terça-feira, 6 de dezembro de 2022

UM COMUNISTA SANTO?

                                                                           

Barros Alves

Ao final da celebração do décimo oitavo Congresso Eucarístico Nacional, no dia 15 do mês em curso, dom Fernando Saburido, Arcebispo de Olinda e Recife, anunciou que o Vaticano emitiu decreto de Validade Jurídica reconhecendo os atos e a documentação feitos pela Arquidiocese em relação ao processo de postulação para uma possível beatificação de Dom Hélder Câmara, que foi arcebispo naquela mesma arquidiocese e um aguerrido militante da Teologia da Libertação, tendo sido por de  mais atuante durante o Concílio Vaticano II, sendo um dos signatários do tenebroso “Pacto das Catacumbas”, documento que visa transformar a face da Igreja segundo a visão da militância eclesial libertária.  Documentação aprovada pelo dicastério Congregação da Causa dos Santos, o próximo passo é a nomeação de um relator e a elaboração de um “Positio”, uma postulação que será analisada por uma comissão de historiadores, teólogos, bispos e cardeais, os quais darão pareceres e diante dos quais o Papa poderá declarar Dom Hélder “Venerável”.  Depois, se for o caso, o processo seguirá até uma possível canonização. Este processo de canonização de um comunista declarado a mim me parece algo fora de propósito da verdadeira Igreja Católica Apostólica Romana.

Após a hecatombe que varreu a Europa, na primeira metade do século passado, muitos intelectuais que combateram denodadamente o nazifascismo bandearam-se inopinadamente para as hostes comunistas. Tal fato espantou, sobretudo, intelectuais cristãos como o cardeal e teólogo francês Henry de Lubac, que expressou suas preocupações em obras basilares para o entendimento da sutilidade do mal causado pelo humanismo travestido de cristianismo, pregado por altos dignitários da própria Igreja. Já em 1949, numa carta que escreveu aos “cristãos progressistas”, Henry de Lubac chamava a atenção para o fato de que eles não deveriam “fazer o jogo do pior  dos totalitarismos, porque depois de haverem lutado contra o nazismo, não se dão conta de estarem lutando em prol de outro totalitarismo, o do Partido Comunista.”

Entre nós também vários intelectuais, levados pelo vento da ilusória propaganda comunista de paz e igualdade disseminada em todo o planeta no pós-guerra, optaram equivocadamente pela defesa de postulados que se coadunam perfeitamente com os interesses mesquinhos e anticristãos do marxismo-leninismo. E isto bem antes do boom denominado Teologia da Libertação, “a fumaça de satanás que entrou pelas frestas da Igreja”, consoante a observação do Papa Paulo VI em contexto posterior. Todavia, a ideologia da desgraça do homem continua sua ação deletéria na Igreja e no mundo, arrimada em um discurso presidido pela desfaçatez e pela hipocrisia.

A Teologia da Libertação é um desses males que adentram sorrateiramente – às vezes nem tanto – no Corpo Místico de Cristo, a Igreja, e como um câncer intelectual e espiritual vai minando os caminhos do divino na tentativa, felizmente vã, de destruir o sagrado colocando em seu lugar um humanismo ateu torpe e inconseqüente. Assim é que nomes respeitáveis do pensamento  teológico da contemporaneidade, expõem com tanta competência quanto com poder sofista, um discurso que mistura o político com o religioso, e é a um tempo populista, demagógico e herético. Esses teólogos, - alertava Lubac -, “querem uma libertação social, mas o que ocorre de fato é dão clara contribuição para o estrangulamento do homem, para uma organização tirânica, policialesca, que regula e manieta o pensamento e as consciências, com o entusiasmo enorme de destruir o princípio da liberdade espiritual que o Cristianismo tem introduzido no mundo.”

Com efeito, esses teólogos que esteiam suas argumentações na dialética demoníaca de Marx, nada mais querem do que “descristianizar as almas.” O discurso é piedoso, mas hipócrita; sereno, mas pregam a revolução e a violência para a consecução de seus objetivos; adoçam as palavras com a mensagem sagrada do santo Evangelho de Cristo, mas cooperam com o mal ao apoiarem regimes políticos que odeiam a religião e, em especial, o Cristianismo. Esses teólogos e pregadores da “libertação” têm, de fato, um discurso angelical. Porém, se olharmos a sua essência veremos, sem muito esforço,  que é um discurso enganador, tergiversante, contraditório, anticristão. E nos faz lembrar a admoestação do Apóstolo Paulo quando escreve aos Gálatas: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós, ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema.” (Gálatas 1. 6-8).

Um dos nomes exponenciais na Igreja Católica da América Latina, sobretudo na seara eclesial brasileira, foi um desses equivocados que se deixaram levar pela falsidade de um humanismo que insiste em equiparar-se ao Cristianismo. O cearense Dom Hélder Câmara, apropriadamente cognominado “Bispo Vermelho” exatamente em razão de suas ideias consentâneas com as doutrinas marxistas, fez o jogo da ideologia totalitária comunista de forma entusiasmada.  Era um homem bom, não resta dúvida. Mas, seqüestrado por ideias totalmente em descompasso com a doutrina bissecular da Igreja, assentada em inúmeros documentos conciliares e pontifícios, mercê de ingentes estudos, debates, disputas teológicas, orações e penitência. Dom Hélder Câmara chegou ao ponto de dizer que o Brasil deveria adotar o mesmo sistema econômico da então Tchecoslováquia comunista. Ele era entusiasta dos regimes que ainda hoje governam a China e de Cuba, cruéis e tirânicos onde a democracia é uma ficção política e a morte de Deus é pauta oficial. Quando arcebispo de Olinda e Recife, a título de combater a ditadura militar, correu mundo pregando ideias marxistas sob a capa do Evangelho de Jesus Cristo. É este bispo defensor de uma “doutrina intrinsecamente má” (Pio XI sobre o marxismo) que eminentes prelados e muitos católicos desejam elevar à glória dos altares.

Quando vejo a procissão de incensadores da beatificação, e posterior canonização de Dom Hélder Câmara, sinto-me abatido pela mesma angústia que acometeu Henri de Lubac em face das investidas do comunismo, tantas vezes travestido de anjo bom, com fito de conquistar os cristãos por um lado e, paradoxalmente, por outro, decidido a destruir o Cristianismo. Há meio século, o Cardeal Lubac proferiu sentida indagação dirigida aos irmãos cristãos, que permanece grávida de imensa atualidade: “Como conseguir que se dêem conta de que o que se tem vivido e o que está em jogo é o desprezo pelo espiritual?” É mister, pois, não esquecermos que milhões de marxistas em todo o mundo, esses mesmos que odeiam o espiritual, estão exultantes com a possível beatificação de Dom Hélder Câmara, porque o “Bispo Vermelho” alcançar a glória dos altares é o mesmo que transformar a Igreja visível em máquina de propaganda do comunismo internacional. Essa iniciativa esdrúxula demonstra também o tamanho da crise espiritual por que passa a Igreja Católica. E traz à memória a figura da beata Anna Maria Taigi, mística, visionária e profetisa, beatificada pelo Papa Bento XV. Segundo se afirma, ela ouviu de Cristo que em momentos carentes de fé “os falsos serão erguidos como santos no Reino do Anticristo.” Vade retro!!!

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