sexta-feira, 5 de março de 2010

Estaleiro na Praia do Titanzinho

Com o título “Na Contramão do Turismo”, o professor Dardano Nunes de Melo escreve
artigo dsicorrendo sobre a imprudência de se construir um estaleiro na Praia do Titanzinho. Dárdano é especialista em Turismo. Portanto, vale a pena conferir uma das mais respeitados nomes da área:

Fortaleza vive um dilema; se o estaleiro não for no Titanzinho não será no Ceará,
assim afirmou Paulo Haddad, presidente da PJMR. O governador Cid Gomes (PSB)
tornou-se um defensor fervoroso do empreendimento. Por outro lado, a prefeita
Luizianne Lins questionou a imposição alegando que o plano diretor da cidade, a
questão social, esportiva, cultural, paisagística, ambiental e principalmente
turística vão de encontro ao projeto.
Certamente que ninguém quer perder R$ 40 bilhões de investimentos da Transpetro para
a construção de 26 navios petroleiros, 146 embarcações de apoio e 28 sondas, além de
49 navios que serão encomendados pela Vale do Rio Doce e 53 navios dos Àrabes( onde
os estaleiros foram destruídos pela guerra). Esta demanda obrigará a construção de
17 estaleiros no Brasil e um deles em Fortaleza. Será que não importa o custo para a
captação deste investimento?
Está bem claro as ideologias administrativas nos dois segmentos – Estado e
Município, o primeiro liberalizante (Cid Gomes), bem ao gosto de Adam Smith, e o
outro social democrata. Na visão do Estado, a prioridade é por megainvestimentos
(concentrador de riqueza) traduzidos no Aquário, Centro de Feiras e agora o
estaleiro. O município prioriza os micronegócios na comunidade de forma cooperada e
solidária, essencialmente gerador de trabalho e distribuidor de renda.
No liberalismo o mercado sobrepõe as pessoas, ao contrário do socialismo onde as
pessoas sobrepõem ao mercado. O primeiro prima em levar propostas (construção
individual ou grupal) já acabadas para população, a segunda prioriza a participação
como sugestão para as propostas (construção coletiva).
Caberia lembrar o premier James Smith da ilha turística de St. Vicent, no Caribe,
diante de propostas milionárias para a construção de portos e armazéns
transmarítimos naquele território, quando ele disse aos investidores: ”Desculpem-me
se eu não pareço tão ansioso em agarrar estes bilhões, mas eles não compram esta
natureza, nem a cultura de meu povo e muito menos a minha consciência. Aqui se vive
do turismo e um lugar que não se preserva não merece ser visitado”.
Será que Fortaleza deve ser uma cidade turística ou industrial? Há como
compatibilizar as duas atividades? Qual a vocação de Fortaleza?
Orson Wellys, em seu filme “A Dama de Changai”, afirmou que Fortaleza tem o litoral
mais lindo do mundo ao lado de Málaga na Espanha. Será que ele teria dito o mesmo se
o estaleiro tivesse lá? Ou não está aí a vocação de Fortaleza: o turismo com suas
praias preservadas?
No contexto de uma cidade essencialmente turística, na área do Serviluz, os
depósitos da Petrobrás e os armazéns deveriam ser retirados e o porto do Mucuripe
ser transformado num terminal para cruzeiros marítimos, igual ao de South Lauderdale
em Miami. Uma Região temática (tema; descobrimento do Brasil por Vicente Pinzon
antes de Cabral ) poderia tomar conta do espaço que também incluiria o Morro de
Santa Terezinha, o Mucuripe, Vicente Pinzon e Castelo Encantado.
Será que o turista iria preferir visitar o Serviluz com um estaleiro ou a área
sendo transformada num centro temático? Quem deve responder é o próprio turista. Ele
seria a principal peça do xadrez para a formatação de um produto que ele iria
comprar. Um destino turístico deve ser construído na perspectiva do turista.
O cidadão do lugar, sujeito e não objeto turístico, também deveria opinar: turismo
ou indústria naval no Serviluz? Há que lembrá-lo o risco futuro que correrá quando o
mercado encolher e o estaleiro passar a ser um lixo deixado para as populações
futuras. Muitos casos ocorreram na Europa (basta lembrar o filme “Segunda-feira ao
sol” de Fernando Leon de Aranoa – ganhador do Oscar), onde eles foram retirados e os
espaços requalificados até para fins turísticos. Niterói, no Rio, é um caso exemplar
onde o maior estaleiro do Brasil foi transformado em entulho de ferro.
As sociedades atingidas pelos desmontes dos estaleiros foram vítimas de uma imensa
crise econômica e social. Os tagarelas, defensores do estaleiro, deveriam ver os
estudos e pesquisas existentes sobre o assunto, talvez, mudassem de idéia.
Por que o governador, que prioriza o turismo em Fortaleza, não transfere o Aquário
da Praia de Iracema, onde o lugar não tem mais capacidade de carga turística, para o
Serviluz, em vez de pensar num estaleiro para o bairro? Se Fortaleza optou pelo
turismo como função urbana, há que se entender que a matéria-prima do produto
turístico é a natureza, o povo e sua cultura, que devem ser trabalhados em seu
benefício, jamais em seu malefício.
O estaleiro gera mil e duzentos empregos diretos, mas quantos deles serão das
pessoas daquela localidade? Sabe-se da necessidade de especialização do trabalhador
que leva anos para se capacitar. E quem está capacitado no Serviluz? Os complexos
portuários comprovadamente são focos de elevada prostituição em toda parte do
mundo. Será que o estaleiro não viria agravar a situação, sedimentando a imagem de
Fortaleza como um destino de prostiturismo?
Por que os hoteleiros (ABIH) mudaram de idéia tão rapidamente ao ouvir o senhor
Antonio Balhman (titular da Adece), no Centro de Convenções no dia 9/2/2010?
Elementar meu caro Watson… todos são capitalistas e priorizaram o curto prazo, o que
iria entrar no seu bolso de imediato. A inclusão social, a cultura, a preservação
ambiental e o turismo sustentável são prioridades últimas diante da ambição
imediatista pelo fio metal.
O dinheiro público investido no estaleiro é de todos, mas os grandes beneficiários
são poucos, ou seja, aqueles que o projeto interessa.
Muito mais interessante e turisticamente mais aproveitável e barato seria
intervenções urbanísticas no Riacho Maceió(Varjota) e riacho Pajeú (Centro), com a
desapropriação dos terrenos laterais para construção de comercio 24 hs, centros de
entretenimento, construção de passarelas como a das castelianas em Madrid, etc…
Assim não haveria esgotos a céu aberto nas áreas turísticas da cidade. A construção
do estaleiro será uma disfunção urbana de uma cidade turística.

Dárdano Nunes de Melo
Professor do IFCe e diretor do Sindicaturismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário