quarta-feira, 26 de março de 2014

AUDÍFAX ESCREVE E PINTA O SETE



Barros Alves*

O Ceará é como manancial de divina fertilidade quando se trata de criaturas literárias. Entre a longa lista de literatos da melhor estirpe inscreve-se um nome cuja completude artística revela, paradoxalmente, a nossa proverbial e bíblica inapetência para o reconhecimento dos nossos maiores no campo da Literatura. Às vezes, aliás, somos até pródigos em incensar mediocridades, desde que eles flanem com desenvoltura, de par com alguma atividade literária, ao redor do poder político ou do poder econômico. Há alguns entre nós, inclusive, que leem com desembaraço e vigor apenas o livro-caixa, mas não lhes faltam encômios nas páginas dos nossos diários como se os rabiscos que escrevem fossem obras-primas.
                A personagem de quem me ocupo neste espaço, ao contrário, apesar de todos os méritos intelectuais, esconde-se na simplicidade franciscana que caracteriza os separados das grandiosidades ocas; simplicidade própria, no entanto, daqueles que olham as veleidades do poder com desdém e se arrimam tão-somente nas luzes do espírito para arrostar os obstáculos do cotidiano. Detestando essas futilidades, a nossa personagem não é um misantropo. Bem ao contrário, ele pensa, age, milita e, sobretudo, escreve. E sua escritura já constitui por si uma admirável militância intelectual. Como eu disse, completo, o nosso esteta pinta. Inclusive o sete. Com traço impecável que reflete os anseios e lutas, as angústias e obstinações da gente nordestina.
                Audífax Rios, observador da cena contemporânea que o cerca, tendo sempre um olho aqui e outro alhures, é um ardoroso apóstolo na pregação da cultura sertaneja, o que exercita por intermédio de uma criação ficcional que exprime na poesia, na prosa e no traço, a essência
das reflexões vigilantes que notabilizam sua existência como criador de arte. Isto implica afirmar que Audífax é um nome subestimado entre nós, porque ele concorre de maneira plena para colocar o Ceará no rol dos caminhos por onde necessariamente passa o que há de melhor na Literatura brasileira.
                Por agora, louvo a iniciativa editorial da publicação “Dragão do Mar e seu tempo”, salvo engano uma segunda edição aumentada, de bela feição gráfica, com o selo da Editora Conhecimento, em que Audífax Rios exalta a figura do valente jangadeiro Chico da Matilde, cognominado “Dragão do Mar” em razão do destemor com que impôs cobro aos comerciantes de cativo, não mais permitindo que a leva de escravos desembarcassem nesta terra de liberdade. O livro relembra como um venerável memorial o centenário de morte do herói abolicionista cearense, cantado em prosa e verso ao longo desses cem anos. De par com o escorço biográfico do Dragão, o leitor vai apreciar os escaninhos de episódios da história da abolição no Ceará, bem como o perfil de várias personalidades abolicionistas.
                Por final, devo dizer que se a personagem deste livro é deveras grandiosa, nem de longe a obra é aquela que expressa a grandeza do autor. O ficcionista Audífax Rios tem escritura forte, densa, transbordante, que enleva e leva o leitor a profundas reflexões sobre a sociedade, o mundo e o tempo em que vivemos.

• Pertence à Academia Cearense de Retórica e à Sociedade Cearense  de Geografia e História.

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