terça-feira, 18 de novembro de 2025

"Os 'ismos' estéreis e o esgarçamento do Cristianismo verdadeiro" - Por Barros Alves

                                                                              

A modernidade vive de "ismos": feminismo, ambientalismo, neoanimismo, neopanteísmo, neoliberalismo, neosocialismo, evangelicalismo e tantos outros rótulos de ocasião que prometem sentido, redenção, emancipação e identidade. São doutrinas que se afirmam como soluções totais, mas que, vistas à luz do Cristianismo histórico, revelam-se modismos estéreis, fragmentários, contraditórios entre si e, muitas vezes, incompatíveis com as premissas fundamentais da fé cristã. Os grandes mestres do pensamento cristão jamais se renderam a sistemas fechados. Santo Agostinho, em “A Cidade de Deus”, advertia contra toda tentativa humana de construir “cidades terrenas” absolutizadas, elevadas ao status de salvação: qualquer ideologia que pretenda substituir Deus por si mesma está, desde a raiz, corrompida pelo orgulho. Do mesmo modo, Santo Tomás de Aquino reconhecia que toda verdade tem sua dignidade, mas recusava integralismos que absolutizam partes da realidade em detrimento do todo criado e ordenado por Deus. Assim, o Cristianismo clássico não é um “ismo” entre “ismos” — é sua antítese.

O feminismo contemporâneo, por exemplo, sobretudo em suas ondas mais recentes, abandona qualquer sentido de complementaridade e desenraizamento metafísico da pessoa humana. Em nome da autonomia absoluta, afirma uma antropologia que nega a ordem natural e as distinções criadas por Deus. Como observou C. S. Lewis, quando o ser humano declara independência das realidades objetivas - morais, naturais ou espirituais -, ele “serra o galho no qual está sentado” (“A Abolição do Homem”).

O evangelicalismo, em alguns de seus desdobramentos mais superficiais e mercadológicos, incorre no mesmo erro ao reduzir o Cristianismo a performance emocional, slogans de autoajuda e triunfalismo sem cruz. Chesterton, em “Hereges”, dizia que o mundo moderno sofre não do excesso, mas da falta de dogmas; e quando se abandonam dogmas verdadeiros, surgem dogmas falsos, versões diluídas e caprichosas da fé.

De igual modo, para qualquer um que conhece os postulados em que se assentam o Cristianismo ao longo dos tempos, o ambientalismo, neoanimismo, neopanteísmo são facetas de um mundo neopagão, ou seja, um mundo em que acha normal a criação sem o Criador. O debate ambiental é legítimo e necessário. Todavia, o ambientalismo ideológico converte-se rapidamente em religião substituta, onde a natureza ocupa o lugar de Deus, e o ser humano torna-se intruso culpado. O problema não está no cuidado, mas na sacralização da criatura. Essa postura leva ao neoanimismo e ao neopanteísmo, modas espirituais que reeditam os erros antigos dos quais os Padres da Igreja advertiam. Para Agostinho, confundir Deus com o mundo é “trocar o Criador pela criatura”; para Tomás de Aquino, é negar o princípio da causa primeira transcendente.

Georges Bernanos denunciava o “panteísmo sentimental” como fuga da responsabilidade moral; R. R. Tolkien, o genial autor de “O Senhor dos Anéis”, embora amante da natureza, sabia distinguir com clareza a criatura e o Criador. Sua Terra-média jamais se confunde com divindades naturalistas. Há, portanto, uma contradição essencial: o Cristianismo vê a criação como dom; os “ismos” naturistas a vêem como divindade. Onde o Cristianismo vê a mão da Providência, eles vêem destino cósmico; onde o Cristianismo vê responsabilidade, eles vêem culpa existencial.

Quanto ao socialismo e ao neoliberalismo, não é difícil identificar que embora opostos na superfície, partilham o mesmo erro espiritual: a redução da pessoa humana a agente econômico, movido por estruturas materiais ou desejos individuais. Para o Cristianismo tradicional, a dignidade humana precede qualquer sistema e não pode ser derivada da economia. Chesterton e Belloc, ao denunciarem o capitalismo desenfreado e o coletivismo socialista, insistiam que ambas as ideologias mecanizam o homem e substituem virtudes por engrenagens sociais. Da mesma forma, Francis Schaeffer, em “Como Viveremos?”, lembra que qualquer sociedade que rejeita seus fundamentos espirituais termina buscando no Estado, no mercado ou no coletivo, aquilo que só Deus pode oferecer: sentido, moralidade, esperança. Portanto, ambas as ideologias falham porque tratam o ser humano como número, enquanto o Cristianismo o trata como pessoa.

O Cristianismo histórico atravessou impérios, revoluções, filosofias e modas intelectuais. É significativo que os grandes autores cristãos – Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, G. K. Chesterton, C. S. Lewis, R. R. Tolkien, Georges Bernanos, Francis Schaeffer, entre outros - nunca tenham buscado adaptar a fé às ideologias, mas julgar as ideologias pela fé. Esses pensadores convergem em três convicções fundamentais: 1. A verdade é objetiva, e não fabricada por agendas humanas; 2. A pessoa humana possui dignidade inalienável, enraizada em Deus, não em sistemas sociais; 3. Nenhum “ismo” é capaz de oferecer salvação, sentido ou moralidade estável. Por isso o Cristianismo é incompreensível para os modismos: o Cristianismo exige conversão, não adesão superficial; sacrifício, não slogans; transcendência, não ideologia.

Os “ismos” da modernidade, o feminismo radical, o ambientalismo militante, o neoanimismo, o neopanteísmo, o neoliberalismo, o neosocialismo, os evangelicalismos estéticos, travestem-se de bondosos e simpáticos humanismos, mas não passam de neopaganismos arrogantes. Ainda bem que são fenômenos de curta duração e longa presunção. Oferecem linguagem moral, mas sem moral; prometem transcendência, mas sem Deus; pregam justiça, mas sem verdade objetiva. O Cristianismo, ao contrário, não é moda: é fundamento, tradição viva, revelação, raiz de civilização. É por isso que tantas ideologias modernas se chocam frontalmente com a fé: porque, no fundo, competem com ela, disputam sua autoridade, seu espaço e sua promessa de salvação. Como dizia C. S. Lewis, “o Cristianismo, se falso, não tem importância. Se verdadeiro, é de importância infinita. A única coisa impossível é considerá-lo moderadamente importante”. Os “ismos” modernos tentam ser essa terceira via. Porém, terminam como sombras passageiras diante da perenidade da fé cristã. 

 

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