quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Sobre Leandro Gomes de Barros

Arievaldo Viana

Desde ontem venho relendo "O trovador do Nordeste", coletânea de poemas lançada por Athayde em 1937, com o apoio do escritor Waldemar Valente.

Postei duas notas no meu fotolog: www.fotolog.terra.com.br/cordelnaescola

Uma sobre "O ESTUDANTE QUE SE VENDEU AO DIABO", escrita por Bráulio Tavares.
E uma outra sobre "O TROVADOR DO NORDESTE", escrita por mim e Marco Haurelio.

Por favor, dêem uma olhada.... VISITEM, E COMENTEM!

Eis o teor da segunda postagem...



Leandro x Athayde





É impossível ler "O TROVADOR DO NORDESTE", a antologia de poemas atribuídos a Athayde e lançada em 1937, com notas e comentários de Waldemar Valente, sem ficar chocado com a desfaçatez de ambos. Certamente usaram de má fé, pois Leandro havia falecido há menos de 20 anos e seu nome ainda era muito lembrado, apesar das tentativas de seu editor de varrer o seu nome do cenário. Para começo de conversa, o primeiro poema enfeixado nessa coletânea é justamente “O boi misterioso”, uma das obras mais famosas de Leandro, da qual ele fez uma edição inicial em quatro folhetos diferentes. Para começo de conversa, Athayde e seu colaborador suprimiram completamente o acróstico do “Boi Misterioso”. Nas edições em folheto, Athayde costumava adulterá-lo. Vejamos a versão original, publicada por Leandro:



Lá inda hoje se vê

Em noites de trovoadas

A vaca misteriosa

Naquelas duas estradas

Duas mulheres falando

Rangendo os dentes e chorando

Onde as cenas foram dadas.



Versão publicada por Athayde:



Inda hoje lá se vê

Em noites de trovoadas,

A vaca misteriosa

Naquelas duas estradas

Duas mulheres chorando

Onde as cenas foram dadas.



Foi coisa pensada, medida e bem calculada. Os defensores de Athayde costumam louvar seus pendores literários, afirmando que o mesmo era dado a leitura dos grandes poetas de seu tempo. Se ele tinha realmente essa intimidade com as letras e o mundo editorial, deveria saber muito bem que é crime publicar coisa alheia como sua... Na verdade, o que Athayde pretendia ao publicar “O trovador do Nordeste” era atrair para si os aplausos de folcloristas renomados como Gustavo Barroso, Câmara Cascudo, Leonardo Mota e outros, que publicaram ou citaram folhetos de Leandro sem lhe creditar autoria. Queria ocupar o posto de "primeiro sem segundo", que sempre pertencera a seu mestre. Às vezes, como a maioria dos pesquisadores, eu me sinto tentado a reabilitar Athayde, entender a sua posição, ressaltar a sua enorme importância para o mundo do cordel. Se não fosse por ele, certamente a literatura de folhetos não teria sobrevivido por tanto tempo e com a força que chegou aos nossos dias. Muitos dos clássicos atuais da poesia popular teriam se extraviado, se perdido na poeira do tempo, se não fossem as sucessivas e expressivas edições feitas pelo velho poeta-editor de Ingá do Bacamarte. Ele conhecia bem as regras do mercado editorial, soube manter e ampliar a rede de agentes criada por Leandro, soube dar oportunidade a novos autores, mas sempre agindo como os “amarelinhos” das histórias dos folhetos – o João Grilo, o Malazartes, o Cancão de Fogo. Sempre querendo levar vantagem sobre os demais. Por isso é que toda vez que leio o "Trovador do Nordeste" me convenço que Athayde jamais agiu dessa maneira por ingenuidade, desinformação ou desejo de preservar a sua “propriedade literária”. Para isso bastava colocar seu nome como Editor Proprietário, como sempre fez, mantendo o nome do autor e respeitando os acrósticos no final do poema. E começo a lembrar das suas declarações para Orígenes Lessa, publicadas no opúsculo “A voz dos poetas”. A entrevista de Athayde foi um verdadeiro festival de “patacoadas”. De lorotas que ele, de tanto repetir, parecia acreditar. Além de usurpador, Athayde me parece ter sido um mentiroso contumaz.



A esse respeito, acho oportuno reproduzir alguns comentários do poeta Marco Haurélio, um dos mais atilados pesquisadores da poesia popular na atualidade, postados no blog Cordel na Escola (www.fotolog.terra.com.br/cordelnaescola):



"Ouvi do veteraníssimo poeta e editor piauiense João Vicente da Silva á afirmação de que Delarme é o verdadeiro autor de O ESCRAVO GREGO. Aliás, ele se referia a Delarme como "um menino que trabalhava para Athayde". Hoje, sabe-se que O PRÍNCIPE OSCAR E A RAINHA DAS ÁGUAS, atribuído ao editor José Bernardo da Silva, é da lavra do - este sim - grande poeta Manoel Camilo dos Santos.


A antologia organizada por Mário Souto Maior para a Biblioteca de Cordel, da Hedra, é, de longe, a mais descuidada da coleção. O depoimento de Valdemar Valente é, para dizer o mínimo, insensato. Com provas capitais da autoria de Leandro existentes, ele insiste em atribuir a Athayde a paternidade destes títulos, sem qualquer critério que se apoie numa pesquisa séria.


Aliás, os folcloristas precisam abandonar o terreno da literatura de cordel, deixando-o para ser explorado pelos estudiosos da literatura. Os folcloristas deveriam se contentar em analisar as obras calcadas na tradição popular.


O falecido Mário Souto Maior, grande folclorista, sempre se equivocou quando se meteu a comentar a literatura de cordel. Mesmo Câmara Cascudo cometeu erros crassos, que seriam resolvidos com o acréscimo de uma nota de rodapé. "



E, prossegue o Marco Haurélio, em comentário posterior:



“A nota de Waldemar Valente é emblemática em mais de um sentido. Athayde, mesmo sabendo quem era o autor, apoiou e se beneficiou dessa contrafação.

O caso de adulteração do acróstico final nesta obra deixa mais clara a atitude condenável do poeta-editor. Átila Almeida defende o autor de A PÉROLA SAGRADA, sob a infundada alegação de proteção da propriedade literária. E que isso era prática comum. Pelo que vemos dos folhetos editados por Leandro e, depois por Pedro Batista, nas duas primeiras décadas do século XX, não era. João José da Silva, da Luzeiro do Norte, por exemplo, que manteve viva a tradição do cordel lançando novos autores e publicando outros consagrados, como Zé Camelo, apesar de omitir o nome do autor na capa e, algumas vezes, até no frontispício, mantinha o acróstico inalterado. A Guajarina de Belém do Pará conservava o nome do autor na capa, até mesmo nos cordéis pirateados (!).

A Luzeiro, a mais caluniada de todas as casas publicadoras, apesar de algumas omissões e deslizes, além da indicação da autoria na capa, inseriu os dados biográficos básicos.

Athayde foi um grande poeta. Tenho pedido ao Klévisson Viana (da Editora Tupynanquim) que reedite clássicos como A PÉROLA SAGRADA, O FANTASMA DO CASTELO e O SEGREDO DA PRINCESA, que não merecem o confinamento a que estão relegadas.

Mas, para o bem da nossa poesia popular, é preciso que os pesquisadores atuais comecem a tratar o cordel como manifestação literária, e não como uma criação folclórica, tendo por bases estudos pioneiros, interessantíssimos mas ultrapassados. Quando isso acontecer, parte da injustiça de que foram vítimas Leandro e outros poetas será reparada.”

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