Lá a Justiça é implacável
Entrevista Robert Luskin
Por Malu Gaspar
Um dos maiores criminalistas dos Estados Unidos afirma que as investigações do petrolão em seu país serão profundas e podem levar a uma severa punição de empresas brasileiras.
O criminalista Robert Luskin é um personagem típico de Washington: integrante do primeiro time da advocacia americana, circula entre republicanos e democratas com a mesma desenvoltura e conhece como poucos os meandros da burocracia governamental. Mas, apesar de ter ganho notoriedade defendendo clientes famosos — Karl Rove, ex-assessor do presidente George W. Bush acusado de divulgar informações contra uma agente da CIA, e o ciclista Lance Armstrong, alvo de um escândalo de doping —, sua maior especialidade é a lei que pune corporações internacionais por pagar propina para obter contratos, o Foreign Corrupt Practices Act. Além de dar aulas sobre o tema na Universidade de Georgetown, em Washington, Luskin, 64 anos, ex-promotor formado em Harvard, já defendeu dezenas de multinacionais em inquéritos do gênero. Nesta entrevista a VEJA, ele informa que as investigações sobre o petrolão nos Estados Unidos vão desvendar toda a extensão do esquema. Até empresas que não atuam lá, entre elas algumas das empreiteiras, poderão ser alcançadas pelas pesadas punições estabelecidas pela lei americana.
As investigações sobre o escândalo da Petrobras nos Estados Unidos podem atingir empresas brasileiras que pagaram propina para obter contratos?
É bem possível. Os Estados Unidos interpretam a lei de forma bastante abrangente. Se a empresa contraiu um empréstimo aqui, se alguma transação financeira foi intermediada por instituições bancárias americanas ou um dos envolvidos é americano, o governo pode decidir entrar no caso. Foi o que ocorreu com a petroleira francesa Total, investigada por ter pago milhões em propinas a um funcionário público no Irã. Não havia praticamente nada que ligasse a história aos americanos, mas um único pagamento, justamente o primeiro, de 500 000 dólares, foi feito a partir de uma conta bancária nos Estados Unidos. O governo passou a investigar o escândalo, e a Total foi multada em 398 milhões de dólares. A empresa até poderia ter enfrentado o governo em um processo judicial alegando falta de legitimidade, mas preferiu selar o acordo porque, se perdesse, o custo seria bem mais alto do que a multa.
No caso Petrobras, a quanto podem chegar as multas?
Não se pode dizer antes que se saiba exatamente em que projetos houve negociata, quanto de propina foi pago e qual o ganho obtido. É a partir desses dados que se calculam não apenas a multa mas também eventuais penas de prisão. Para chegar a um número, o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão fiscalizador do mercado americano) vão se juntar e aprofundar a investigação. Foi esse o procedimento no caso da Alstom. A apuração começou por um episódio ocorrido na Indonésia e foi ganhando vulto à medida que avançava. A multa à multinacional francesa foi de 772 milhões de dólares. A mesma força-tarefa vai ser acionada no escândalo Petrobras. No final, acho muito provável que as empresas brasileiras envolvidas façam acordo e aceitem encerrar o caso pagando a multa.
Por que as empresas tendem a fazer acordo?
É difícil imaginar uma companhia com ações na bolsa americana litigando contra Washington em um caso de corrupção. Nenhuma fez isso até hoje, porque perder nos tribunais significaria ser impedida de vender ações, ver seus executivos banidos do mercado e receber multas e sanções financeiras muito maiores do que a organização seria capaz de suportar. Litigar nesses casos pode custar à empresa a própria sobrevivência.
No caso da Petrobras, uma questão controversa diz respeito às responsabilidades da presidente da estatal, Graça Foster, e da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ex-presidente do conselho de administração. Ambas dizem que não sabiam de nada. Esse argumento seria acolhido em cortes americanas?
Depende de como as investigações vão evoluir. À luz da lei anticorrupção, o simples fato de ter estado no comando de uma empresa no período em que os crimes foram cometidos, ou de ter falhado em identificá-los, não configura crime. Muitos executivos alegam não saber de nada e saem ilesos. Para que sejam acusados, é preciso provar que tiveram conhecimento do esquema e não o coibiram ou que participaram dele de alguma forma. Por essa razão, o Departamento de Justiça trabalha sempre com o objetivo de conseguir testemunhas, e-mails e documentos.
Funcionários públicos ou políticos que tenham recebido propina no caso Petrobras podem vir a ser punidos nos Estados Unidos?
Essa é uma questão interessante. Ninguém sabe ao certo. Vejo o caso Petrobras como um teste para a lei americana. Ela nasceu para punir os corruptos. Seu texto, porém, não é claro quanto à culpabilidade de quem recebe o dinheiro. A própria Petrobras pode tentar escapar de punições alegando ter sido vítima. O governo americano já desenvolveu várias teses sobre como agir nessas situações, mas até hoje elas não foram postas à prova. Se for mesmo adiante, o caso brasileiro representará uma chance de definir o escopo da lei anticorrupção nos Estados Unidos.
Há outras leis regulando as empresas nos Estados Unidos, como a Sarbanes-Oxley, que pune crimes financeiros e contra o mercado de capitais. A Petrobras e seus executivos podem ser enquadrados nela?
Certamente. É com base nessa lei que os investidores estão processando a Petrobras aqui. Nesse caso, a punição é civil, e não criminal. Pagam-se multas vultosas, mas na prática ninguém tem ido para a cadeia por causa da Sarbanes-Oxley.
Depois de passar por uma investigação desse tipo, como uma empresa consegue se recuperar junto aos investidores?
Ela tem de provar que é digna de confiança e merece uma segunda chance, adotando uma política muito mais severa de controle e de governança.
A Petrobras acaba de criar uma diretoria de governança. É suficiente?
A criação de uma área de fiscalização e governança é uma das providências que o Departamento de Justiça exige de empresas atingidas por escândalos de corrupção. É o mínimo. Existe um manual sobre o que fazer para evitar novos episódios, com uma lista ampla de iniciativas e controles que devem ser adotados para reduzir as vulnerabilidades sobre as quais a corrupção viceja. É preciso aparelhar-se para evitar novos crimes. Não tenho dúvidas de que a Petrobras vai por esse caminho.
A lei anticorrupção americana é considerada eficiente?
É fato que as grandes companhias americanas têm um nível de transparência que não existia quando a lei entrou em vigor, há quase quatro décadas. Graças a ela, a iniciativa de se meter em negócios escusos raramente parte do topo da organização, mas de funcionários menos graduados, da área de vendas ou de escritórios regionais. As empresas refinaram os processos de controle, aprenderam a identificar mais rapidamente os desvios e desenvolveram mecanismos para coibi-los. A lei americana claramente estabeleceu um padrão. Casos como o da Alstom reverberam em todo o ambiente corporativo, fazendo com que executivos mal-intencionados avaliem, antes de se meterem em uma negociata, se seus ganhos superam os riscos de ser pegos.
Quais as maiores fragilidades da lei americana contra a corrupção?
Uma de suas limitações é permitir que o peso das multas recaia sobre os acionistas, já que o dinheiro sai do caixa da empresa, e não do bolso dos executivos culpados. Eles é que deveriam arcar com todas as consequências de seus atos. Outra questão emerge não da lei americana em si, mas de sua comparação com as dos demais países. Existe uma enorme disparidade entre as penas dadas nos Estados Unidos e as adotadas no resto do mundo. Vários países, é verdade, criaram leis mais parecidas com a nossa, que pune fortemente, mas não a ponto de quebrar empresas infratoras. As leis aqui nos Estados Unidos visam a coibir o crime, dando às empresas a chance de reformar seus procedimentos.
A lei anticorrupção brasileira entrou em vigor no ano passado. Em geral, quanto tempo leva para que esse tipo de iniciativa comece a ter impacto?
Não há resultados imediatos. Isso é um fato da vida nesses casos. A lei francesa precisou de uma década para se fazer sentir e provocar uma mudança positiva no ambiente de negócios. A rapidez da transformação no Brasil vai depender de como a lei será aplicada — se para todos ou de forma seletiva. Se valer só para poucos, de nada adiantará, e o resultado desastroso será a perda de respeito por parte da sociedade. Cabe à sociedade mobilizar-se. Parece ingênuo dizer isso, mas um dos fatores que mais impulsionaram a aplicação de leis anticorrupção em muitos países foi a sensação de cansaço, de intolerância da população com a repetição impune desse tipo de crime.
A corrupção é um mal inevitável?
Não vejo assim. O nível de corrupção na Ucrânia, por exemplo, é muito superior ao da Alemanha. Mas não acredito que os ucranianos sejam naturalmente mais corruptos que os alemães. Em qualquer lugar, muitas pessoas são tentadas a ganhar dinheiro de maneira ilegal. O grau de corrupção de um país, porém, dependerá das leis, da sua aplicação e da qualidade das instituições que zelam por elas. O fato de o Brasil ter atualmente casos graves e recorrentes de corrupção é reflexo da falta de uma legislação eficiente e, não se pode esconder, de uma certa cultura de leniência de parte substancial da sociedade.
Que setores são mais expostos à corrupção?
Há uma piada muito repetida entre advogados americanos que resume bem a questão. Perguntam a um famoso assaltante de bancos por que, afinal, ele se especializou em roubar bancos. Ele responde: porque é lá que o dinheiro está. Determinados setores da economia e certos tipos de negócio estão mais sujeitos à corrupção justamente por oferecer recompensas mais altas. De acordo com minha experiência, a indústria do petróleo, com seus lucros fabulosos, é um desses setores mais propensos a abrigar a corrupção. Nesse caso, por depender de concessões, autorizações e licenças do governo. O mesmo se passa com grandes projetos de infraestrutura patrocinados pelo Estado. Onde quer que haja somas vultosas trocando de mãos em negócios que envolvam o Estado e o setor privado, o risco de ocorrer corrupção será alto.
Alguns de seus casos mais famosos acabaram em acordos, como aquele em que, depois de passar anos negando, o ciclista Lance Armstrong confessou ter se dopado. Como se chega è conclusão de que o melhor é capitular?
Não posso falar sobre casos específicos como o de Lance, mas afirmo que essa nunca é uma decisão do advogado. O réu jamais vai agradecer ao encarregado de sua defesa por tê-lo convencido a se declarar culpado. Ele só o faz quando está preparado. É muito pessoal. Eu sempre informo sobre os riscos e exponho claramente as escolhas em jogo. Já houve ocasiões em que o cliente preferiu fazer acordo quando, por mim, eu teria levado o caso a julgamento.
O senhor sabia que Lance Armstrong estava mentindo?
De maneira alguma posso responder a essa pergunta. Posso dizer apenas que enfatizo aos clientes a necessidade de eles me contarem absolutamente tudo.
O criminalista americano Edward Williams dizia: "Defendo meus clientes da culpa legal. O julgamento moral deixo para a majestosa vingança de Deus". Quais são os limites morais do advogado criminal?
Depende de quem você é. Se aceito um caso, é claro que tenho o dever de defender integralmente os interesses do cliente. Nunca julgo meus clientes, mas sigo uma regra quando me pedem para fazer coisas com as quais não concordo ou quando alimentam expectativas de desfecho que não julgo razoáveis. Eu sugiro à pessoa ou à empresa que procure um profissional que possa atendê-la mais de acordo com suas pretensões.
Revista Veja
Por Malu Gaspar
Um dos maiores criminalistas dos Estados Unidos afirma que as investigações do petrolão em seu país serão profundas e podem levar a uma severa punição de empresas brasileiras.
O criminalista Robert Luskin é um personagem típico de Washington: integrante do primeiro time da advocacia americana, circula entre republicanos e democratas com a mesma desenvoltura e conhece como poucos os meandros da burocracia governamental. Mas, apesar de ter ganho notoriedade defendendo clientes famosos — Karl Rove, ex-assessor do presidente George W. Bush acusado de divulgar informações contra uma agente da CIA, e o ciclista Lance Armstrong, alvo de um escândalo de doping —, sua maior especialidade é a lei que pune corporações internacionais por pagar propina para obter contratos, o Foreign Corrupt Practices Act. Além de dar aulas sobre o tema na Universidade de Georgetown, em Washington, Luskin, 64 anos, ex-promotor formado em Harvard, já defendeu dezenas de multinacionais em inquéritos do gênero. Nesta entrevista a VEJA, ele informa que as investigações sobre o petrolão nos Estados Unidos vão desvendar toda a extensão do esquema. Até empresas que não atuam lá, entre elas algumas das empreiteiras, poderão ser alcançadas pelas pesadas punições estabelecidas pela lei americana.
As investigações sobre o escândalo da Petrobras nos Estados Unidos podem atingir empresas brasileiras que pagaram propina para obter contratos?
É bem possível. Os Estados Unidos interpretam a lei de forma bastante abrangente. Se a empresa contraiu um empréstimo aqui, se alguma transação financeira foi intermediada por instituições bancárias americanas ou um dos envolvidos é americano, o governo pode decidir entrar no caso. Foi o que ocorreu com a petroleira francesa Total, investigada por ter pago milhões em propinas a um funcionário público no Irã. Não havia praticamente nada que ligasse a história aos americanos, mas um único pagamento, justamente o primeiro, de 500 000 dólares, foi feito a partir de uma conta bancária nos Estados Unidos. O governo passou a investigar o escândalo, e a Total foi multada em 398 milhões de dólares. A empresa até poderia ter enfrentado o governo em um processo judicial alegando falta de legitimidade, mas preferiu selar o acordo porque, se perdesse, o custo seria bem mais alto do que a multa.
No caso Petrobras, a quanto podem chegar as multas?
Não se pode dizer antes que se saiba exatamente em que projetos houve negociata, quanto de propina foi pago e qual o ganho obtido. É a partir desses dados que se calculam não apenas a multa mas também eventuais penas de prisão. Para chegar a um número, o Departamento de Justiça e a Securities and Exchange Commission (SEC, o órgão fiscalizador do mercado americano) vão se juntar e aprofundar a investigação. Foi esse o procedimento no caso da Alstom. A apuração começou por um episódio ocorrido na Indonésia e foi ganhando vulto à medida que avançava. A multa à multinacional francesa foi de 772 milhões de dólares. A mesma força-tarefa vai ser acionada no escândalo Petrobras. No final, acho muito provável que as empresas brasileiras envolvidas façam acordo e aceitem encerrar o caso pagando a multa.
Por que as empresas tendem a fazer acordo?
É difícil imaginar uma companhia com ações na bolsa americana litigando contra Washington em um caso de corrupção. Nenhuma fez isso até hoje, porque perder nos tribunais significaria ser impedida de vender ações, ver seus executivos banidos do mercado e receber multas e sanções financeiras muito maiores do que a organização seria capaz de suportar. Litigar nesses casos pode custar à empresa a própria sobrevivência.
No caso da Petrobras, uma questão controversa diz respeito às responsabilidades da presidente da estatal, Graça Foster, e da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ex-presidente do conselho de administração. Ambas dizem que não sabiam de nada. Esse argumento seria acolhido em cortes americanas?
Depende de como as investigações vão evoluir. À luz da lei anticorrupção, o simples fato de ter estado no comando de uma empresa no período em que os crimes foram cometidos, ou de ter falhado em identificá-los, não configura crime. Muitos executivos alegam não saber de nada e saem ilesos. Para que sejam acusados, é preciso provar que tiveram conhecimento do esquema e não o coibiram ou que participaram dele de alguma forma. Por essa razão, o Departamento de Justiça trabalha sempre com o objetivo de conseguir testemunhas, e-mails e documentos.
Funcionários públicos ou políticos que tenham recebido propina no caso Petrobras podem vir a ser punidos nos Estados Unidos?
Essa é uma questão interessante. Ninguém sabe ao certo. Vejo o caso Petrobras como um teste para a lei americana. Ela nasceu para punir os corruptos. Seu texto, porém, não é claro quanto à culpabilidade de quem recebe o dinheiro. A própria Petrobras pode tentar escapar de punições alegando ter sido vítima. O governo americano já desenvolveu várias teses sobre como agir nessas situações, mas até hoje elas não foram postas à prova. Se for mesmo adiante, o caso brasileiro representará uma chance de definir o escopo da lei anticorrupção nos Estados Unidos.
Há outras leis regulando as empresas nos Estados Unidos, como a Sarbanes-Oxley, que pune crimes financeiros e contra o mercado de capitais. A Petrobras e seus executivos podem ser enquadrados nela?
Certamente. É com base nessa lei que os investidores estão processando a Petrobras aqui. Nesse caso, a punição é civil, e não criminal. Pagam-se multas vultosas, mas na prática ninguém tem ido para a cadeia por causa da Sarbanes-Oxley.
Depois de passar por uma investigação desse tipo, como uma empresa consegue se recuperar junto aos investidores?
Ela tem de provar que é digna de confiança e merece uma segunda chance, adotando uma política muito mais severa de controle e de governança.
A Petrobras acaba de criar uma diretoria de governança. É suficiente?
A criação de uma área de fiscalização e governança é uma das providências que o Departamento de Justiça exige de empresas atingidas por escândalos de corrupção. É o mínimo. Existe um manual sobre o que fazer para evitar novos episódios, com uma lista ampla de iniciativas e controles que devem ser adotados para reduzir as vulnerabilidades sobre as quais a corrupção viceja. É preciso aparelhar-se para evitar novos crimes. Não tenho dúvidas de que a Petrobras vai por esse caminho.
A lei anticorrupção americana é considerada eficiente?
É fato que as grandes companhias americanas têm um nível de transparência que não existia quando a lei entrou em vigor, há quase quatro décadas. Graças a ela, a iniciativa de se meter em negócios escusos raramente parte do topo da organização, mas de funcionários menos graduados, da área de vendas ou de escritórios regionais. As empresas refinaram os processos de controle, aprenderam a identificar mais rapidamente os desvios e desenvolveram mecanismos para coibi-los. A lei americana claramente estabeleceu um padrão. Casos como o da Alstom reverberam em todo o ambiente corporativo, fazendo com que executivos mal-intencionados avaliem, antes de se meterem em uma negociata, se seus ganhos superam os riscos de ser pegos.
Quais as maiores fragilidades da lei americana contra a corrupção?
Uma de suas limitações é permitir que o peso das multas recaia sobre os acionistas, já que o dinheiro sai do caixa da empresa, e não do bolso dos executivos culpados. Eles é que deveriam arcar com todas as consequências de seus atos. Outra questão emerge não da lei americana em si, mas de sua comparação com as dos demais países. Existe uma enorme disparidade entre as penas dadas nos Estados Unidos e as adotadas no resto do mundo. Vários países, é verdade, criaram leis mais parecidas com a nossa, que pune fortemente, mas não a ponto de quebrar empresas infratoras. As leis aqui nos Estados Unidos visam a coibir o crime, dando às empresas a chance de reformar seus procedimentos.
A lei anticorrupção brasileira entrou em vigor no ano passado. Em geral, quanto tempo leva para que esse tipo de iniciativa comece a ter impacto?
Não há resultados imediatos. Isso é um fato da vida nesses casos. A lei francesa precisou de uma década para se fazer sentir e provocar uma mudança positiva no ambiente de negócios. A rapidez da transformação no Brasil vai depender de como a lei será aplicada — se para todos ou de forma seletiva. Se valer só para poucos, de nada adiantará, e o resultado desastroso será a perda de respeito por parte da sociedade. Cabe à sociedade mobilizar-se. Parece ingênuo dizer isso, mas um dos fatores que mais impulsionaram a aplicação de leis anticorrupção em muitos países foi a sensação de cansaço, de intolerância da população com a repetição impune desse tipo de crime.
A corrupção é um mal inevitável?
Não vejo assim. O nível de corrupção na Ucrânia, por exemplo, é muito superior ao da Alemanha. Mas não acredito que os ucranianos sejam naturalmente mais corruptos que os alemães. Em qualquer lugar, muitas pessoas são tentadas a ganhar dinheiro de maneira ilegal. O grau de corrupção de um país, porém, dependerá das leis, da sua aplicação e da qualidade das instituições que zelam por elas. O fato de o Brasil ter atualmente casos graves e recorrentes de corrupção é reflexo da falta de uma legislação eficiente e, não se pode esconder, de uma certa cultura de leniência de parte substancial da sociedade.
Que setores são mais expostos à corrupção?
Há uma piada muito repetida entre advogados americanos que resume bem a questão. Perguntam a um famoso assaltante de bancos por que, afinal, ele se especializou em roubar bancos. Ele responde: porque é lá que o dinheiro está. Determinados setores da economia e certos tipos de negócio estão mais sujeitos à corrupção justamente por oferecer recompensas mais altas. De acordo com minha experiência, a indústria do petróleo, com seus lucros fabulosos, é um desses setores mais propensos a abrigar a corrupção. Nesse caso, por depender de concessões, autorizações e licenças do governo. O mesmo se passa com grandes projetos de infraestrutura patrocinados pelo Estado. Onde quer que haja somas vultosas trocando de mãos em negócios que envolvam o Estado e o setor privado, o risco de ocorrer corrupção será alto.
Alguns de seus casos mais famosos acabaram em acordos, como aquele em que, depois de passar anos negando, o ciclista Lance Armstrong confessou ter se dopado. Como se chega è conclusão de que o melhor é capitular?
Não posso falar sobre casos específicos como o de Lance, mas afirmo que essa nunca é uma decisão do advogado. O réu jamais vai agradecer ao encarregado de sua defesa por tê-lo convencido a se declarar culpado. Ele só o faz quando está preparado. É muito pessoal. Eu sempre informo sobre os riscos e exponho claramente as escolhas em jogo. Já houve ocasiões em que o cliente preferiu fazer acordo quando, por mim, eu teria levado o caso a julgamento.
O senhor sabia que Lance Armstrong estava mentindo?
De maneira alguma posso responder a essa pergunta. Posso dizer apenas que enfatizo aos clientes a necessidade de eles me contarem absolutamente tudo.
O criminalista americano Edward Williams dizia: "Defendo meus clientes da culpa legal. O julgamento moral deixo para a majestosa vingança de Deus". Quais são os limites morais do advogado criminal?
Depende de quem você é. Se aceito um caso, é claro que tenho o dever de defender integralmente os interesses do cliente. Nunca julgo meus clientes, mas sigo uma regra quando me pedem para fazer coisas com as quais não concordo ou quando alimentam expectativas de desfecho que não julgo razoáveis. Eu sugiro à pessoa ou à empresa que procure um profissional que possa atendê-la mais de acordo com suas pretensões.
Revista Veja
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