Barros
Alves
As redes sociais, febre deste mundo
grávido de tecnologias comunicacionais em mutação permanente, estão infestadas
de grupos de relacionamento que discutem até o sexo dos anjos. De par com a
multipluralidade dos temas abordados, não faltam invencionices, mentiras cabeludas,
fraudes intelectuais, plágios. Textos sensaborosos, incipientes, desconexos, às
vezes estúpidos, outros de pieguice indeglutível são atribuídos a respeitáveis
nomes da literatura brasileira e estrangeira. Todavia, este tipo de engodo não
surgiu agora. Atualmente as redes sociais apenas têm a capacidade da divulgação
meteórica.
Um caso singular ocorre com o poema “No
Caminho, com Maiacóvski”, de autoria do poeta Eduardo Alves da Costa. Um
excerto desse belo poema, escrito em 1964, corre mundo em versões variadas,
recebendo autoria diversa. Ora como sendo da lavra do dramaturgo e poeta alemão
Bertolt Brecht, ora do poeta e teólogo Rubem Alves, ora publicado anonimamente.
Esse poema foi publicado numa edição com o selo da Editora Nova Fronteira,
1985, pág. 49. É formado por seis estrofes em que se contam oitenta e sete versos
livres. Os versos pinçados pelos estelionatários autorais constam da segunda
estrofe (versos 13 a 27), que transcrevo: “Na primeira noite eles se aproximam/
e roubam uma flor/ do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já
não se escondem:/ pisam as flores,/ matam nosso cão,/ e não dizemos nada./ Até
que um dia,/ o mais frágil deles/ entra sozinho em nossa casa/ rouba-nos a luz,
e,/ conhecendo nosso medo,/ arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer
nada.” Belo poema que está para além das adaptações disseminadas pelos
desinformados que navegam na internet.
Por falar em navegação, outro gato
que se compra por lebre é a frase “navergar é preciso, viver não é preciso”, que
uns atribuem ao poeta português Fernando Pessoa; outros pensam ser do
compositor Caetano Veloso, que a canta em uma de suas músicas intitulada “Argonautas”,
havendo ainda os mais desinformados que creditam a referida frase ao cantor
Raimundo Fagner, que interpretou a canção de Caetano. Na verdade, consoante a
precisa informação do escritor Paulo Rónai (cf. “Não Perca seu Latim”, 5ª
edição, Ed.Nova Fronteira, 1980, pág. 115), a frase em questão foi pronunciada
pelo General Pompeu (“Navigare necesse est, vivere non necesse”), esta, aliás, já sendo uma
tradução do grego. Pompeu (106-48 a. C.) a pronunciou em resposta aos
marinheiros que o queriam dissuadir de embarcar durante uma tempestade, segundo
conta Plutarco em “A Vida de Pompeu”.
Lembre-se, por oportuno, o texto em que
o poeta Fernando Pessoa cita a frase, deixando claro que não é criação dele: “Navegadores
antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é preciso, viver não é preciso.’
Quero para mim o espírito dessa frase, transformada a forma para a casar com o
que eu sou: viver não é necessário; o que é necessário é criar”. (Palavras de
Pórtico em “O Eu Profundo e Outros Eus”). Portanto,para esses posts de redes
sociais em que tanto se falseia a verdade, valem os últimos versos do poema “No
Caminho,com Maiacóvski” aqui antes referenciado: “Mas dentro de mim,/ com a
potência de um milhão de vozes,/ o coração grita: - MENTIRA!”
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