terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sete perguntas chatas sobre a ação no Rio de Janeiro

Sem querer ser desmancha-prazeres, gostaria de fazer algumas perguntas:

1 – Será que os traficantes acharam que poderiam incendiar carros em Ipanema e Copacabana sem provocar uma reação do Estado? Não acredito que exista alguém tão ingênuo. A velocidade e de reação aos atos “terroristas”, bem como sua magnitude, não dão a impressão de que o movimento já estava sendo planejado há tempos, talvez só faltasse um motivo?
2 – Alguém acredita que os traficantes foram para a zona sul pôr fogo em carros em protesto contra as UPPs? Seria muita burrice do tráfico (que de burro tem muito pouco). Além disso, as UPPs estão implantadas há mais de ano, porque a demora a reagir? Esses ataques não foram um pretexto muito conveniente?
3 – Quem se lembra que há dois anos o mesmo BOPE tomou a mesma Vila Cruzeiro, hasteando uma bandeira no mesmo alto da favela? Já vimos esse filme?
4 – Sem poder vender para os traficantes do Rio, os fornecedores de droga desistirão do negócio? Em entrevista de 2009 o professor da PUC-MG e ex-secretário-adjunto de segurança Luis Flávio Sapori já atestava ser improvável que as quadrilhas comprassem diretamente de fornecedores no exterior: “[os traficantes são] do varejo. A cocaína que vem de fora ainda é a pasta base. É preciso alguém com capital para transformá-la em pó, em laboratórios clandestinos. Esse atacadista pode vender para vários varejistas.” Alguém sabe para quem mais eles vendem? O que se está fazendo para evitar a migração maciça da venda para esses outros lugares?
5 – Os traficantes começarão a mandar curriculum? Faz alguns anos que o crime organizado percebeu lucrar mais com “prestação de serviços”, como venda de gás, “gatonet” e transporte clandestino do que com roubos e sequestros, que geram mais barulho, atraem a polícia e prejudicam os negócios. A partir de agora procurarão empregos regulares ou voltarão para a cidade, já que o foco está todo no morro? As autoridades estão pensando nisso?
6 – Agora que correram com os traficantes do morro, quem é que vai correr com os milicianos? Só quem acreditou no aviso inicial do Tropa de Elite 2 (“Este é um filme de ficção”) acha que o problema da criminalidade se divide entre os traficantes bandidos e os policiais mocinhos.
7 – Quem irá prestar os serviços a partir de agora? As milícias só se estabeleceram naqueles territórios pela carência total do Estado. Se continuar faltando infra-estrutura, gás, transporte público, não bastará manter policiamento, porque alguém sempre dá um jeito de vender o que os outros querem comprar.
Não tenho as respostas, mas acho bom perguntar só para lembrar que a situação é muito, muito mesmo, mais complexa do que aparece no bang-bang do noticiário.

Fonte: http://psiquiatriaesociedade.wordpress.com/2010/11/30/sete-perguntas-chatas-sobre-a-acao-no-rio-de-janeiro/

2 comentários:

  1. Caro BA como sempre sua lucidez é desconcertante. Parabens amigo.
    Manoel Severo

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  2. Querido Barros Alves, já tive o prazer de trabalhar com o amigo no Gazeta de Maracanaú, há alguns bons anos no Túnel do Tempo. Aproveito o ensejo para convidá-lo a prestigiar meu blog feministadearake.blogspot.com
    Obviamente que não é nada que se compare ao brilhantismo do colega, mas tento dar meus pitacos dentro do segmento que escolhi abordar.
    Grande abraço!
    Luciana Benevides

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