Ivanildo Vilanova*
Radical se transforma em moderado
Se quiser jogar bem no outro time
Ou acopla-se aos moldes do regime
Ou por outra depois tu é cassado
Quando não, ele fica deslumbrado
Com mulheres, passeios e prazer,
Mordomia, jetom, luxo e lazer,
Tudo isso é efêmero, mas ilude,
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
O ministro, o prefeito, o deputado
Com direito a chofer e secretária,
Segurança, assessor, estagiária,
Gabinete com ar condicionado,
Vai lembrar-se do proletariado,
Com favela e cortiço pra viver?!
Ou será que não vai se aborrecer
Com esgoto, favela, mofo e grude?
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder
E o mártir que tem convicção
De arriscar sua vida, seu emprego,
A família, o futuro e o sossego
Por um povo, um projeto, uma nação.
Um Sandino tentou mas foi em vão,
Um Guevara esforçou-se por fazer,
Hoje em dia é difícil aparecer
Marighela, Lamarca ou Robin Hood.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
Que fará um sujeito agitador,
Bóia-fria, sem-terra, piqueteiro,
Camarada, comuna, companheiro,
Se um dia tornar-se senador?
Vindo até se eleger governador,
Qual será o seu novo proceder?
Vai mudar, vai mentir ou vai manter
As promessas que fez de forma rude?
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder
Quem tem honra, da mesma não se aparta,
É querer liberdade pra o Nordeste,
É Xanana Gusmão do Timor Leste
Enfrentando os exércitos de Jacarta,
Boutros Ghali primando pela Carta
Que o Pentágono queria prescrever,
É qualquer palestino a combater
Um Netanyahu ou um Ehud.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
No período que o adolescente
Quer mudar o planeta e o País
Através dos arroubos juvenis,
Vira líder, orador e dirigente.
Mas se um dia ele vira presidente
O que foi nunca mais poderá ser.
Aí diz que o remédio é esquecer
As loucuras que fez na juventude.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
Todo jovem a princípio é sectário,
Atuante grevista e condutor
Exaltado, anti-yankee, pregador,
Um perfeito revolucionário.
Cresce, casa, se torna secretário
E aí o que trata de fazer?
Leva logo a família a conhecer
Disneylândia, Washington e Hollywood.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
Quem vivia de luta e de vigília,
Invasão, pichamento e barricada,
Através disso aí fez uma escada
Pra chegar aos tapetes de Brasília,
Vai pensar no progresso da família
E o que faz pra do posto não descer.
Nunca falta quem queira se vender,
Sempre acha um covarde que lhe ajude.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
Dirigido não é o dirigente,
Dominante não é o dominado,
Se quem vive debaixo é revoltado
Quando sobe ele fica diferente.
Compreendo a fraqueza dessa gente
Submissa ao desejo de vencer,
Mordomias nunca mais quer perder,
Quem sou eu pra ser dono da virtude
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
Eu já vi muita gente amarelar
Por pressão, covardia ou por dinheiro.
Jornalista, cantor e violeiro,
Metalúrgico, político e militar.
Só Luís Carlos Prestes foi sem par,
Defendeu sua tese até morrer.
E Gregório Bezerra sem temer
Levou seus ideais ao ataúde.
Não conheço esquerdista que não mude
Quando pega nas rédeas do poder.
* Ivanildo Vilanova é advogado e poeta, considerado um dos maiores cantadores repentistas do Brasil. Publicou este poema crítico no CD "Improvisos do Brasil". Ele é o autor da letra de "Nordeste Independente", música gravada por Elba Ramalho, sucesso de público e de crítica.
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