Ives Gandra da Silva Martins
Estado laico não é Estado ateu.
A esmagadora maioria do país crê em Deus. Se manifestações
contrárias ao ateísmo forem vetadas, como querem alguns, será uma
ditadura da minoria No "Consultor Jurídico", leio artigo de Lenio Streck, eminente
constitucionalista gaúcho. Ele, até com certa ironia e um misto de humor
britânico e local, destrói todos os argumentos da pretensão de membro
do Ministério Público que impôs ao Banco Central 20 dias para retirar
das cédulas do real a expressão "Deus seja louvado".
Concordo com todos seus argumentos. Lembro que o referido
procurador deveria também sugerir aos constituintes derivados, que são
todos os parlamentares brasileiros (513 deputados e 81 senadores), que
retirassem do preâmbulo da Constituição a expressão "nós, os
representantes do povo brasileiro, sob a proteção de Deus, promulgamos
esta Constituição".
Creio, todavia, que por ser preâmbulo da lei suprema, é
imodificável. Terá o probo representante do parquet de suportar a
referência ao Senhor.
Aliás, é bom lembrar que, sob a proteção de Deus, a Constituição
promulgada permitiu que, pelos artigos 127 a 132, tivesse o Ministério
Público as relevantes funções que recebeu e que ensejaram ao digno
procurador ingressar com a ação anticlerical.
Tem-se confundido Estado laico com Estado ateu. Estado laico é
aquele em que as instituições religiosas e políticas estão separadas,
mas não é um Estado em que só quem não tem religião tem o direito de se
manifestar. Não é um Estado em que qualquer manifestação religiosa deva
ser combatida, para não ferir suscetibilidades de quem não acredita em
Deus.
Há algum tempo, a Folha publicou pesquisa mostrando que a
esmagadora maioria da população brasileira, mesmo daquela que não tem
religião, diz acreditar em Deus, sendo muito pequeno o número dos que
negam sua existência.
Na concepção dos que entendem que num Estado laico, sinônimo para
eles de Estado ateu, só os que não acreditam no criador é que podem
definir as regras de convivência, proibindo qualquer manifestação
contrária ao seu ateísmo ou agnosticismo. Isso seria uma autêntica
ditadura da minoria contra a vontade da esmagadora maioria da população.
Deveria, inclusive, por coerência, o procurador mencionado pedir a
supressão de todos os feriados religiosos, a partir do maior deles, o
Natal. Deveria pedir a mudança de todos os nomes de cidades que têm
santos como patronos e destruir todos os símbolos que lembrassem
qualquer invocação religiosa, como uma das sete maravilhas do mundo
moderno, o Cristo Redentor, para não criar constrangimentos à minoria
que não acredita em Deus.
O que me preocupa nesta onda do "politicamente correto" é a
revisão que se pretende fazer de todo o passado de nossa civilização,
desde livros de Monteiro Lobato às epístolas de São Paulo -não ficando
imunes filósofos como Aristóteles, Platão ou Sócrates, que elogiavam uma
democracia elitista servida por escravos.
Talvez o presidente Sarney tenha resumido com propriedade a ação
do eminente membro do parquet ao dizer que, com tantos problemas que
deve a instituição enfrentar, deveria ter mais o que fazer.
A moeda padrão do mundo, que é o dólar, tem como inscrição "In God
We Trust". A diferença é que os americanos confiam em Deus e na sua
moeda -nós "louvamos a Deus" na esperança de que também possamos confiar
na nossa.
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 77, advogado, é
professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e
Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do
jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos
problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do
pensamento contemporâneo.
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