Barros Alves*
O Ceará é como manancial de
divina fertilidade quando se trata de criaturas literárias. Entre a longa lista
de literatos da melhor estirpe inscreve-se um nome cuja completude artística
revela, paradoxalmente, a nossa proverbial e bíblica inapetência para o
reconhecimento dos nossos maiores no campo da Literatura. Às vezes, aliás,
somos até pródigos em incensar mediocridades, desde que eles flanem com
desenvoltura, de par com alguma atividade literária, ao redor do poder político
ou do poder econômico. Há alguns entre nós, inclusive, que leem com desembaraço
e vigor apenas o livro-caixa, mas não lhes faltam encômios nas páginas dos nossos
diários como se os rabiscos que escrevem fossem obras-primas.
A
personagem de quem me ocupo neste espaço, ao contrário, apesar de todos os
méritos intelectuais, esconde-se na simplicidade franciscana que caracteriza os
separados das grandiosidades ocas; simplicidade própria, no entanto, daqueles
que olham as veleidades do poder com desdém e se arrimam tão-somente nas luzes
do espírito para arrostar os obstáculos do cotidiano. Detestando essas
futilidades, a nossa personagem não é um misantropo. Bem ao contrário, ele
pensa, age, milita e, sobretudo, escreve. E sua escritura já constitui por si
uma admirável militância intelectual. Como eu disse, completo, o nosso esteta pinta.
Inclusive o sete. Com traço impecável que reflete os anseios e lutas, as
angústias e obstinações da gente nordestina.
Audífax
Rios, observador da cena contemporânea que o cerca, tendo sempre um olho aqui e
outro alhures, é um ardoroso apóstolo na pregação da cultura sertaneja, o que
exercita por intermédio de uma criação ficcional que exprime na poesia, na
prosa e no traço, a essência
das reflexões vigilantes que notabilizam sua
existência como criador de arte. Isto implica afirmar que Audífax é um nome
subestimado entre nós, porque ele concorre de maneira plena para colocar o
Ceará no rol dos caminhos por onde necessariamente passa o que há de melhor na Literatura
brasileira.
Por
agora, louvo a iniciativa editorial da publicação “Dragão do Mar e seu tempo”,
salvo engano uma segunda edição aumentada, de bela feição gráfica, com o selo
da Editora Conhecimento, em que Audífax Rios exalta a figura do valente
jangadeiro Chico da Matilde, cognominado “Dragão do Mar” em razão do destemor
com que impôs cobro aos comerciantes de cativo, não mais permitindo que a leva
de escravos desembarcassem nesta terra de liberdade. O livro relembra como um venerável
memorial o centenário de morte do herói abolicionista cearense, cantado em
prosa e verso ao longo desses cem anos. De par com o escorço biográfico do Dragão,
o leitor vai apreciar os escaninhos de episódios da história da abolição no
Ceará, bem como o perfil de várias personalidades abolicionistas.
Por
final, devo dizer que se a personagem deste livro é deveras grandiosa, nem de
longe a obra é aquela que expressa a grandeza do autor. O ficcionista Audífax
Rios tem escritura forte, densa, transbordante, que enleva e leva o leitor a
profundas reflexões sobre a sociedade, o mundo e o tempo em que vivemos.
• Pertence à Academia Cearense de Retórica e à Sociedade Cearense de Geografia e História.
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