sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

COMO LADY GODIVA




Barros Alves

Recentemente, em várias partes do mundo pessoas se despiram para protestar contra alguma coisa de que discordam. Em São Paulo, a Livraria Martins Fontes apoiou a ideia da escritora Vanessa Oliveira, que se desnudou para protestar contra a pirataria de livros. Com efeito, o protesto se justifica em razão da permanente desobediência à Lei 9.610/1998, que protege direitos autorais e a propriedade intelectual do autor, criador, tradutor, pesquisador ou artista. A Lei 10.695/2003 amplia o alcance e a extensão do crime de violação de direitos autorais e a agrava a pena do referido delito. E a prática de xerocopiar livros em estabelecimentos de ensino, especialmente nas universidades, parece estar com os dias contados. Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 1.197/2007 que proíbe tal prática. Quanto à Vanessa Oliveira, durante o protesto ela lançou o livro “Psicopatas do coração” e deixou muito marmanjo com o coração a sair pela boca.
Em setembro passado, cerca de 20 mulheres pertencentes ao Movimento Mulher e Saúde (MYSU), tiraram a roupa em frente do Parlamento uruguaio para protestar contra deficiências do projeto de descriminalização do aborto que estava sendo apreciado pelos legisladores uruguaios. Ativistas do “Femen”, movimento feminista ucraniano, adotam como característica tirar a roupa para protestar. Nuazinhas, as francesas desse grupo organizaram protesto contra a decisão da Ikea, empresa sueca, de retirar imagens de mulheres dos catálogos da empresa na Arábia Saudita. Seguidor do islamismo, o governo saudita proíbe que mulheres sejam mostradas sem véus.
As mentalidades atrasadas escandalizam-se facilmente em face dos ousados protestos. Não há razão para tal, pois exemplos de protestos similares não nos faltam na história. O primeiro, recolho no livro sagrado dos cristãos, a Bíblia. Isaías, o mais importante profeta do Altíssimo, passara um longo tempo nu, com o intuito de mostrar ao povo em que estado seriam deixados os judeus nos dias da cólera de Deus. “Nesse mesmo tempo falou o Senhor por intermédio de Isaías, filho de Amós, dizendo: Vai, solta o cilício de teus lombos, e descalça os sapatos dos teus pés. E ele assim o fez, indo nu e descalço”. (Isaías, 20.2). E mais: “Então disse o Senhor: Assim como o meu servo Isaías andou três anos nu e descalço, por sinal e prodígio sobre o Egito e sobre a Etiópia...” (Isaías, 20.3).
Outro exemplo famoso e belo é o de Lady Godiva, esposa de Leofric, Senhor de Coventry, na Inglaterra do ano 1040. Leofric sobrecarregou o povo de pesados impostos. O povo recorreu à esposa do nobre homem, que era doce e caridosa. Ela tentou convencer o marido da injustiça que estava a cometer. Coração empedernido, Leofric não cedeu, recriminando-a: “É preciso não terdes dignidade para advogar a
causa desses servos baixos, mesquinhos e sem sentimentos”. Godiva: “Não tenho dignidade?! Povo mesquinho?! Pois montarei a cavalo completamente nua e atravessarei a cidade. Vereis, então, como se porta este povo que tratais injustamente”. Leofric, cético, retrucou: “Se fordes bem sucedida cederei à vossa vontade”. Lady Godiva cumpriu o prometido e o povo a tudo observou em silêncio respeitoso. A população de Coventry compreendeu a abnegação daquela extraordinária mulher e poupou-lhe o mais leve sentimento de humilhação. A Leofric só restou o constrangimento de ter que voltar atrás e revogar o malfadado decreto, suprimindo os impostos. Lady Godiva ficou célebre e foi imortalizada por poetas como Lord Tennyson e pintores como J. Lefebvre Blair Leighton.

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