quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A um passo da tirania

A doutrina que se assenta como um dos pilares da democracia no mundo moderno, pensada desde Aristóteles e Marcílio de Pádua, John Locke e o Barão de Montesquieu com o seu clássico “O Espírito das Leis”, caracterizada essencialmente pela separação dos Poderes de uma nação, assim como, em conseqüência, pela autonomia e independência desses Poderes, ao que indicam os últimos acontecimentos ocorridos na política do Ceará, está entre nós em estado de miséria.

Nunca antes neste Estado se viu tão acentuado grau de intromissão do Poder Executivo no Poder Legislativo. Não se pode olvidar, é certo, o fato de que sempre houve influências do chefe do Executivo na escolha do presidente da Assembleia Legislativa, costume tão antigo quanto despiciendo por parte de muitos governantes cearenses. Mas, também é correto afirmar que em momentos passados, havia se não respeito tácito, pelo menos certo constrangimento do governante em manifestar publicamente sua participação no processo de escolha do chefe do Parlamento estadual.

No presente, os fatos ocorreram às escâncaras. O governador do Estado, mercê do grande poder que lhe caiu nas mãos pelo voto popular, em face da consistente aliança partidária que o reconduziu ao governo, não se deu ao trabalho de esperar que divergências entre postulantes à presidência da Assembleia fosse dirimida interna corporis. Não se conteve. Arrimou-se na condição de presidente do diretório estadual do Partido Socialista Brasileiro-PSB, determinou o fim da disputa, escolheu o ungido, marcou uma entrevista coletiva e divulgou o resultado de sua vontade. Um deputado da bancada governista e da afeição do governador foi nomeado presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Roma locuta causa finita.

Ainda que sob a legitimidade das urnas, o governador do Ceará impôs aos silentes cearenses, especialmente aos políticos apalermados e incapazes de reação, o conceito absolutista do “L’Etat cest moi”. No Ceará, falta pouco para a adoção de um governo tirânico no sentido em que James Madison, um dos fundadores da nação norte-americana, conceituou em artigo que compõe a obra “O Federalista” (escrita juntamente com Alexander Hamilton e John Jay). Segundo ele, “a acumulação de todos os poderes nas mesmas mãos, quer de um, de poucos ou mesmo de muitos cidadãos, por hereditariedade, autonomeação ou ELEIÇÃO, pode ser com justiça considerada como caracterizando a TIRANIA” (grifo meu).

Ao tomar a si o desiderato de anunciar urbi et orbi o nome daquele que preside outro poder, o governador não apenas usurpou um direito inalienável, mas incinerou um dogma – a independência dos poderes – aliado à democracia, do qual, conforme ensina Dalmo Dallari, decorre o temor de afrontá-la expressamente. Certo este não foi em momento algum o pensamento do governador do Ceará, posto que com desenvoltura ímpar ele deliberadamente afrontou o Parlamento e, com sua atitude, pôs de joelhos o Poder Legislativo diante dos olhares assustados dos cearenses que ainda se preocupam com o futuro da democracia.

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