O golpe militar de 15 de novembro de 1889 permanece, sob qualquer perspectiva histórica séria, como uma ruptura abrupta, ilegítima e institucionalmente desastrosa. Não houve plebiscito, consulta pública, debate parlamentar, movimento popular ou revisão constitucional: o regime monárquico brasileiro foi derrubado por um ato de força militar, sem respaldo jurídico, em total desrespeito ao art. 98 da Constituição de 1824, que previa que somente a própria Nação poderia alterar a forma de governo, jamais um movimento liderado por meia dúzia de açodados positivistas conluiados com traidores que se esconderam atrás da farda do glorioso Exército brasileiro.
Dom Pedro II, deposto sem resistência para evitar derramamento de sangue, não era um tirano; era, segundo testemunhas brasileiras e estrangeiras, um dos chefes de Estado mais respeitados do século XIX, que gozava da admiração internacional, em razão do seu saber, da sua erudição, da sua magnanimidade e, sobretudo, do seu caráter político, um Estadista que estava conduzindo o Brasil a um patamar de honra e grandeza no concerto das poderosas nações da época. O imperador D. Pedro II era visto de fato como uma das mais ilustres personalidades no mundo daquele tempo. Senão vejamos o conceito que dele faziam nomes da mais elevada estirpe europeia. Victor Hugo, o insuperável romancista francês, autor de “Os Miseráveis”, afirma em carta ao Imperador: “O senhor é um monarca verdadeiramente republicano.” O cientista Louis Pasteur, em discurso de agradecimento ao Pedro II amigo da ciência, no Instituto Pasteur, declara: “Dom Pedro II honra a ciência com seu apoio e sua inteligência.” O historiador e filósofo Ernesto Renan, um dos mais sábios franceses do século XIX, descreveu o imperador do Brasil como “Um dos homens mais cultos de seu tempo.” Alexandre Dumas Filho, o célebre romancista francês, autor de “A Dama das Camélias”, ao conhecer D. Pedro II, sentenciou: “Não recebi aqui um soberano, mas um sábio.” O genial e respeitabilíssimo Richard Wagner, comensal de reis e príncipes da Europa, após encontro com Pedro II, registrou que jamais havia conhecido “um imperador tão instruído e musicalmente culto”.
De
igual modo, grandes nomes da nossa história-pátria se manifestaram com grande
respeito e admiração pelo Imperador Pedro II, apesar de alguns deles haverem
contribuído para a queda da monarquia do Brasil. Joaquim Nabuco, político e
diplomata de inegáveis méritos, escreveu na autobiografia “Minha Formação”,
que “a Monarquia caiu não porque fosse fraca, mas porque era forte demais
para certas ambições.” O alforriado José do Patrocínio, que se fez jornalista
e orador popular, embora republicano, lamentou o golpe:
“Não derrubamos um tirano, mas exilamos a virtude.” E outro grande sábio
brasileiro, o Barão do Rio Branco, insuperável diplomata, declarou que a
monarquia do Brasil era “o cimento da unidade nacional”.
O liberal Rui Barbosa, um acerbo crítico do regime, que lutou pela implantação da República no Brasil, confessou em 1889: “A Monarquia, com todos os seus defeitos, nos deu ordem, estabilidade e prestígio externo.” Na biografia de Rui Barbosa, escrita por Luís Viana Filho, o autor diz que ao ver a família real embarcar para o exílio, expulsa sem o menor respeito, Rui Barbosa chorou. Como homem experiente que era, ali prenunciou as tempestades que viriam por parte de uma República que nada teria de republicana. Pouco tempo depois Rui foi vítima da ditadura de 1893, imposta pelas baionetas a serviço de Floriano Peixoto. Aí foi Rui quem seguiu para o exílio. Ao retornar se elegeu senador e em 1914, em discurso no Senado teria pronunciado a famosa frase que é o retrato do em que se transformou a República brasileira: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.” Alguns autores, sem fontes seguras, afirmam que a conclusão dessa frase soa como um lamento cheio de remorso. Rui teria dito: “Tal é a República que, infelizmente, eu ajudei a implantar no Brasil.” O fato é que daquele tempo a esta parte, sob a República mal nascida, continuam a triunfar as nulidades, a prosperar a desonra, a crescer a injustiça. Presentemente, com o beneplácito da mais alta Corte do País, como que a dar razão ao velho Rui, segundo o qual a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Nenhum desses testemunhos é folclore: são registros documentais, publicados, verificáveis. E todos convergem para a imagem de um Imperador culto, moderado e constitucional.
Por oportuno, impõe lembrar que a Constituição de 1824, embora fruto de um momento pós-independência, foi uma carta liberal avançada para seu tempo, espelhada na Constituição espanhola. Afonso Arinos de Melo Franco, citado pelo comunista Leôncio Basbaum, na obra “História sincera da República” (4 volumes), diz que a Constituição que foi promulgada pelo Imperador Pedro I, depois de haver fechado a Constituinte de 1823, era mais democrática do que a que estava sendo gestada no Parlamento sob a liderança dos irmãos Andrada. Promulgada em 1824, a Constituição nascida sob Pedro I, permaneceu por 65 como o mesmo marco jurídico. Podemos assegurar sem erro que durante esse período o Brasil Imperial conheceu sucessão de poder estável, harmonia entre poderes, ausência de golpes, integridade territorial preservada e governabilidade regular.
O país funcionou sob a lógica do Poder Moderador, muitas vezes mal compreendido hoje, mas que, de fato, não era absolutista, mas uma forma de “árbitro institucional” com o objetivo de manter o equilíbrio entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Era instrumento inspirado no constitucionalismo inglês, especialmente na visão de Benjamin Constant, não o brasileiro que se inscreveu entre os golpistas de 1889, mas o autor do clássico “Princípios de Política Aplicáveis a Todos os Governos”. O Constant francês era defensor de uma “magistratura neutra” que prevenisse crises políticas. O Poder Moderador foi um instrumento de equilíbrio. A Monarquia brasileira, com todos os seus problemas, conseguiu algo raro na América Latina: unidade política, territorial e institucional.
Em contraste gritante, que está explícito para qualquer curioso da história-pátria, a nossa República é um tempestuoso oceano de instabilidade política e criou uma cultura de desrespeito aos mais comezinhos valores democráticos. Nesse rastro de descompassos, produziu 8 Constituições (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969, 1988). Seguindo o exemplo de 1889, contam-se quatro Golpes de Estado (1930, 1937, 1945, 1964). As crises levaram ao impeachment de dois presidentes: Fernando Collor de Melo em 1992; e Dilma Roussef, 2016. Anteriormente tivemos duas deposições: a de Getúlio Vargas, em 1945; e a de João Goulart, em 1964. De permeio tivemos Estados de sítio, intervenções e fechamento do Congresso. Sem contar com a longa ditadura estadonovista de Vargas (1937 a 1945). A rigor desde a Revolução de 1930, quando Vargas assumiu o poder e ficou enrolando até 1937, quando deu o golpe fatal na democracia já agonizante. E o longo período de governos autoritários, comandados por militares (1964–1985).
Ao contrário da Monarquia, a República brasileira foi, desde o início, um regime de substituições constitucionais recorrentes, demonstrando falhas estruturais e incapacidade de estabilidade a longo prazo. No dias atuais estamos a constatar o ludíbrio que o próprio Poder Judiciário impõe à nação, de fato, enquanto discursa em defesa da democracia. A Constituição de 1988 está sob tensão. Com efeito, a chamada de Constituição Cidadã tem sido objeto de uma hermenêutica falaciosa, desvestida da cientificidade que o legítimo direito exige, condição “sine qua non” para que o Estado seja efetivamente democrático. A nossa Constituição, que queríamos fosse escudo e anteparo de todas as crises, está agora a ser vítima de reinterpretações expansivas, ativismos judiciais, invasões de competência, decisões monocráticas de impacto nacional, e debates constantes sobre limites do STF. Não é necessário assumir um lado político para reconhecer que o texto constitucional vem sendo esticado, reinterpretado e até contrariado em temas como sensíveis como a separação dos poderes, a liberdade de expressão, o sistema eleitoral, o federalismo, decisões penais monocráticas, as competências do Legislativo. A própria ideia de “Constituição rígida”, típica de repúblicas modernas, tem sido corroída por sucessivas intervenções interpretativas. Não é necessário ser especialista em Ciência Política para constatar que institucionalmente, a Monarquia brasileira cumpriu seu papel, ao proporcionar continuidade, coerência jurídica e moderação. A República, ao contrário, tornou-se um campo de disputas partidárias que frequentemente ultrapassam os marcos da constitucionalidade.
Por final, é importante desconstruir a ideia equivocada de que temos uma tradição republicana. Eis uma grande mentira!!! Essa narrativa falaciosa foi plantada maldosamente na sociedade, mas não encontra sustentação histórica, em razão do próprio nascimento da nação brasileira. O imaginário do povo brasileiro é predominantemente monarquista. A cultura brasileira, contradizendo o modelo republicano, permanece profundamente monárquica em sua simbologia. É revelador que o povo continue a associar excelência, respeito e grandeza a termos monárquicos: “Rei do Futebol” (Pelé), “Rainha dos Baixinhos” (Xuxa), “Rei do Baião” (Luiz Gonzaga), “Rainha da Sofrência”, “Imperador do Samba”, “Princesa do Sertanejo”. E na gastronomia: “Rei da Buchada”, “Rei da Panelada”, “Rei da Pizza”, “Rei do Sushi”. Imaginem!!!
Mesmo sem Monarquia, o povo espontaneamente recupera a dignidade simbólica da realeza. É a forma cultural brasileira de exprimir reconhecimento aos valores da monarquia, algo que o termo “presidente”, desgastado e politicamente fluido, não carrega. A palavra “presidente” no Brasil tornou-se, com raras exceções, sinônimo de disputa, suspeita, escândalo, instabilidade. “Presidente” é um vocábulo desmoralizado. Já a realeza é símbolo de excelência, permanência e respeito.
Há uma situação histórica da qual a República não pode se desvencilhar. Criticar o golpe de 1889 não é mero saudosismo aristocrático, mas uma necessidade intelectual diante dos fatos históricos e institucionais. A Monarquia brasileira proporcionou aos brasileiros estabilidade, unidade territorial, preservou instituições, manteve uma Constituição por 65 anos, formou estadistas, e projetou o Brasil internacionalmente. Qual o legado da República? Multiplicou constituições, acumulou rupturas, mergulhou em crises recorrentes e ainda hoje luta em vão para consolidar um sistema constitucional estável. Ignorar essa realidade é recusar a autocrítica necessária para compreender o Brasil.
Enfim, não é difícil constatar que a tradição monárquica não está apenas no passado: está no imaginário nacional, na cultura popular, na linguagem e no símbolo. O povo, intuitivamente, nunca deixou de reconhecer o valor da realeza. Talvez porque tenha percebido, ainda que de forma não verbalizada, que a Monarquia funcionava, enquanto a República luta, há mais de um século, para se firmar.




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