terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A PRAÇA É DO POVO!

                                                                                   

Barros Alves

Neste momento inglório por que passa nossa Pátria, enxovalhada pela hipocrisia extremada e pelo palavreado estéril, expressos em pomposos discursos cheios de rebuscamentos frásicos, pronunciados por quem deveria defender a Constituição e a ordem pública; neste momento em que a bússola da política aponta para dias tenebrosos em futuro não muito distante, nos quais não veremos o sol da liberdade como hoje; neste momento em que as massas ainda podem clamar por respeito às leis e justiça, ainda que impotentes para fazerem cumpri-las segundo as exigências das consciências mais lúcidas e verdadeiramente comprometidas com os elevados valores da democracia; neste momento verdadeiramente aziago, mais uma vez a literatura é bálsamo que nos ajuda a permanecermos na trincheira da luta, a nos insurgirmos contra a tirania e as injustiças que são protagonizadas pelos protagonistas do caos que detêm o mando. Porém, nem sempre detêm o poder, porque este emana do povo.

            Por agora, vem-me à mente o cântico de liberdade entoado por um poeta imenso, grandioso, extraordinário. Aquele que dizia “eu sou pequeno, mas só fito os Andes.” Antônio de Castro Alves, o baiano que em apenas vinte e quatro anos de vida deixou obra insuperável e cantou a liberdade como poucos, deve ser declamado nas praças como um símbolo de militância contra a opressão dos poderosos. Castro Alves, aquele que morreu apenas saído da adolescência, mas que encantou platéias, levantou mentes e corações contra a escravidão; que com o seu verso quebrou grilhões e permitiu que a liberdade batesse as asas sobre nós, faz jus ao conceito que dele fez o rigoroso crítico Agripino Grieco: “Castro Alves não foi um homem; foi uma convulsão da natureza.”

            Por oportuno, urge lembrar o poema O POVO AO PODER, um grito de liberdade tão necessário neste momento em que meia dúzia de iluministros togados, mais sinistros do que iluminados, ousam surrupiar os direitos que foram assegurados ao  povo brasileiro pela Constituição de 1988, sobretudo aqueles direitos fundamentais que expressam a cidadania, numa Carta Magna dita cidadã.   Devemos, pois, cantar como Castro Alves em 1864, arrostando as forças opressoras e recebendo as merecidas ovações no Teatro São João, de Recife:

 

Quando nas praças s’eleva

Do Povo a sublime voz,

Um raio ilumina a treva,

O Cristo assombra o algoz…

(...)

A praça! A praça é do povo

Como o céu é do condor

É o antro onde a liberdade

Cria águias em seu calor!  

 

            Nesse maravilhoso grito poético, Castro Alves, exclama “que o direito não é pasto de punhal/ Nem das patas de cavalo/ Se faz um crime legal.” No Brasil de hoje é hora de atentarmos para situação crítica em que uns poucos insistem em usurpar o Estado de direito e roubar a luz aos caminhos da liberdade. “Dizei, quando a voz dos Gracos/ Tapou a destra da lei?/ Onde a toga tribunícia/ Foi calcada aos pés do rei?” Ora, a toga tribunícia deste País está há algum tempo calcada sob os pés do reinado da insensatez, da arrogância, da empáfia, da suprema hipocrisia.

Urge que levantemos nossa voz antes que seja tarde. “Dos teus tribunos que é feito?” Como o poeta em 1864, os brasileiros de hoje estão abandonados à pusilanimidade de um Parlamento silente, porque amedrontado diante da tribuna togada. A Câmara dos Deputados se ajoelha; o Senado compõe-se de larga maioria assemelhada a Incitatus, o cavalo que o imperador Calígula fez senador de Roma. Porém, como em outros tempos tenebrosos, não será diante de tempos vermelhos que o povo sucumbirá sem reação. Vamos à luta com o mesmo espírito do poeta:

 

Da plebe doem os membros

No chicote do poder,

E o momento é malfadado

Quando o povo ensangüentado

Diz: já não posso sofrer.

Pois bem! Nós que caminhamos

Do futuro para a luz,

Nós que o Calvário escalamos

Levando nos ombros a cruz,

Que do presente no escuro

Só temos fé no futuro,

Como alvorada do bem,

(...)

Irmão da terra da América,

Filhos do solo da cruz,

Erguei as frontes altivas,

Bebei torrentes de luz…

Ai! Soberba populaça!!!

 

 

  

 

 

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