terça-feira, 6 de dezembro de 2022

DEPUTADO FERNANDO SANTANA E O PADRE CÍCERO

                                                                                   

Barros Alves 

            No limiar deste século, salvo engano em 2004, tive oportunidade de entrevistar o professor Ralph Della Cava, autor do clássico “Milagre em Joaseiro”, obra fruto de meticulosa pesquisa realizada nos anos 1960, pelo mestre norte-americano, para ser apresentada ao Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade de Columbia, EUA. Della Cava disse que por esses acasos da vida tomou conhecimento da oligarquia aciolina que dominou o Ceará por um quarto de século, sob o comando do velho cacique Antônio Pinto Nogueira Acioly, o Babaquara. Conseguida bolsa de estudos rumou para o Brasil, mais especificamente para o Ceará. Logo no início da pesquisa tomou conhecimento de uma personagem que aparentemente secundária em termos políticos, assomava a cada momento, diante do olhar do pesquisador perspicaz, como um protagonista de primeira grandeza no cenário sócio-político e cultural dos sertões nordestinos, alteando-se bem acima de Nogueira Acioly, sobretudo pelo aspecto imaterial de sua obra religiosa e mais ainda em face do famoso “milagre da beata”, que causou a maior polêmica já vista no seio da Igreja Católica brasileira no final do século XIX. Della Cava não titubeou. Mudou o objeto da pesquisa para o Padre Cícero Romão Batista, em detrimento de Acioly, este definitivamente uma figura menor em face do taumaturgo de Juazeiro. Tal decisão rendeu-lhe a feitura de uma obra que se tornou um “best seller”.

            O jovem Padre Cícero, modesto pároco de aldeia, que chegou à pequena Vila de Juazeiro, em 1871, um ano depois de ter sido ordenado, viu-se anos depois no centro de uma polêmica religiosa que transcendeu os limites do Ceará e do Brasil, pois foi ter desdobramentos na Cidade Eterna. Incompreendido pela Igreja local, punido pelo seu bispo, agredido pela imprensa, desacatado por seus adversários, Padre Cícero é ele próprio um daqueles milagres inexplicáveis para a maioria das pessoas. Já em vida foi reabilitado pelas multidões de romeiros que visitavam Juazeiro apenas para receber as bênçãos e os conselhos do Padim Ciço. Na posteridade, ou seja, nos dias atuais caminha a passos largos para ascender à glória dos altares.

            O deputado Fernando Santana, figura de fino trato e de elogiável lhaneza, ocupou a tribuna da Assembleia Legislativa do Ceará na manhã de ontem (1º/12) para fazer o mais do que justo elogio do Padre Cícero neste momento em que Roma, mais precisamente o dicastério Congregação para a Causa dos Santos, recebe toda a documentação que assegura ao santo do povo nordestino a formalidade de se tornar um Servo de Deus e posteriormente, após a beatificação, Venerável. O passo seguinte é a canonização segundo os parâmetros da Igreja Católica. De fato, Meu Padim Pade Ciço, já está há muito santificado no imaginário dos milhões de brasileiros de todas as classes sociais, em especial sertanejos nordestinos, os quais igualmente ao deputado Fernando Santana, veneram o Padre Cícero como legítimo intercessor que, pela fé e pela caridade, atende seus pedidos. Padre Cícero, com efeito, também fez milagres no exercício da atividade política, para o bem do seu povo. O deputado Fernando Santana está bem guardado sob o pálio do santo de Juazeiro. Juazeiro do Meu Padim.

Lembre-se, por oportuno, que o Padre Cícero somente adentrou na política partidária depois que foi afastado das funções sacerdotais, uma injustiça que lhe causou imensa tristeza, mas jamais o fez abandonar o seio da Igreja ou detratá-la, tendo-lhe permanecido fiel e obediente até o último dia de sua vida nonagenária. Seu prestígio contou imensamente para a emancipação político-administrativa de Juazeiro do Norte, da qual foi interventor durante vários anos. Sobre essa situação ele declarou: “Nunca desejei ser político, mas em 1911, quando elevado o Juazeiro, então povoado, à categoria de Vila,* para atender aos insistentes pedidos  do então presidente do Estado,  o meu saudoso amigo Comendador Antônio Pinto Nogueira Acioly, e para evitar, ao mesmo tempo, que outro cidadão, na direção deste povo, por não saber ou por não poder manter o equilíbrio de ordem, até esse tempo mantido por mim; para evitar que se  comprometesse a boa marcha desta terra, vi-me forçado a colaborar na política.” O cidadão de que fala o Padre Cícero era o ambicioso Padre Alencar Peixoto, que depois escreveu violenta catilinária contra o desafeto.

Importante lembrar também a ação pacificadora do Padre Cícero, que realizou o famoso “Pacto dos Coronéis”, tão mal visto pelos seus críticos. Essas críticas são fruto de desinformação, ignorância da história ou má fé. O presidente Hermes da Fonseca e o poderoso Senador Pinheiro Machado tentaram por intermédio de figuras importantes da política cearense, pacificar as relações entre os “coronéis” do interior do nosso Estado, chefes políticos que só entendiam a linguagem do bacamarte e do trabuco. O poder entre eles era exercido normalmente pela violência e pela força bruta. O Padre Cícero conseguiu reunir os mais poderosos em torno de uma mesa de onde saiu um pacto de não-agressão que perdurou por muito tempo.

De outro lado, a ação política do Padre Cícero não se desvestiu jamais da ação pastoral, sobretudo quando condenou o comunismo que se espalhava pelo mundo e nos países da América Latina, em especial no Brasil, Stalin usava sua máquina de propaganda, sobretudo usando intelectuais de renome para divulgar as teorias marxistas de instalação de um paraíso na terra. Padre Cícero denunciou a armadilha do socialismo/comunismo em diversas oportunidades. Em maio de 1920, por exemplo, ele fez divulgar uma carta aberta de feição profética e escatológica, intitulada “Aviso do Padre Cícero Romão a propósito dos acontecimentos que virão sobre a Terra.” Ali, entre previsões e admoestações para os fiéis romeiros, lê-se a condenação do “Bolchevismo, Ditadura como está hoje convertida a Rússia, em um governo anticristão, forma de governo esta que brevemente se espalhará por toda a face da terra(...) A Rússia continuará com a perseguição religiosa até que se apague o nome de Deus. O Anticristo sairá da Rússia. Ele perseguirá o Catolicismo.” É certo que isto ocorreu durante mais de oitenta anos e, no presente, os cristãos estamos a sofrer problemas semelhantes em vários países governados por comunistas; mesmo no Brasil a situação não está nada alvissareira. Padre Cícero continua com a razão. 

           

 

             



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