridão:
“Aqui
sem risco de fugas
Vão
viver os sanguessugas
E
a máfia do mensalão”.
Dos
fundos da galeria
Uma
voz gritou: “Sou eu!
Aqui
estou preparando
O
meu futuro museu
Para
apresentar com graça
Todo
o filme da trapaça
Do
ministro Zé Dirceu”.
O
folheto constitui um longo arrazoado em versos a criticar os desmantelos do
lulo-petismo ao tempo do escândalo do mensalão, protagonizado por
personalidades da confiança do Presidente da República, o qual, por seu lado,
reiterou em várias oportunidades que de nada sabia. Ao que o poeta indaga com
pertinência:
Não
tinha dono esta casa?
Nem
chefe nem direção?
Como
alguém que vive nela
Faz
toda a corrupção
Formando
enorme quadrilha
Que
rouba, furta e humilha
Sem
culpa e sem omissão?
Como
é que um presidente
Alguém
que é bem informado
Pelas
agências secretas,
Tem
agindo do seu lado
Um
Valdomiro Diniz
E
depois de tudo diz
Que
nada foi comprovado?!
E
por falar em Lula, o Poeta Crispiniano Neto, amigo do presidente, elaborou uma
volumosa coletânea de poemas de cordel assinados por expressivos nomes do
cenário cordelístico. Trata-se, evidentemente, de trabalho encomiástico, de
loas ao companheiro chefe da nação.
“Lula na Literatura de Cordel” apresenta textos de boa qualidade, mas que
podem ser claramente identificados como um culto à personalidade do “nosso
guia”, como diria o Jornalista Elio Gaspari.
Cito algumas estrofes:
De
Rouxinol do Rinaré, poeta cearense:
Foi
o povo quem votou
Pra
Lula ser presidente
A
nação bem consciente
O
seu trabalho aprovou
Um
tucano ameaçou
Que
pretende atrapalhar
A
decisão popular
Merece
nosso respeito
Pelo
bom que ele tem feito
- Deixe o homem trabalhar!
De
Luiz Gonzaga da Silva, dito Luiz Antônio, poeta paraibano:
Discurso
que Lula faz
Tem
muito o que se ouvir
Não
pode se corrigir
Porque
erro ele não traz;
Os
feitos deste rapaz
Faz
anos que eu coleto
Por
isso eu não interpreto
Porque
é que alguém lhe inflama
Analfabeto é quem chama
Lula de analfabeto
De
Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da Academia Brasileira da Literatura de
Cordel-ABLC, logo depois da primeira eleição de Lula:
Com
Lula o nosso país
Tem
um presidente sério
Sem
demagogia alguma
Sem
mentira e sem mistério
E
se fará respeitado
Querido
e admirado
Pelas
nações do hemisfério
De
Antônio Queiroz de França, poeta cearense, operário anarquista:
Os
brasileiros esperam
Justiça
e dignidade
Pedem
ao Lula presidente
Muita
sensibilidade
Com
a miséria crescente
Do
campo até a cidade.
De
Pedro Queiroz, poeta pernambucano:
Seu
projeto “Fome zero”
Que
é de grande valia
Ajudará
muita gente
Sair
dessa tirania
Não
dá pra sobreviver...
Quem
não tem o que comer
Morre
um pouco todo dia.
Crispiniano
Neto, o poeta autor da coletânea em homenagem ao presidente Lula, é antigo
militante do PT e presidiu a Fundação Cultural José Augusto, Natal-RN. Há quase
trinta anos o poeta petista, então na oposição acirrada ao regime militar que
estava em seus estertores, fez publicar um livro intitulado “A Verdade é pra ser dita”. Na obra
está inserto o poema “O Pobre que vota
em rico”, do qual recolho as estrofes que seguem. O leitor reflita se
daquele tempo a esta parte a situação
mudou conforme o almejado:
O
pobre hoje só vive
Imprensado
e oprimido
Por
isso o pobre que vota
Pra
ver um rico crescido
Apanha
e não se desgosta
É
como a mulher que gosta
De
apanhar do marido.
Rico
atrás de voto adula
Visita
fora de hora
Eu
comparo com um morcego
Que
chia, abana e se escora
Se
o bicho perde o sobroço
Ele
fura no pescoço
Chupa
o sangue e vai embora.
O status quo do cenário político
brasileiro parece imutável, de modo que a poesia desses menestréis do povo
permanece de ímpar atualidade. O estado de corrupção parece intrínseco ao
tecido sócio-político nacional. Que o digam os escândalos que têm explodido nos
últimos tempos e em que estão envolvidos dirigentes executivos e parlamentares
das mais diversas siglas partidárias, da direita à esquerda do espectro
político-ideológico e em todos os quadrantes e níveis de poder. Um dos mais
rumorosos casos ocorridos no Senado da República envolveu altas personalidades do Congresso Nacional. Foi
levado ao público pela mídia em geral e o cordelista Ricardo Coração de Poeta não
perdeu a oportunidade para alfinetar:
O
Senado reuniu-se
Pra
discutir falcatruas,
Era
um bando de peruas,
Foi
isto mesmo que viu-se.
E
a briga resumiu-se
Numa
dupla porra-louca
Que
quase ficava rouca
De
se alcunharem ladrão,
Foi
uma esculhambação
Esse
público bate-boca.
Foi o Renan Canalheiros
Que
começou a baderna
Queria
passar a perna
Em
todos os brasileiros.
Ô
senadores fuleiros!!!
Esse
povo do Senado
Deve
ser preso e algemado
Todo
esse Senado inteiro
Que
é cheio de trapaceiro,
Ladrão,
corrupto danado.
Até
o coronel Tasso,
Dito
“coronel de merda”...
Dizem:
“quem não furta, herda”,
E
ele herdou um dinheiraço,
Porém
perdeu o compasso
E
caiu na bandalheira,
E
a gente queira ou não queira
É
madame no puteiro
Junto
com o cangaceiro
Que
ele disse de terceira.
O nosso pobre Senado
Já
virou um quenguenbal,
Não
tem ética nem moral,
Está
muito esculhambado,
Ninguém
tá preocupado,
Parece
um bando de gay.
Renan,
Collor e Sarna Ney
É
uma trindade chula
Que
tem o apoio do Lula
Para
descumprir a Lei.
O
universo da Literatura de Cordel é algo tão fenomenal e extraordinário que um
fragmento temático igual a este não cabe in
totum numa matéria de feição jornalística. O leitor, por agora, há de se
contentar com o que até aqui foi dito e esperar a boa vontade da editoria para
se dar continuidade ao provocante tema.
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