O Dr. Cássio Borges é Engenheiro Civil, formado pela Escola Politécnica de Pernambuco
e especializado em
recursos hídricos e barragens pela Escola Nacional de
Engenharia e pela Pontifícia
Universidade Católica (PUC), ambas do Rio de Janeiro. De autoria de Cássio Borges publico o artigo que segue.
Quando fui diretor regional do DNOCS na década de
70, à época em
que era diretor-geral daquele departamento o saudoso e brilhante
engenheiro
José Lins de Albuquerque que, diga-se de passagem, apoiava e
prestigiava
todos os meus atos relativos à questão hídrica do Estado do
Ceará, tomei a
decisão de não instalar as comportas do Açude Orós, já
adquiridas e
vendidas como ferro velho, reduzindo, assim, a capacidade global
de sua
acumulação de 4,0 bilhões de m³, para a qual foi projetado e
construído,
para apenas 2,0 bilhões de m³ tendo, para isso, apresentado, na
ocasião,
as necessárias justificativas dessa minha decisão, entre as
quais,
a inundação de significativa parte da cidade de Iguatu.
Relembro o fato acima, visto que, vez por outra,
algum segmento
(isolado) da sociedade cearense faz referência lisonjiosa ao
Açude
Castanhão usando adjetivos monossilábicos como, por exemplo,
chamando-o de
“milagroso”, num claro propósito de blindar qualquer argumento
contrário à
sua existência e impô-lo, definitivamente, à opinião pública,
porém nunca
é demais lembrar que fui favorável a essa obra, porém com 1,2
bilhão de
m3. E me pergunto: “milagroso” por quê? Terá sido porque
ele desviou as
águas do Rio Jaguaribe para a atmosfera com uma inconcebível
evaporação de
20 m3/s? Será porque, apesar do seu gigantismo (o maior açude em
regiões semiárida do mundo) sua vazão regularizada, de 10 m³/s é
(pasmem!)
inferior à do Açude Orós (12 m3/s), apesar deste ser 3,5 vezes
menor em
volume d`água acumulado do que ele? Que milagre é este?
Vejo nesses propósitos intencionais de blindar ou
impedir
qualquer argumento ou estudo que venha a ser a ser proposto
semelhante ao que
foi decidido em relação ao Açude Orós na década de 70, acima
referido. Aos
que não se lembram, ou não tenham tido conhecimento, recordo que
o Açude
Castanhão foi condenado por razões técnicas, econômicas, sociais
e
ambientais, por sete votos a zero no Tribunal da Água (nos
moldes do
Tribunal Internacional da Água, sediado em Copenhague,
na Dinamarca), o
qual foi realizado em Santa Catarina em abril de 1993. Em defesa
desse empreendimento estiveram dois dos mais destacados
engenheiros da
Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará.
Infelizmente, por razões estranhas e
inexplicáveis, a Secretaria
de Recursos Hídricos do Estado do Ceará, desrespeitando o bem
elaborado e
correto planejamento do vale do Rio Jaguaribe, feito pelo DNOCS,
substituiu a construção do Açude Castanheiro, no Rio Salgado, em
Lavras da
Mangabeira, afluente principal do Rio Jaguaribe por sua margem
direita,
pelo Castanhão, próximo do litoral, o que motivou amplo debate
que durou
14 anos, tendo como pano de fundo, verdade seja dita, os
interesses
da portentosa empreiteira Andrade Gutierrez, responsável pela
construção
dessa obra.
A verdade é que, em resumo, os colegas
engenheiros que antes
eram contrários à referida obra e comungavam comigo do mesmo
pensamento,
de repente passaram a ser os mais ferrenhos defensores desse
empreendimento.
Tudo isto contei em livro, de 331 páginas, do qual não retiro
uma só
vírgula, que escrevi em 1999, intitulado “A Face Oculta da
Barragem do
Castanhão-Em Defesa da Engenharia Nacional”, no qual consta, no
Capítulo
XXXI, os detalhes sobre o Julgamento no Tribunal da Água e tudo
o que
ali está dito vem sendo comprovado pela história nesses onze
anos de sua
existência, para tristeza da população cearense que foi,
lamentavelmente,
enganada quanto aos reais benefícios desse empreendimento, um
Ceará Aquático,
como dizia a propaganda oficial.
Em síntese, o Açude Castanheiro, na cota (altura
topográfica)
239m, portanto com amplas possibilidades de levar a água por
gravidade,
sem necessidade de bombeamento, para diversas regiões do Estado
do Ceará,
foi substituído, irresponsavelmente, pelo Castanhão, na cota
50m, o qual
domina apenas cerca de 30% do Vale do Jaguaribe, justamente uma
das partes
menos sujeitas às secas, que é o litoral. Logicamente, o próprio
Castanheiro, se este tivesse sido construído estaria também
beneficiando
esta mesma área, inclusive a Região Metropolitana de Fortaleza.
A seguir, faço um breve estudo comparativo do
Açude Castanheiro
em relação ao Açude Castanhão:
1) – A primeira coisa que devo ressaltar é que o
volume d`água
de acumulação do Castanhão é 3,5 vezes maior do que o do
Castanheiro. O
primeiro tem sua capacidade de acumulação de 6,7 bilhões de m3,
enquanto o
segundo acumularia, se construído, no máximo, 2,0 bilhões de m3;
2) – O Castanhão tem sua parede, digo, sua
barragem, uma
extensão de 12.000 metros, enquanto o Castanheiro teria
(pasmem!) apenas
40 metros;
3) – O Castanhão foi construído num seção já
perenizada pelos
Açudes Orós e Banabuiú e mais recentemente pelo Açude
Figueiredo,
concluído no ano passado, o qual já fazia parte do planejamento
do DNOCS
desde a década de 50;
4) – A bacia hidráulica do Castanhão é um mega
espelho aberto
exposto ao sol e aos ventos o que favorece à elevada evaporação
de 20
m3/s, conforme observado no atual período de quatro anos de
seca. Esta alta
evaporação já era prevista por mim no livro que escrevi acima
referido;
5) A vazão regularizada do Castanhão, antes tida
e havida como
sendo da ordem de 30,00 m3/s, depois 19,0 m3/s, somente no final
do ano
passado foi reconhecida como sendo de apenas 10 m3/s, inferior à
do Açude
Orós que é de 12,00 m3/s, apesar deste ter um volume de
acumulação d`água
3,5 vezes menor do que aquele. Repito: Que milagre é este?
É lamentável que os atuais dirigentes da política
de recursos
hídricos do Estado do Ceará não queiram reconhecer os erros que
foram
cometidos em relação ao projeto do Açude Castanhão, pois só
reconhecendo a
existência deles, é possível corrigi-los ou minimizá-los. É
fundamental
ter a humildade de reconhecer as falhas e não se considerarem os
donos da
verdade. A construção, ainda que tardia, das Barragens
do Castanheiro e
Aurora, e outras de portes médios, poderão fazer parte
do planejamento dos
recursos hídricos, não só do vale do Rio Jaguaribe, como do
próprio Estado
do Ceará como um todo, considerando-se a vazão que deverá provir
do Rio
São Francisco. Basta ter visão estratégica e vontade política.
Não se deve
desprezar a história, pois aprendemos com os erros do passado.
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