Barros Alves
Introdução
O
Brasil é uma democracia representativa onde os partidos políticos atuam
livremente. De igual modo o sistema midiático se organiza de forma
suficientemente estável e livre para permitir ao observador o permanente
processo de interação entre os agentes políticos e os meios de comunicação,
sobretudo no momento atual em que as forças político-partidárias que se
digladiam em um cenário pré-eleitoral estabelecem seus mecanismos de
convencimento do eleitor. Este breve artigo objetiva, destarte, responder à
indagação se é
possível dizer que a grande imprensa no Brasil assume sistematicamente posição
política, mas, ao mesmo tempo, não pode ser considerada partidária, não pelo
menos na forma de partidarismo prevista pelo conceito de paralelismo político.
Fazemo-lo arrimado na teoria elaborada inicialmente por Seymour-Ure,
com desdobramentos posteriores formulados por outros estudiosos do tema.
Conceito
de paralelismo político
O conceito de paralelismo
político, consoante o citado autor, constitui uma das principais dimensões para
descrever a relação entre mídia e política nas sociedades ocidentais onde,
evidentemente, o conceito de democracia difere substancialmente daquele adotado
em sociedades orientais, algumas ainda subordinadas a governos tribais e,
portanto, onde os meios de comunicação não dispõem das liberdades necessárias
ao pleno exercício da liberdade de expressão. Esta, aliás, requisito sine qua non para o estabelecimento de
uma análise de paralelismo político.
Historicamente o paralelismo
político pode ser entendido como um fenômeno que surgiu a partir do século XIX
com a consolidação de partidos políticos e, paralelamente, da imprensa. Daquele
tempo a esta parte o processo de desenvolvimento da atividade política, em
termos sociológicos, como um aspecto do desenvolvimento natural da sociedade
tem caminhado pari passu com o
desenvolvimento das tecnologias midiáticas, ensejando cada vez mais esse
paralelismo objeto da teoria de Seymour-Ure.
Com efeito, após criticar
duramente, a lacuna que identifica na área da mídia e comunicação em relação
aos estudos de ciência política nas democracias modernas, Downing, reconhece
com dois pensadores da área (Dewey e Lippmann) que “a mídia em geral oferece as
oportunidades necessárias de informação e comunicação para que a deliberação
efetiva aconteça.”
Paralelismo
no Brasil
No Brasil os grandes veículos de
comunicação assomam uma grande importância como elo entre o governo e a
sociedade e sua atuação demonstra de forma inequívoca as preferências político-ideológicas
dos grupos econômicos que os detêm. Este indicativo pode passar despercebido
para as massas que seguem seu curso à reboque das deliberações de governo, quer
sejam executivas ou parlamentares. Todavia, o jornalista Sérgio Murilo de
Andrade assevera que a interação entre forças políticas com a sociedade em
geral só se viabilizam “através dos meios de
comunicação, especialmente os meios de comunicação de massa”. Por outro lado,
ele lembra que é imprescindível
“a capacitação da sociedade brasileira para exercer
essa função social tão fundamental que é a de conhecer os meios de comunicação,
ver como funcionam, como se articulam para captar, para processar e para
difundir as informações. Ou seja, é função do cidadão brasileiro, sim, se
capacitar para conhecer a mídia”.
O
autor chama a atenção para o fato de que para cumprir este papel essencial à
democracia, quais sejam os de fiscalizador das ações de governo e aqueles de
informação à população, os órgãos de mídia adotam critérios diferentes (op.
cit. p. 33). O julgamento da correção
dessa ação da mídia corre ao arbítrio dos lados em disputa permanente numa
sociedade democrática, que é caracterizada pela pluralidade de opiniões. E um
julgamento desse porte só pode ser parcial, uma vez que, por parte das pessoas
numa sociedade politicamente livre, consoante observa Lippmann ao chamar a
atenção para a sobrecarga de informações que chega aos cidadãos por parte dos
homens que fazem os negócios públicos, constatando que
“A quantidade
de atenção disponível é muito pequena para qualquer esquema no qual se suponha
que, depois de se dedicarem a ler publicações de todas as agências de
inteligência, todos os cidadãos da nação se tornariam alertas, informados e
desejosos de uma enorme quantidade de questões reais que nunca se encaixaram
muito bem em princípio amplo algum.”
De
igual modo, numa sociedade cuja capacidade econômica e nível de escolaridade
está abaixo do desejável, as informações que a ela chegam, sem desvincular o
meio emissor do alinhamento político com este ou aquele grupo partidário, não
conseguem influenciar de forma inalienável as vontades e desejos dos cidadãos,
a não ser em camadas mais intelectualizadas da população. E ainda assim, esta
mesma inteligentsia que forma opinião
no seio da sociedade, mesmo sem vinculação direta com interesses dos veículos
de comunicação, está submetida a mais das vezes a determinantes de natureza
político-ideológica.
Dois
exemplos podem ser dados para arrimar a observação acima: 1) Em um determinado
momento da história política brasileira, o Partido dos Trabalhadores alcançou
os anseios da sociedade em razão do apoio das massas, gerado, sobretudo, pelos
meios de comunicação que apontavam seu líder, um metalúrgico saído das camadas
mais pobres da população, como um homem capaz de liderar as mudanças
reivindicadas pelo povo. Era nítida a postura política dos principais
conglomerados do País, cada um fazendo o jogo que lhe ditava o desejo. Pouco
tempo depois de eleito viu-se – e esses mesmos meios de comunicação divulgaram
à saciedade suas versões dos fatos – que a sociedade brasileira tinha comprado
gato por lebre, segundo as denúncias publicadas pelas grandes redes de mídia.
Era o caso escabroso do Mensalão. Paradoxalmente à grita por ética na política
não consumada com a ascensão do PT ao poder, a sociedade reconduziu o partido
ao comando da nação.
2) O segundo exemplo diz respeito à
parcela intelectualizada da população, especialmente os intelectuais da
Academia que ajudaram o PT a chegar ao poder, fazendo coro às reivindicações de
rua por ética na política e avanços no atendimento às cobranças por mais
cidadania, consoante as determinações da Constituição programática de 1988.
Esses intelectuais ficaram silentes diante dos escândalos protagonizados pela
cúpula petista no governo. Tal atitude forçou um seminário ocorrido na
Universidade de São Paulo, subordinado exatamente ao tema, “O Silêncio dos
Intelectuais.”
Daquele
tempo (2005) a esta parte apesar das acusações à mídia de ambos os lados, o
Partido dos Trabalhadores continua no poder, não obstante as forças que o
apoiam apontarem para os principais grupos comunicacionais do País (Rede Globo,
jornal O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e, sobretudo, a Revista VEJA)
como organismos partidarizados e antipetistas da mídia nacional.
Por
oportuno, vale salientar que se a esquerda brasileira no poder carimba a grande
mídia como defensora de postulados ideológicos de direita, o discurso da
direita, diametralmente oposto, aponta para a mídia com a mesma crítica. No
Brasil, ao contrário de países como os EUA, ambas as baterias estão assestadas
para a mídia numa sinalização evidente de que o autoritarismo e a antipatia
política, de fato, são contra a liberdade de expressão. No caso norte-americano
Downing (p. 78), recorre à história recente do País para observar que não cabe
à esquerda fazer críticas à mídia, como, aliás, ocorre no Brasil lulo-petista:
“Durante as
décadas de 1980 e 1990 nos Estados Unidos, a extrema direita organizada fez a
grande jogada de denunciar a mídia estabelecida como púlpito da esquerda, de
modo que seria um imenso erro se a esquerda simplesmente contribuísse para a
cultura do ataque à mídia sem, ao mesmo tempo, fazer muito barulho para
demonstrar ferrenha oposição ao projeto da direita radical de banir toda
expressão de dissidência de seu lado esquerdo.”
Conclusão
No
Brasil, como em grande parte dos países que compõem o quadro das democracias
ocidentais, os veículos de mídia adotam posições claramente alinhadas com os
lineamentos político-partidários que mais lhe são caros. Os motivos desta
“fraternidade” podem ser os mais diversos, a merecer investigação profunda.
Todavia, os mecanismos midiáticos que atuam na sociedade, os quais são objeto
da teoria do paralelismo político, não podem olvidar o fato de que “Com as
inovações de ontem e de hoje, mudarão os meios, mas permanecerá na mesma base
pessoal a tarefa de informar-se e informar: para adquirir opinião e para
influenciar a dos demais. A mídia faz
muito. Mas, nada substitui duas coisas: primeiro, o ato de ler continua a ser
tarefa pessoal, indelegável; segundo, é igualmente pessoal o trabalho de
convencer, apanágio de políticos e lobistas.”
Daí
a explicação da permanência no poder no Brasil de um contingente de políticos
acusados dos mais escabrosos escândalos, os quais insistentemente denunciados
pela mídia em todas as suas nuances, não conseguem sensibilizar o eleitorado
para pô-los fora do alcance das urnas. Este papel, aliás, tem sido cumprido pelo
poder Judiciário, ainda que de forma tênue e sob a acusação de está politizando
o judiciário ou, em sentido contrário, judicializando a política. Por outro
lado, isto significa dizer, portanto, que os organismos de mídia (TV, rádio,
jornal, internet com seus sites blogs e demais redes sociais) cumprem seu papel
de fiscalizar e denunciar de acordo com seu pensamento político-ideológico, ou
seja, tomam partido ainda que não o explicitem. Mas, definitivamente não
assumem o lugar de partidos políticos, não obstante a crise de representação
que se abate sobre o sistema de democracia formal vigente entre nós ocidentais.
Bibliografia
consultada
1.
Albuquerque,
Afonso
de. Paralelismo Político em Questão. In
Revista COMPOLÍTICA - v. 2, n. 1, ed. jan-jun, 2012.
2. Andrade, Sérgio
Murilo in Cidadania,
Mídia e Política - Relacionamento Sociedade Civil, Meios de Comunicação e
Parlamento. Seminário Nacional Realizado pela Comissão de
Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em 2006. Centro de
Documentação e Informação - Edições Câmara, 2008.
3. Downing, John D. H. Mídia Radical – Rebeldia nas Comunicações e Movimentos
Sociais. Senac Ed., São Paulo, 2004
4. Farhat, Saïd. O Fator Opinião Pública, como se lida com ele. T. A. Queiroz
Editor, São Paulo, 1992.
5. Lippmann, Walter. Opinião Pública. Editora Vozes, Petrópolis-RJ, 2008.
[1] Apud Albuquerque, Afonso de. Paralelismo Político em Questão. In Revista
COMPOLÍTICA - v. 2, n. 1, ed.
jan-jun, 2012.
[2] Downing, John D. H. Mídia Radical – Rebeldia nas Comunicações e Movimentos
Sociais. Senac Ed., São Paulo, 2004, págs. 77-78
[3] Cidadania,
Mídia e Política - Relacionamento Sociedade Civil, Meios de Comunicação e Parlamento. Seminário
Nacional Realizado pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos
Deputados, em 2006. Centro de Documentação e Informação - Edições Câmara, 2008,
pág. 32.
[4] Lippmann, Walter. Opinião Pública. Editora Vozes, Petrópolis-RJ, 2008, pág. 334.
[5]
Confira: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/ciclo_de_conferencias_o_silencio_dos_intelectuais
[6] Farhat, Saïd. O Fator Opinião Pública, como se lida com ele. T. A. Queiroz
Editor, São Paulo, 1992, pág. 176/177.
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