sábado, 22 de outubro de 2022

A DITADURA TOGADA

                                                                                   


Barros Alves

Começo esse breve arrazoado com o óbvio ululante verbalizado em algum momento pelo incensado advogado e político brasileiro, Rui Barbosa: a ditadura mais odiosa é aquela exercida sob o pálio da toga.  Aliás, a rigor, todas as ditaduras são chanceladas por juristas irresponsáveis mancomunados com magistrados inescrupulosos e subservientes aos mandatários do poder. A ditadura essencialmente togada é a mais odiosa, exatamente porque aqueles que envergam a toga abandonam o simbolismo sacral dessa vestimenta que aponta para o dever de fazer justiça, e se jungem a interesses mesquinhos, particulares ou de grupos políticos aos quais estão, de alguma forma, atrelados.

Não podemos ser ingênuos no respeitante ao fato de que, sob a democracia, o mandato concedido pelo povo a um governante, também lhe dar o direito de nomear magistrados para as Cortes superiores, alinhados com uma ideologia ou programa de governo vitorioso na escolha popular. Tanto isto é verdade que o Supremo Tribunal Federal, no caso do Brasil, é constitucionalmente um tribunal jurídico-político e não puramente jurídico. Qualquer cidadão brasileiro em pleno gozo dos seus direitos, pode ser apresentado para ocupar uma cadeira no STF, obedecidos os trâmites legais. Todavia, o conteúdo político da escolha não pode, em hipótese alguma, ser pressuposto influenciador nas decisões do magistrado, que deve arrimar-se no Direito e na interpretação da Lei que leva imprescindivelmente à consecução da Justiça requerida.  Há, portanto, parâmetros constitucionais e éticos para a escolha, entre os quais assomam a honestidade e o notório saber jurídico. O que, para infelicidade do povo, desgraça geral do Poder Judiciário e negação da Justiça, nem sempre ocorre. A qualquer um que conheça o cenário jurídico-político brasileiro sabe que em nossa Suprema Corte tem personalidades com parco saber jurídico e alguns sobre os quais pesam grandes dúvidas em relação às posturas éticas.

Pietro Calamandrei, no clássico “Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado”, lembra que “para se tornar luminar fascista não era necessário conhecer direito (duvidava-se até de que alguns deles tivesse diploma regular). Chegava-se a essa celebridade por dois títulos: ou como alto dirigente do partido, tendo preferência os que se gabavam de façanhas sanguinárias ou que, pelo menos, tivessem uma cara feroz; ou como parente de algum ministro, de preferência do Ministro da Justiça.” No cenário dos países que adotaram o regime comunista a situação era bem mais tenebrosa, porque os magistrados, ainda que totalmente alinhados com a ideologia das ditaduras a que serviam subservientemente, eram obrigados a decidir de acordo com as conveniências do dirigente do Partido, com o fito de atender à vontade de algum líder comunista ou a normas circunstanciais emanadas do poder central, seguindo os parâmetros da “dialética política” a ditar a interpretação da lei, que mudava conforme o vento do humor do governante de plantão.

Não há como esquecer aqui, mutatis mutandis, que em nossa Suprema Corte há casos de nomeações questionáveis do ponto de vista das exigências constitucionais de notório saber jurídico. Um dos ministros, só ligeiramente alfabetizado, foi durante algum tempo advogado do Partido a que pertencia o presidente que o nomeou. Esse moço, militante partidário, esqueceu de estudar e, tendo se submetido a concurso para  juiz, não logrou êxito. Outro, defensor de criminosos que desrespeitam a Constituição ao invadir propriedades privadas, foi notório cabo eleitoral da presidente que ao seu tempo o nomeou para o STF. Outro há ainda que, não apenas defensor, mas militante político em defesa de um criminoso internacional que hoje paga pena de prisão perpétua no país de origem, tem um discurso na Academia e outro diametralmente oposto quando assentado numa cadeira no Supremo Tribunal Federal.

Esse ministro de duas caras, que agride a Constituição ao desmonetizar canais de mídia virtual operados por alinhados do governo, cassando liberdades; mas não age da mesma forma com opositores do governo, é o mesmo que na condição de professor, sobre liberdade de expressão assim se manifesta: “Como costumo afirmar, a liberdade de expressão não é garantia de verdade ou de justiça. Ela é uma garantia da democracia. Defender a liberdade de expressão pode significar ter de conviver com a injustiça e até mesmo com a inverdade. É o preço. Isso deve ser especialmente válido para os candidatos e políticos em geral. Quem não gosta de crítica, não deve ir para o espaço público.” (Luís Roberto Barroso em prefácio ao livro DIREITO ELEITORAL E LIBERDADE DE EXPRESSÃO, de Aline Osório. Editora Fórum. Belo Horizonte-MG, 2017, pág. 21).

Por pertinente, vale citar o apresentador da citada obra, Daniel Sarmento, advogado e professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ: “Em uma ordem jurídica que se pretenda democrática, a liberdade de expressão deve ter papel central na disciplina do processo eleitoral, viabilizando o mais amplo debate entre candidatos, forças políticas e sociedade, e propiciando acesso à maior gama possível de informações e pontos de vista aos eleitores e ao público em geral. Afinal, no núcleo duro da liberdade de expressão - direito de máxima estrutura em qualquer democracia constitucional -, se encontra o debate político, e é essencial que este seja especialmente dinâmico e robusto no contexto eleitoral.” O senhor Daniel Sarmento lembra ainda, com muita propriedade, o que hoje  tomou proporções verdadeiramente imorais em razão de decisões juridicamente  absurdas e moralmente inconsequentes adotadas pelo Ministro Alexandre de Morais, numa agressão sem precedentes ao que há de mais elementar numa democracia constitucional. Sarmento observa: “O que se vê no Brasil é o inverso: a legislação, a doutrina e a jurisprudência na área (eleitoral) praticamente ignoram a liberdade de expressão. Abundam as restrições normativas a essa liberdade, desprovidas de qualquer justificativa razoável, e os juízes eleitorais agem frequentemente como verdadeiros censores de toga.” E a autora do livro identifica: “A ampla e robusta proteção constitucional conferida à livre expressão de idéias e informações ainda não ganhou vida plena fora do papel.” É fácil afirmar que nos dias tenebrosos em que vivemos, essa liberdade que nos assegura a Constituição Cidadã está sendo usurpada de forma criminosa exatamente por quem mais deveria defendê-la.  

Por todo esse cerceamento da liberdade de expressão e de outras liberdades públicas, não apenas chancelado pela Suprema Corte em sede de provocação ou de recursos, mas por iniciativa do próprio STF, como é o caso do interminável e imoralíssimo “inquérito do fim do mundo”, não há a menor dúvida de que o Brasil já está sob uma ditadura da toga. Partidos, sobretudo os de esquerda, aplaudem a militância política de uma Corte que deveria ater-se às funções de guardar a Constituição da República. O medo, a covardia ou a evidente cumplicidade dá o tom em diversas instituições, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, que segue silente diante dos abusos cometidos pelo STF. As redes de comunicação de massa quedam genuflexas e acumpliciadas com o avanço da espada da Têmis brasileira, que a estas alturas já quebrou os pratos da balança que equilibra o sentido de Justiça. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, outro importante organismo da sociedade, se transformou em sindicato de bispos a serviço de interesses que passam longe dos valores historicamente pregados nos púlpitos da Igreja Católica. Doutrina e pastoral católicas sempre se posicionaram em favor da democracia e contra ideologias malsãs, que em nada se coadunam com as sagradas tradições evangélicas de fé e liberdade.  A CNBB, como outras instituições aparelhadas pela esquerda, agora ajoelha-se silente diante da ditadura da toga, não diante do altar da vida. Quanta pusilanimidade!!!

 

2 comentários:

  1. Excelente este artigo de Barros Alves. Retrata com fidelidade o momento crítico ora vivido pela Suprema Corte da Justiça brasileira,preenchida com alguns ministros altamente criticados e questionados pela maioria do povo.
    Triste a avaliação que a vjz do pivô faz do nosso STF...

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  2. Triste a avaliação que a vox populi faz do nosso povo*

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