segunda-feira, 1 de setembro de 2014

FOLCLORE E FOLKCOMUNICAÇÃO: SABEDORIA DO POVO, TRADIÇÃO E MODERNIDADE



FOLCLORE E FOLKCOMUNICAÇÃO: SABEDORIA
 DO POVO,  TRADIÇÃO E  MODERNIDADE

            Barros Alves

Algumas pessoas, de maneira ingênua ou movidas por espírito depreciativo, ao serem confrontadas com alguma atitude ou fato pouco inverossímil, inconsequente ou hilário, às vezes comentam afirmando: “Isto é folclore”. Nada mais equivocado! Manifestações deste tipo simplesmente identificam o grau de desconhecimento da pessoa em relação ao verdadeiro conceito de folclore bem como a abrangência cultural que o termo comporta.
            Em 1846, sob o pseudônimo Ambrose Merton, o arqueólogo William John Thomas escreveu um artigo para a Revista The Athenaeum, de Londres (Inglaterrra), criou o neologismo com o sentido de saber tradicional de um povo. O termo folclore, portanto, provém da língua inglesa: folk que significa gente, povo; e lore que pode ser traduzido por conhecimento. O que se entende por folclore, por tanto, constitui o conjunto de tradições expresso por intermédio dos usos populares que são transmitidos de geração em geração ao longo da existência de uma sociedade. Todos os povos do planeta são detentores de uma gama de tradições, as quais se manifestam através das crenças e superstições. Estas, por sua vez, são repassadas aos pósteros numa sucessão histórica ao longo dos tempos através da literatura oral ou escrita, tais como lendas, contos, provérbios, canções, adivinhas, dialetos, mitologia; ou usos e costumes outros como as danças, o artesanato, os jogos, brinquedos infantis, as manifestações da religiosidade, as festas e folguedos; enfim, um sem número de atividades culturais, que surgiram de forma genuína e se desenvolveram no seio do povo.
            Luís da Câmara Cascudo, estudioso maior das manifestações populares no Brasil, leciona didaticamente: “Folclore é a cultura do popular tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e processos utilitários que se valorizam numa ampliação emocional, além do ângulo do funcionamento racional (...) Qualquer objeto que projete interesse humano, além de sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico. Desde que o laboratório químico, o transatlântico, o avião atômico, o parque industrial determinem projeção cultural no plano popular, acima do seu programa específico de produção e destinos normais, estão incluídos no Folclore.” Com efeito, o folclore enquanto disciplina é o que estuda as soluções populares da vida em sociedade. Ou seja, as lúdicas visões que o povo dá aos fatos e coisas, por assim dizer, folclorizando-as. Aí reside a beleza imaginativa de se falar da história de uma sociedade sem jungir-se a procedimentos epistemológicos ditados pelo saber acadêmico. Este, apenas recolhe o feito para ser sistematizado de acordo com as reelaborações nascidas e desenvolvidas pelo povo.
            Modernamente o folclore tem sido objeto de estudos e de preocupação por parte das entidades institucionais que cuidam do estímulo às manifestações culturais do povo, nacional e internacionalmente. A Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), órgão da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura, tem divulgado vários documentos para orientar os países-membros no sentido de guardar e preservar não apenas o patrimônio físico das sociedades, mas também o patrimônio imaterial, sobretudo aquele compreendido pelo folclore das nações.
            Neste sentido, a Unesco e organismos nacionais e locais como as Comissões de Folclore, pautam-se teoricamente por ideias e estudos publicados por pesquisadores  e cientistas sociais que se debruçam sobre o tema do folclorismo. Entre estes ressalta-se o antropólogo austríaco Charles-Arnold Kurr van Gennep, o qual definiu em pertinente trabalho, a abrangência que deve ter a compreensão do que é o folclore: “o folclore não é, como se pensa, uma simples coleção de fatos disparatados e mais ou menos curiosos e divertidos; é uma ciência sintética que se ocupa especialmente dos camponeses e da vida rural e daquilo que ainda subsiste de tradicional nos meios industriais e urbanos. O folclore liga-se, assim, à economia política, à história das instituições, à do direito, à da arte, à tecnologia, etc, sem entretanto confundir-se com estas disciplinas que estudam os fatos em si mesmos de preferência à sua reação sobre os meios nos quais evoluem”.
            Por outro lado, não há negar o grande impacto que tem causado os novos meios de comunicação de massa na relação entre o agrário e o urbano, entre as manifestações das populações rurais, mais gregárias e, portanto, mais mantenedoras de tradições; e as citadinas, cuja mobilidade cotidiana impostas pelas facilidades tecnológicas, reelaboram com maior rapidez os usos e costumes herdados de outros tempos e lugares. Esta situação requer assim novas metodologias  específicas para se empreender pesquisa e estudo a respeito dos impactos do novo instrumental de comunicação sobre as culturas, quer sejam populares quer sejam eruditas, bem como o imbricamentos delas, o que enseja a reformulação de conceitos e de análises sociológicas.
            Neste mister averiguador, um brasileiro se notabilizou no estudo desse amálgama de informações entre os estágios culturais do popular e do erudito sob o olhar das pesquisas de Comunicação e Folclore por ele desenvolvidas. Luiz Beltrão cunhou o termo folkcomunicação  em sua tese de doutoramento publicada em 1967, na tentativa, aliás bem sucedida, de definir uma disciplina científica que tem como objetivo o estudo da comunicação popular e do folclore na difusão dos meios de comunicação de massa.
            Seguindo este viés perquiritório, muitos têm sido os estudiosos das comunicações sociais que se detêm nas pesquisas em folkcomunicação. Roberto Benjamim, ex-presidente da Comissão Nacional de Folclore, é um deles. Sobre o assunto ele expressa sua visão e suas preocupações acadêmicas com proficiência: “Outro processo a merecer a atenção é o da espetaculização das manifestações folclóricas pela pressão dos meios de comunicação de massa e do turismo. Algumas das manifestações tradicionais guardam a natureza de espetáculos, que têm sido levados à exacerbação, convertendo-se em produto da cultura de massa. O exemplo is evidente é o do boi-bumbá de Parintins. Preocupante, porém, é o caso de manifestações de natureza ritual, reservadas aos membros de comunidades religiosas, que por seu exotismo estão sendo cooptadas para converter-se em eventos de massa. É o caso das panelas-de-Iemanjá, convertidas em festivais para turistas. Diante desse quadro, torna-se necessária uma nova postura liberada dos preconceitos etnocêntricos, a reciclagem das ténicas de pesquisa interdisciplinar com a incorporação das contribuições renovadas das ciências humanas e das ciências da linguagem, o uso de novas tecnologias e equipamentos disponíveis.”
            O mundo maravilhoso do folclore constitui, destarte, um universo de sabedoria em que convivem as mais caras tradições de um povo em perfeita convivências com o novo, ambos encantados nos refazimentos dos costumes sempre refundidos na pedra-mor de uma cultura que perpassa as épocas e penetra na linha cronológica a um tempo arrimada na tradição e na modernidade. Isto é folclore.

O FOLCLORE BRASILEIRO

 Rouxinol do Rinaré, poeta popular laureado, nome inscrito entre os que pontificam no cantar o mundo em verso cordeliano,  já pelo talento e inspiração que são dons com que foi agraciado pela Divindade; já pela capacidade técnica adquirida no cotidiano do fazer poético, dá-nos um exemplo de conhecimento sobre o folclore brasileiro. Em homenagem aos saberes do povo, comemorados aos 22 de agosto, Dia do Folclore, o poeta escreveu belos versos subordinados ao título O FOLCLORE BRASILEIRO, os quais transcrevemos para o prazer dos leitores. Ei-los:

Em simples definição
Folclore é “saber do povo”
Não é um costume novo
É antiga tradição
Reza a constituição
Em prol do povo festeiro
Que, pelo Brasil inteiro,
Aos vinte e dois de agosto
Se comemore com gosto
O folclore brasileiro.

Artes, cantigas, folguedos,
Usos, costumes e lendas
Das aldeias e fazendas
Histórias que causam medos
Artesanatos, brinquedos,
Cirandinha no terreiro,
Repentista violeiro
Cantando mote e canção
Tudo é manifestação
Do folclore brasileiro.

Folclore é superstição
É a fé na rezadeira
Canto da “Mulher Rendeira”
Dos cabras de Lampião
Na pega do barbatão
Por dentro do tabuleiro,
Triste aboio do vaqueiro,
A vaquejada, o reisado,
Assim é manifestado
O folclore brasileiro.
 
Caipora, assombração,
Lobisomem, alma penada,
A tradição conservada
Nas noites de São João,
Crença em adivinhação
Do santo casamenteiro,
Costume do cambiteiro
De dançar “Maneiro-Pau”,
Também tem o berimbau
No folclore brasileiro.

No São João do Ceará
Faz-se uma grande fogueira
No calor da brincadeira
Bebe-se pinga e aluá,
Come-se o bom mucunzá
E o assado de carneiro.
Assar milho no terreiro,
Beber licor, capilé,
Por tradição tudo é
O folclore brasileiro.

Os pastoris, o reisado
São do ciclo natalino
Festejam Jesus Menino
Que precisa ser lembrado
É costume conservado
Em Aracati e Juazeiro
De modo bem prazenteiro
No Crato e no Aquiraz
Festejam na santa paz
O folclore brasileiro.

Vindo lá de Portugal
O folguedo Marujada
É tradição festejada
Mais no nosso litoral
Logo depois do natal
(De dois a seis de janeiro)
Festas de Reis, no terreiro
Cantam, pedem doações,
São noites de louvações
Do folclore brasileiro.

Existe o Boi de Mamão
No Estado do Paraná
Na Amazônia o Boi-Bumbá
É folclórica tradição
No Ceará, no sertão,
Como no Nordeste inteiro,
De novembro até janeiro,
Brinca-se Bumba-Meu-Boi
Isto é, e sempre foi,
O folclore brasileiro.

Um folguedo interessante
(Precisamos conservá-lo)
A “Dança de São Gonçalo”
Que lembra um santo importante
São Gonçalo do Amarante
Da cidade é padroeiro
Protetor do violeiro
Porque viola tocou
Assim seu nome ficou
No folclore brasileiro.

Cá na minha região
O “Coco” é um canto-dança
Faz-se na roda a festança
Com ginga e animação
Usando na percussão
Ganzá, cuíca e pandeiro
O tal solista, ou coqueiro,
(Um bom improvisador)
Nos mostra que tem valor
O folclore brasileiro.

Ainda há nos sertões
As cruéis brigas de galos
As corridas de cavalos
Que atraem multidões
Disputas, competições,
Pra ver quem chega primeiro
Se lambuzam por dinheiro
No “Pau-de-Sebo”, um magote,
Há também o “Quebra-Pote”
No folclore brasileiro.

Temos por manufatura
Criativo artesanato
É com certeza, de fato,
Folclórica sua feitura
Beleza rústica, arte pura
Da rendeira e do santeiro
Nascem nas mãos do oleiro
Objetos modelados
Que são muito utilizados
No folclore brasileiro.

Oral, escrita e cantada
A nossa literatura
Nosso cordel é cultura
Do poeta de bancada
Na peleja improvisada
Do menestrel violeiro
O popular romanceiro
O poeta cordelista
Das letras é um artista
Do folclore brasileiro.

Pesquisador sem igual
Da nossa tradição-mor
Eleito o mestre maior
Do folclore nacional
Foi de importância vital
Na história, João Ribeiro
Mas o “papa” verdadeiro
Luis da Câmara Cascudo
Esse provou saber tudo
Do folclore brasileiro!

Mais um gigante se nota
Na cultura popular
Ninguém pôde superar
O folclorista Leota
Grande Leonardo Mota
Defensor do violeiro
Um incansável guerreiro
“Embaixador do Sertão”
Um herói da tradição
Do folclore brasileiro.

Quanta riqueza, leitores,
Nos folguedos populares!
São tradições seculares
Afirmam pesquisadores.
Para os nossos professores
Faço um apelo altaneiro:
Não deixem o estrangeiro
Nosso jovem alienar
Vamos juntos preservar
O folclore brasileiro!!!












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