segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Proezas de um brecheiro e a filha do bicheiro

Arievaldo Viana


Ó leitor deixai de lado
O ingrato D. Pedroso
Que vou falar de um poeta
Engraçado e talentoso
Cordelista festejado
Cartunista premiado
Seu nome é D. Caviloso.

Antigamente, pra trás,
Diria Jota, o Batista,
Caviloso começava
Sua vida de artista
Se entretinha o dia inteiro
Com a filha de um bicheiro
Com ela limpava a vista.

Três banheiros existiam
Na casa dessa safada
Porém ela preferia
Tomar seu banho pelada
No cacimbão do quintal
E a higiene pessoal
Era muito demorada.

Primeiro ela esfregava
O sabonete na bunda
Coitado do Caviloso,
Por isso quase que afunda
Dizendo com muito gosto
Ela é bonita de rosto
E tem dotes de Raimunda!

O caviloso ficou
Com a audição apurada
Ouvindo a lapada d’água
Já saia em disparada
Depressa subia o muro
E ali, de prego duro,
Fazia boa caçada.

Caviloso se escondia
Por trás de uma bananeira
Que o pai dela cortou
Mas ele não fez besteira,
Ia muito preparado
E subia camuflado
Com um galho de goiabeira.

Mas era desconfortável
Por não se sentir seguro
Ele pegou um formão
E fez um pequeno furo
Por onde sempre espiava
Quando a dita se banhava
Peladinha lá no muro.

Feliz com a descoberta
Caviloso, adolescente,
Encontrou-se com um amigo
E deu com a língua no dente
Contou tudo que sabia
Descreveu tudo que via
Do modo mais indecente.

Nos diz a Bíblia Sagrada
Com sua sabedoria
Que é insensato o homem
Que noutro homem confia,
Um adágio sapiente...
Mas Caviloso, inocente,
Dessa máxima não sabia.

Aquele Amigo da Onça
Era muito presepeiro
No mesmo dia encontrou-se
Com o pai dela, um bicheiro
Sem ouvir apelo e rogo
Foi lá na banca de jogo
Levando a força o brecheiro.

Chegando lá foi dizendo
Este sujeito tão fraco
Vez por outra, no seu muro
Faz o papel de macaco
Sua filha vai se banhar
E ele corre pra botar
A cabeça no buraco!

O velho que ouvia mal
Se benzeu fazendo cruz
Pensando que era um palpite
Resolveu dar uma luz
Dizendo: - Não é macaco
Pois cabeça no buraco
Com certeza é AVESTRUZ!

Disse o Amigo da Onça:
- Deixe de ser apressado,
Eu disse que esse menino
Tem o olhar apurado
Enxerga até no escuro
Todo dia, no seu muro,
Ele vê o “bom guardado”.

Disse o velho: - Então já sei
Não precisa se vexar,
Quem tem olhar aguçado,
E enxerga em todo lugar
Sem apurar a retina
É uma ave de rapina
É ÁGUIA, pode jogar!

- Você não está entendendo,
Disse o “da Onça” num esturro,
Caviloso agoniado
Já estava marcando um murro,
O velho vendo esta cena
Disse: - Jogue sem ter pena
Pois com certeza é o BURRO!

- Burro é você, meu amigo,
Deixe de ser tão careta...
Esse rapaz sai voando
Para ver o “cara-preta”
Disse o velho se coçando
Se o menino sai voando
Na certa é a BORBOLETA!

Caviloso transtornado,
Disse: - Desse jeito eu morro
Você, meu melhor amigo,
Não trabalha em meu socorro
Largue de ser tão fuleiro,
Nisso falou o bicheiro:
- Melhor amigo é CACHORRO!

- Meu Deus, que velho teimoso,
Disse o “da Onça” ligeiro,
Que mente mais amarrada,
Vai teimar o dia inteiro...
Porém o velho era fogo
E só pensando no jogo
Disse: - Teimoso é CARNEIRO!

O Zé da Onça achou graça
Disse o velho: - Não se abra!
Nem venha com bodejado...
Diz da Onça: - Abracadabra!
Abre a mente desse velho
Juro pelo Evangelho
Que ele vai falar da CABRA!

- Seu Zé, a sua menina,
Toma banho nua em pelo,
Caviloso está corcunda
De ver esse desmantelo
Cobiçando aquela bunda...
Gritou o velho: - A corcunda
É o enfeite do CAMELO!

Zé da Onça respondeu
É triste a sua manobra,
Pensando em jogo de bicho
Não presta atenção na obra
E o Caviloso, indecente,
Fica alisando a serpente...
Disse o velho: - Vai dar COBRA!

Certo dia Caviloso,
Quando brechava no escuro
Com a cena que avistou
Quase derrubava o muro
Briga de aranha e COBRA
Caviloso viu de sobra
Espiando pelo furo...

Da Onça disse: - O coitado
Tá branco... já foi vermelho,
Está cheio de espinhas
Nem quer se olhar no espelho.
Disse o velho: - Ora mais esta,
Está escrito na testa
Do rapaz que dá COELHO!

Da Onça com a resposta
Do velho teve um abalo,
Disse: - Além da queda, coice!
É de um garanhão que falo...
O velho nada entendendo
Depressa foi respondendo:
- Pode jogar no CAVALO!

Da Onça então falou:
- Esse velho de mim zomba
Aonde é que eu estou
Que não dou na sua tromba,
Velho grosso, ignorante...
Disse o velho: - É ELEFANTE
Agora o banco se arromba!

O Zé da Onça sentiu
Na própria fala um entalo,
Mas disse: - De manhãzinha
O sujeito de quem falo,
Esse cabra sem futuro,
Sobe cantando em seu muro...
Disse o velho: - Vai dar GALO.

Zé da Onça retrucou:
Digo e tenho testemunha
Esse Caviloso é sonso
Dá unhada e esconde a unha...
Gritou o velho insensato:
- Com certeza vai dar GATO
Pode meter sua cunha!

Zé da Onça aborrecido
Já estava perdendo a fé
De revelar o segredo
Mas disse, num finca-pé,
- Agora vou contar tudo,
O Caviloso é queixudo...
Disse o velho: - É JACARÉ!

O delator insistia:
- Seu Zé, me preste atenção,
Senão fico furioso
Irado que só o cão...
Disse o bicheiro veloz:
- Um bicho assim tão feroz
Só pode ser o LEÃO!

Zé da Onça disse: - Agora
Vou tocar num ponto fraco,
Seu Zé isso é palhaçada
De quem gosta de tabaco
Espirra e não faz careta...
Diz o velho: - É uma peta,
Jogue tudo no MACACO!

O delator revoltado
Já queria se zangar,
Dizendo: - Essa porcaria
Eu preciso revelar...
Mas o velho interrompendo
Disse: - Agora estou sabendo
É PORCO,pode jogar!

- Seu Zé, agora me escute
E tire a prova dos nove,
Ele diz que o rabo dela
É muito lindo e comove,
Só pensa no tal rabão...
Responde o velho: - É PAVÃO
Pode jogar dezenove.

- Você fica só rodando
E não gasta o seu tutu...
Diz Zé da Onça: - Meu velho
Quem fica rodando é tu
Igual peru no Natal...
Responde o velho: - Afinal
Jogas pavão ou PERU?

Caviloso então falou:
- Querem arrancar meu couro?
Isso é coisa de chifrudo
Eu lasco o seu cabilouro...
O velho então respondeu:
- Belo palpite este seu,
Como é? Joga no TOURO?

Caviloso revoltado
Dizia pra seu “amigo”:
- Zé da Onça, cale a boca,
Você me bota em perigo!
Seu salto é traiçoeiro...
Responde o velho fagueiro:
É TIGRE, ouça o que eu digo!

Zé da Onça percebeu
Que não havia recurso,
Caviloso reclamava,
- Não escutem esse discurso,
Desse amigo tão falso...
Responde o velho no encalço:
- Amigo falso? Dá URSO!

O bafafá nesse instante
Se tornou mais inflamado,
Zé da Onça aborrecido,
Dizia: - Velho abestado,
Caviloso vai brechar
E é bom mesmo ele olhar
Prova que não é VEADO.

O velho não entendia
Pois tinha a memória fraca,
Caviloso já estava
Prestes a puxar a vaca
E Zé da Onça revendo
O caso saiu dizendo:
- Sua menina é uma VACA!

Zé da Onça retirou-se
Depois daquela porfia
Jogou dez contos na vaca
Porém não teve alegria
Quando rodou a roleta
Nem vaca, nem borboleta,
Deu foi ZEBRA, nesse dia!

A história chega ao fim
E assim terminou o jogo
V imos um vil delator
A lheio a apelo e rogo
L esar o seu próprio amigo
D epois comentar consigo:
O bicho é Cancão de Fogo.

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