terça-feira, 1 de setembro de 2009

Rodolfo Teófilo: Bom homem, mau escritor

Existem algumas personalidades literárias que, a seu tempo, desenvolveram ações além e acima da literatura que produziram, ensejando um justo reconhecimento por parte dos seus contemporâneos e dos seus pósteros, tendo sido merecedores de honra mais pelas atitudes morais e politicamente corretas que adotaram e menos pelas qualidades intelectuais porventura exalçadas. Tal é o caso de Rodolfo Marcos Teófilo, ainda que ao afirmarmos isto, estejamos na linha de tiro de um sem número de desinformados, que ainda hoje confundem a altivez do intimorato militante de causas sociais, com o medíocre escritor de romances e o sofrível poeta. De fato, para infelicidade da literatura, mas para gáudio dos biógrafos de Rodolfo, na confusão a que a crítica não se dispôs colocar um limite, a fama do homem bom, de caráter ilibado, misturou-se a do mau ficcionista, desse amálgama resultando para a posteridade o conceito insustentável de “o grande escritor Rodolfo Teófilo.”Filiado à corrente Naturalista da literatura brasileira, que “criou figuras convencionais com a sua preocupação falaciosa de fazer ciência”, (1) Rodolfo Teófilo escreveu algumas obras com essa feição, destacando-se “A Fome”, “Os Brilhantes”, “Maria Rita”, “O Paroara”, “O Conduru” e “O Reino de Kiato”. Nesses livros o mérito do autor reside sobretudo na denúncia dos mecanismos político-sociais de exploração, expressando a realidade com acurada lente de observação, a um tempo presidida pela frieza e pela revolta que leva ao exagero da imaginação e ao delírio inconseqüente. Os dramas coletivos, as vicissitudes pessoais, os malogros cotidianos de gente de carne e osso, que não pairam nos parâmetros imaginativos do romantismo, compõem os cenários e personagens de Rodolfo Teófilo, o que, efetivamente, o caracteriza como um ficcionista do Naturalismo.Em termos literários, porém, a obra do baiano-cearense não alcança boa nota entre os mais importantes críticos da literatura nacional. O desvelo pelo Ceará (nasceu por acaso na Bahia) e por seu povo foi o móvel para a escritura teofilana, aí incluídos “As Secas no Ceará”, e “História da Seca no Ceará” no ramo da historiografia; e na ficção o romance “A Fome', em que, “infelizmente faltou-lhe na alma o clarim do gênio das grandes crises humanas”. (2). Adolfo Caminha, o festejado romancista de “A Normalista”, não poupou críticas ao livro em apreço.Nas “Cartas Literárias” (1895), ao comentar “A Fome” ele ataca: “O que desde já vou afirmando é que o Sr. Teófilo pode ser um cidadão muitíssimo trabalhador, um ativíssimo fabricante de vinho de caju (que o é), incansável mesmo nos labores de sua profissão, extremamente amoroso para com a sua terra natal (sic), pode ter todas as qualidades de bom cidadão, mas em tempo algum conseguirá um lugar preeminente na literatura nacional. Falta-lhe certo quid , largueza de vista, orientação e bom gosto, predicados indispensáveis a quem se aventura nesse terreno.” E adiante, após esmiuçar o estilo frouxo, a fraqueza estilística e o pedantismo de linguagem do autor, Caminha constata o óbvio, ou seja, que Rodolfo, apesar do esforço, “não soube penetrar na alma do sertanejo, não soube perscrutar todo o segredo do coração dos simples.” (3)
Igualmente José de Alencar, que desconhecia os pampas e as coxilas, mas ousou escrever sobre o gaúcho, Rodolfo Teófilo escreveu “O Paroara” sem jamais ter posto os pés na Amazônia, o qual conta o drama do retirante João das Neves que abandona o Ceará premido pelas necessidades advindas com a seca de 1877. Segundo Massaud Moisés, “menos documental que as novelas precedentes, ‘O Paroara' ganha relevo em razão de Rodolfo Teófilo, não conhecendo de perto a mata amazônica, se vir compelido a desenhá-la com as tintas da fantasia; sucede, no entanto, que o resultado convence ainda menos, precisamente por lhe escassearem os dotes transfiguradores da imaginação.” (4) Por este livro, Rodolfo é acoimado ainda de desleixo verbal e de ter elaborado “um romance de linguagem incorreta, pobre, descolorida, pouco artística”, conforme entende José Veríssimo, o respeitado crítico autor da História da Literatura Brasileira. Rodrigues de Carvalho recebe “Maria Rita”, uma história romântica passada nos tempos coloniais, com má vontade, encontrando no romance, conforme lembra Wilson Martins, “...descuido de linguagem, despreocupação com o estilo e muita inverossimilhança na observação e análise.” (5) Aos estudantes de hoje, massa ignara, desatenta e preguiçosa onde assomam raríssimas exceções que não se acomodam aos discursos insuficientes dos compêndios escolares de literatura, cumpre observar que muitas figuras de ontem chegam até nós, no mais das vezes, fantasiadas com as tintas apologéticas do ufanismo e da mitomania literária que nos persegue. Mas, nem tudo que reluz é ouro. Rodolfo é um bom exemplo. Quem conhece sua obra sabe bem serem corretas as conceituações emitidas por Massaud Moisés, com as quais encerro este arrazoado. Segundo aquele renomado crítico e historiador da literatura, Rodolfo Teófilo por ser “falto de talento estilístico e imaginativo, revela-se, em suma, menos vocacionado para as Letras, que para a Historiografia, entendida como um híbrido de jornalismo, memória e ciência: um publicista, enfim. Apegou-se ao Naturalismo justamente por este navegar nas mesmas águas, e o resultado é antes documento da realidade cearense, da capital e do interior, e amazonense, que sua metamorfose estética.” (6) Eis o homem. Bom caráter, mau ficcionista. (BA)

NOTAS:
COUTINHO, Afrânio; e COUTINHO, Eduardo de Faria. A Literatura no Brasil. 3 a . Edição. Livraria José Olympio Editora/UFF, Rio de Janeiro, 1986. Vol 4, pág. 89.ARARIPE Júnior. Obra Crítica. Fundação Casa de Rui Barbosa/MEC. Rio de Janeiro, 1960. Vol. II, pág. 303. CAMINHA, Adolfo. Cartas Literárias. 2 a . Edição. Edições UFC. Fortaleza, 1999, págs. 114 e 116.MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Editora Cultrix, São Paulo, 1984, pág. 83.MARTINS, Wilson. Artigo: Rodolfo Teófilo. Jornal O GLOBO, Ed. 27.11.1999.
MOISÉS, Massaud. Op. Cit., pág. 84.

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