FOLCLORE E FOLKCOMUNICAÇÃO: SABEDORIA
DO POVO, TRADIÇÃO E MODERNIDADE
Barros Alves
Algumas pessoas, de maneira ingênua ou movidas por
espírito depreciativo, ao serem confrontadas com alguma atitude ou fato pouco
inverossímil, inconsequente ou hilário, às vezes comentam afirmando: “Isto é
folclore”. Nada mais equivocado! Manifestações deste tipo simplesmente
identificam o grau de desconhecimento da pessoa em relação ao verdadeiro
conceito de folclore bem como a abrangência cultural que o termo comporta.
Em 1846, sob o pseudônimo
Ambrose Merton, o arqueólogo William John Thomas escreveu um artigo para a
Revista The Athenaeum, de Londres
(Inglaterrra), criou o neologismo com o sentido de saber tradicional de um
povo. O termo folclore, portanto, provém da língua inglesa: folk que
significa gente, povo; e lore
que pode ser traduzido por conhecimento.
O que se entende por folclore, por tanto, constitui o conjunto de tradições
expresso por intermédio dos usos populares que são transmitidos de geração em
geração ao longo da existência de uma sociedade. Todos os povos do planeta são
detentores de uma gama de tradições, as quais se manifestam através das crenças
e superstições. Estas, por sua vez, são repassadas aos pósteros numa sucessão
histórica ao longo dos tempos através da literatura oral ou escrita, tais como lendas,
contos, provérbios, canções, adivinhas, dialetos, mitologia; ou usos e costumes
outros como as danças, o artesanato, os jogos, brinquedos infantis, as
manifestações da religiosidade, as festas e folguedos; enfim, um sem número de
atividades culturais, que surgiram de forma genuína e se desenvolveram no seio
do povo.
Luís da Câmara Cascudo, estudioso
maior das manifestações populares no Brasil, leciona didaticamente: “Folclore é
a cultura do popular tornada normativa pela tradição. Compreende técnicas e
processos utilitários que se valorizam numa ampliação emocional, além do ângulo
do funcionamento racional (...) Qualquer objeto que projete interesse humano,
além de sua finalidade imediata, material e lógica, é folclórico. Desde que o
laboratório químico, o transatlântico, o avião atômico, o parque industrial
determinem projeção cultural no plano popular, acima do seu programa específico
de produção e destinos normais, estão incluídos no Folclore.” Com efeito, o
folclore enquanto disciplina é o que estuda as soluções populares da vida em
sociedade. Ou seja, as lúdicas visões que o povo dá aos fatos e coisas, por
assim dizer, folclorizando-as. Aí reside a beleza imaginativa de se falar da
história de uma sociedade sem jungir-se a procedimentos epistemológicos ditados
pelo saber acadêmico. Este, apenas recolhe o feito para ser sistematizado de
acordo com as reelaborações nascidas e desenvolvidas pelo povo.
Modernamente o folclore tem sido
objeto de estudos e de preocupação por parte das entidades institucionais que
cuidam do estímulo às manifestações culturais do povo, nacional e
internacionalmente. A Unesco (United Nations
Educational, Scientific and Cultural Organization), órgão
da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura, tem divulgado
vários documentos para orientar os países-membros no sentido de guardar e
preservar não apenas o patrimônio físico das sociedades, mas também o
patrimônio imaterial, sobretudo aquele compreendido pelo folclore das nações.
Neste sentido, a Unesco e organismos
nacionais e locais como as Comissões de Folclore, pautam-se teoricamente por
ideias e estudos publicados por pesquisadores
e cientistas sociais que se debruçam sobre o tema do folclorismo. Entre
estes ressalta-se o antropólogo austríaco Charles-Arnold
Kurr van Gennep, o qual definiu em pertinente trabalho, a abrangência que deve
ter a compreensão do que é o folclore: “o folclore não é, como se
pensa, uma simples coleção de fatos disparatados e mais ou menos curiosos e
divertidos; é uma ciência sintética que se ocupa especialmente dos camponeses e
da vida rural e daquilo que ainda subsiste de tradicional nos meios industriais
e urbanos. O folclore liga-se, assim, à economia política, à história das
instituições, à do direito, à da arte, à tecnologia, etc, sem entretanto
confundir-se com estas disciplinas que estudam os fatos em si mesmos de
preferência à sua reação sobre os meios nos quais evoluem”.
Por outro lado, não há negar o
grande impacto que tem causado os novos meios de comunicação de massa na
relação entre o agrário e o urbano, entre as manifestações das populações
rurais, mais gregárias e, portanto, mais mantenedoras de tradições; e as
citadinas, cuja mobilidade cotidiana impostas pelas facilidades tecnológicas,
reelaboram com maior rapidez os usos e costumes herdados de outros tempos e
lugares. Esta situação requer assim novas metodologias específicas para se empreender pesquisa e
estudo a respeito dos impactos do novo instrumental de comunicação sobre as
culturas, quer sejam populares quer sejam eruditas, bem como o imbricamentos
delas, o que enseja a reformulação de conceitos e de análises sociológicas.
Neste mister averiguador, um
brasileiro se notabilizou no estudo desse amálgama de informações entre os
estágios culturais do popular e do erudito sob o olhar das pesquisas de
Comunicação e Folclore por ele desenvolvidas. Luiz Beltrão cunhou o termo folkcomunicação em sua tese de doutoramento publicada em 1967,
na tentativa, aliás bem sucedida, de definir uma disciplina científica que tem
como objetivo o estudo da comunicação popular e do folclore na difusão dos
meios de comunicação de massa.
Seguindo este viés perquiritório,
muitos têm sido os estudiosos das comunicações sociais que se detêm nas
pesquisas em folkcomunicação. Roberto Benjamim, ex-presidente da Comissão
Nacional de Folclore, é um deles. Sobre o assunto ele expressa sua visão e suas
preocupações acadêmicas com proficiência: “Outro processo a merecer a atenção é
o da espetaculização das manifestações folclóricas pela pressão dos meios de
comunicação de massa e do turismo. Algumas das manifestações tradicionais
guardam a natureza de espetáculos, que têm sido levados à exacerbação,
convertendo-se em produto da cultura de massa. O exemplo is evidente é o do
boi-bumbá de Parintins. Preocupante, porém, é o caso de manifestações de
natureza ritual, reservadas aos membros de comunidades religiosas, que por seu
exotismo estão sendo cooptadas para converter-se em eventos de massa. É o caso
das panelas-de-Iemanjá, convertidas em festivais para turistas. Diante desse
quadro, torna-se necessária uma nova postura liberada dos preconceitos
etnocêntricos, a reciclagem das ténicas de pesquisa interdisciplinar com a incorporação
das contribuições renovadas das ciências humanas e das ciências da linguagem, o
uso de novas tecnologias e equipamentos disponíveis.”
O mundo maravilhoso do folclore
constitui, destarte, um universo de sabedoria em que convivem as mais caras
tradições de um povo em perfeita convivências com o novo, ambos encantados nos
refazimentos dos costumes sempre refundidos na pedra-mor de uma cultura que
perpassa as épocas e penetra na linha cronológica a um tempo arrimada na
tradição e na modernidade. Isto é folclore.
O FOLCLORE BRASILEIRO
Rouxinol
do Rinaré, poeta popular laureado, nome inscrito entre os que pontificam no cantar
o mundo em verso cordeliano, já pelo talento
e inspiração que são dons com que foi agraciado pela Divindade; já pela capacidade técnica
adquirida no cotidiano do fazer poético, dá-nos um exemplo de conhecimento sobre
o folclore brasileiro. Em homenagem aos saberes do povo, comemorados aos 22 de
agosto, Dia do Folclore, o poeta escreveu belos versos subordinados ao título O
FOLCLORE BRASILEIRO, os quais transcrevemos para o prazer dos leitores. Ei-los:
Em simples definição
Folclore é “saber do povo”
Não é um costume novo
É antiga tradição
Reza a constituição
Em prol do povo festeiro
Que, pelo Brasil inteiro,
Aos vinte e dois de agosto
Se comemore com gosto
O folclore brasileiro.
Artes, cantigas, folguedos,
Usos, costumes e lendas
Das aldeias e fazendas
Histórias que causam medos
Artesanatos, brinquedos,
Cirandinha no terreiro,
Repentista violeiro
Cantando mote e canção
Tudo é manifestação
Do folclore brasileiro.
Folclore é superstição
É a fé na rezadeira
Canto da “Mulher Rendeira”
Dos cabras de Lampião
Na pega do barbatão
Por dentro do tabuleiro,
Triste aboio do vaqueiro,
A vaquejada, o reisado,
Assim é manifestado
O folclore brasileiro.
Caipora, assombração,
Lobisomem, alma penada,
A tradição conservada
Nas noites de São João,
Crença em adivinhação
Do santo casamenteiro,
Costume do cambiteiro
De dançar “Maneiro-Pau”,
Também tem o berimbau
No folclore brasileiro.
No São João do Ceará
Faz-se uma grande fogueira
No calor da brincadeira
Bebe-se pinga e aluá,
Come-se o bom mucunzá
E o assado de carneiro.
Assar milho no terreiro,
Beber licor, capilé,
Por tradição tudo é
O folclore brasileiro.
Os pastoris, o reisado
São do ciclo natalino
Festejam Jesus Menino
Que precisa ser lembrado
É costume conservado
Em Aracati e Juazeiro
De modo bem prazenteiro
No Crato e no Aquiraz
Festejam na santa paz
O folclore brasileiro.
Vindo lá de Portugal
O folguedo Marujada
É tradição festejada
Mais no nosso litoral
Logo depois do natal
(De dois a seis de janeiro)
Festas de Reis, no terreiro
Cantam, pedem doações,
São noites de louvações
Do folclore brasileiro.
Existe o Boi de Mamão
No Estado do Paraná
Na Amazônia o Boi-Bumbá
É folclórica tradição
No Ceará, no sertão,
Como no Nordeste inteiro,
De novembro até janeiro,
Brinca-se Bumba-Meu-Boi
Isto é, e sempre foi,
O folclore brasileiro.
Um folguedo interessante
(Precisamos conservá-lo)
A “Dança de São Gonçalo”
Que lembra um santo importante
São Gonçalo do Amarante
Da cidade é padroeiro
Protetor do violeiro
Porque viola tocou
Assim seu nome ficou
No folclore brasileiro.
Cá na minha região
O “Coco” é um canto-dança
Faz-se na roda a festança
Com ginga e animação
Usando na percussão
Ganzá, cuíca e pandeiro
O tal solista, ou coqueiro,
(Um bom improvisador)
Nos mostra que tem valor
O folclore brasileiro.
Ainda há nos sertões
As cruéis brigas de galos
As corridas de cavalos
Que atraem multidões
Disputas, competições,
Pra ver quem chega primeiro
Se lambuzam por dinheiro
No “Pau-de-Sebo”, um magote,
Há também o “Quebra-Pote”
No folclore brasileiro.
Temos por manufatura
Criativo artesanato
É com certeza, de fato,
Folclórica sua feitura
Beleza rústica, arte pura
Da rendeira e do santeiro
Nascem nas mãos do oleiro
Objetos modelados
Que são muito utilizados
No folclore brasileiro.
Oral, escrita e cantada
A nossa literatura
Nosso cordel é cultura
Do poeta de bancada
Na peleja improvisada
Do menestrel violeiro
O popular romanceiro
O poeta cordelista
Das letras é um artista
Do folclore brasileiro.
Pesquisador sem igual
Da nossa tradição-mor
Eleito o mestre maior
Do folclore nacional
Foi de importância vital
Na história, João Ribeiro
Mas o “papa” verdadeiro
Luis da Câmara Cascudo
Esse provou saber tudo
Do folclore brasileiro!
Mais um gigante se nota
Na cultura popular
Ninguém pôde superar
O folclorista Leota
Grande Leonardo Mota
Defensor do violeiro
Um incansável guerreiro
“Embaixador do Sertão”
Um herói da tradição
Do folclore brasileiro.
Quanta riqueza, leitores,
Nos folguedos populares!
São tradições seculares
Afirmam pesquisadores.
Para os nossos professores
Faço um apelo altaneiro:
Não deixem o estrangeiro
Nosso jovem alienar
Vamos juntos preservar
O folclore brasileiro!!!
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