João Amazonas foi comandante-em-chefe do Partido Comunista do Brasil - PCdoB até a morte. No mundo comunista, como todos sabem, não existe alternância de poder. Mas, não é dos ditadores comunistas tupiniquins que quero falar.
Amazonas escreveu um longo e analítico artigo sobre social democracia, que foi publicado na Revista PRINCÍPIOS, órgão do PCdoB, edição nº 2, junho de 1981. Neste artigo, a última parte é a mais interessante, porque comporta verdades de incontestável atualidade. Amazonas fala do PT. Abaixo transcrevo o texto:
"Um partido não pode ser considerado operário simplesmente por sua composição social ou pela origem proletária de alguns de seus dirigentes, ou mesmo de todos eles. Nenhum partido é tão densamente constituído de operários como o Partido Trabalhista Inglês. E, todavia, não passa de um partido burguês. O que caracteriza socialmente qualquer partido é, acima de tudo, a sua ideologia e, também, a vinculação com a classe que representa, a par da predominância de elementos dessa classe em suas fileiras.
Ora, o Partido dos Trabalhadores não adota a ideologia do proletariado, ao contrário, a repudia. As idéias defendidas pelo seu principal dirigente, embora expressas numa linguagem obreirista, nada têm a ver com os interesses básicos da classe operária. Em essência, o PT é um partido tipicamente social-democrata.
Surge com a reorganização partidária promovida pela ditadura, que veda de forma categórica a legalização do Partido Comunista do Brasil e de outras forças de esquerda, admitindo, porém, a criação de um partido daquele tipo. É significativo o fato de que, na época, havia “empresários e gente do governo querendo criar um partido de trabalhadores”.
Seus antecedentes acham-se na poderosa greve de São Bernardo que mobilizou amplas massas operárias das indústrias automobilísticas, e teve larga repercussão em todo o país. Luiz Inácio da Silva dirigiu com êxito essa greve. De uma hora para outra destacou-se no cenário nacional, em particular, em São Paulo.
Estranhamente, viu-se incensado por governantes e pela burguesia. Delfim Netto disse: “Lula é a coisa mais maravilhosa que aconteceu nos últimos tempos”. Petrônio Portela, articulador da pretensa abertura de Figueiredo, recebeu-o e depois declarou: “a partir de hoje passarei a defender algumas das teses que você me trouxe”. Logo após, mereceu o “apoio de Dilermando”, general-comandante do II Exército. Ruy Mesquita, proprietário do Estadão e do Jornal da Tarde, órgãos de imprensa conservadora, falou na “castidade ideológica do Lula” e asseverou: “pela primeira vez na história do sindicalismo brasileiro surge um líder sindical em estado de pureza”.
Até março de 1978, Luiz Inácio faz questão de ressaltar ser apolítico e preferir “preparar a classe trabalhadora para saber optar”. Porém, não demora muito a se definir pela organização de um partido político, o chamado Partido dos Trabalhadores.
Quais idéias caracterizam a fisionomia do PT?
Elas encontram-se fragmentadas numa série de declarações de seu fundador. Declarações contraditórias e estapafúrdias, mas com um sentido real do que pensa e pretende esse líder sindicalista. Vão desde o economicismo estéril até os elogios (em geral) às Forças Armadas e a admiração da “disposição, força e dedicação” de Hitler.
“O Partido, para Luiz Inácio, não deve previamente definir sua feição ideológica”.
Embora afirme ser a proposta do PT “praticamente socialista” (singular proposta socialista!), defende “a livre iniciativa no campo econômico” que considera “a essência da democracia”. Segundo ele, “deve haver o direito de produzir e lucrar” e também o de “os trabalhadores exigirem sua participação em parte desses lucros”, dois direitos bastante desiguais porque um é o de explorar e, o outro, o de ser explorado (somente que com melhor remuneração). Propugna o “equilíbrio entre o capital e o trabalho” como requisito indispensável “à paz social”. Quer que os empresários nacionais “entendam que os trabalhadores não têm só que sobreviver, mas têm que comer bem para continuar produzindo e poderem dar até mais lucros para as empresas” (grifo meu). Tais idéias não vão além do liberalismo burguês. Porque o interesse do proletariado é acabar com a escravidão assalariada e não apenas reclamar melhores condições de vida. A “essência da democracia” não está na livre iniciativa, sobretudo na época dos monopólios, mas na natureza de classe do regime dominante. Quanto à paz social no sistema capitalista, outra coisa não é senão a colaboração de classes. A burguesia e o proletariado estão numa espécie de guerra permanente: uma, buscando aumentar a mais-valia, o lucro sempre maior, e o outro, resistindo à exploração. O meio termo não existe.
O Partido, para Luiz Inácio, não deve previamente definir sua feição ideológica. Que as massas, pela própria experiência, a definam... Depois de lançar um programa genérico, quer que elas mesmas descubram “se são ou não socialistas ou comunistas”. E o tipo de sociedade a construir terá de ser, segundo ele, delineado espontaneamente pelos trabalhadores. Estranho partido! Um partido sem norte, que vaga ao sabor dos acontecimentos. Um partido seguidista, oportunista. A definição ideológica e o plano de sociedade a edificar, num partido operário, são produtos de uma consciência socialista que não surge de maneira espontânea das relações entre patrões e operários. Sem consciência socialista, a classe operária não tem condições de formular seu projeto de libertação social. O Partido é o fator consciente do movimento operário. Parte inseparável das massas trabalhadoras e apoiado na teoria revolucionária, ele é que elabora as questões essenciais da luta de classes, que fixa as metas a alcançar, sendo a mais importante a derrocada do capitalismo e a construção do socialismo, sob a direção do proletariado.
No que respeita à ação, Luiz Inácio dá prioridade à luta econômica dos operários contra os empresários e o governo, colocando em segundo plano a ação política da qual depende, em boa parte, a solução dos problemas que afligem os trabalhadores. “Algumas pessoas – afirma – imaginam que deve haver a redemocratização para haver uma liberdade sindical, uma modificação na estrutura sindical brasileira”. E indaga: “Quem disse que primeiro não tem de haver a briga do trabalhador pela modificação da estrutura sindical, para haver a democratização?”. “Para nós – sublinha – democracia é liberdade sindical e a partir daí (...) alcançaremos uma democracia plena”. Chega ao ponto de considerar que o fim do AI-5 “não tem nenhum interesse para a classe trabalhadora”. Como se vê, são opiniões próprias dos “economicistas”, com ranço proudhonista, daqueles que não compreendem, ou não querem entender, o papel fundamental da luta de classes precisamente no campo político, onde se confrontam as diversas forças da sociedade, envolvendo o problema-chave do poder. Liberdade sindical no Brasil, pela qual se deve pugnar, é inseparável da conquista da liberdade política, sem a qual o proletariado não conseguirá libertar verdadeiramente suas organizações de massas da camisa-de-força do controle governamental e policial.
Em seu retorno ao país, após uma propagandeada excursão pela Europa e os Estados Unidos, no decorrer da qual encontrou-se com o que há de mais reacionário, anticomunista e oportunista, inclusive com os social-democratas alemães, Luiz Inácio revelou claramente as tendências políticas e ideológicas com as quais guarda afinidades. Seu ideal é a social-democracia. “Para mim – disse ele –, o sindicalismo alemão e o sueco são os que se aproximam daquilo que eu gostaria que existisse aqui”. (Um sindicalismo amarelo, reformista, de colaboração de classes...). Mereceu-lhe igualmente rasgados elogios o tristemente célebre Partido Comunista Italiano, do revisionismo de Berlinguer, “um partido democrático de massas, contando com milhões de filiados”. Deslumbrou-se também com o Partido Social-Democrata da Suécia. “No geral, fiquei com a impressão de que a linha do partido social-democrata sueco, de todos os que conheci, é a mais correta”. Enalteceu do mesmo modo o Partido Socialista Operário (social-democrata) da Espanha e seu dirigente Felipe Gonzales. “Eu acho que Gonzales será, junto com o PSOE, a grande figura da unidade da classe trabalhadora espanhola”. Na entrevista que concedeu na Itália a Pino Cimó, declarou-se simpatizante do “socialismo escandinavo que, penso, se denomina social-democrático”.
“(...) demonstra ser o PT (...) um partido reformista, da paz social...”
Tudo quanto ele disse demonstra ser o PT, que procura implantar-se na classe operária, um partido reformista, da paz social, um partido social-democrata, ainda temeroso de assumir abertamente sua verdadeira filiação ideológica. Seu objetivo principal, como o da social- democracia em toda parte, é desviar o proletariado da luta revolucionária, da luta pelo socialismo científico, impedir sua unidade e dificultar o avanço na formação da sua consciência de classe. Tenta fazer sombra ao PC do Brasil, cuja autenticidade é negada pela cúpula dirigente desse agrupamento pretensamente proletário.
É provável que Luiz Inácio, neófito em política, não tenha uma idéia clara dos fins que persegue a organização por ele fundada. Mas se não a tem, o mesmo não se pode dizer dos trotskistas, dos anticomunistas ferrenhos da Igreja, dos renegados do marxismo-leninismo que formam sua entourage, são seus assessores e companheiros de direção partidária. Estes sabem muito bem o que querem: estorvar o proletariado de se organizar com o fim de cumprir a sua missão histórica.
E que o PT serve, às mil maravilhas, a esse propósito, não há dúvida. Precisamente por isso, torna-se o ponto de encontro de todos os que, por reformismo ou anticomunismo, opõem-se aos verdadeiros ideais da classe operária, somente realizáveis sob a direção de um partido marxista-leninista, como comprova a experiência histórica.
Certamente, o PT e seu líder sofrem também perseguições, como os patriotas e democratas em geral, uma vez que ainda vivemos sob um regime arbitrário. Isso não nega, entretanto, o caráter daquela organização política, suas finalidades conciliador4as, seus intentos diversionistas na luta de classes. A crítica que se lhe faz é uma crítica de princípios, voltada em especial para o esclarecimento das massas laboriosas que procuram o caminho da emancipação.
As tentativas de criação de uma base social-democrática no país não é fenômeno casual. São sintomas de que amadurecem condições objetivas e subjetivas favoráveis à revolução, condições que se manifestam no aprofundamento e agravamento das contradições sociais, no rápido aumento dos efetivos da classe operária, na crescente subordinação do país ao capital estrangeiro e na existência de um Partido Comunista do Brasil, que rompeu com o oportunismo, possui experiência de luta e se orienta pela teoria do marxismo-leninismo. Justamente por isso, os elementos mais esclarecidos na burguesia e seus agentes (conscientes ou não) esforçam-se por criar e desenvolver organizações supostamente socialistas, que falem uma linguagem proletária e se apresentem como força de transformação social, a fim de entorpecer a consciência das massas, evitar o despertar político dos trabalhadores, já que estes, intuitivamente, conforme assinala Lênin, “tendem para a consciência como a planta tende para a luz”. Em última análise, é o reconhecimento da existência de possibilidades reais de as massas enveredarem pelo caminho da libertação. Daí o empenho em procurar desviar sua marcha redentora por meio do engodo.
Não é fatal, porém, que a social-democracia consiga implantar-se efetivamente, com êxito, no Brasil. Empunhando a bandeira social-democrática, o PC Brasileiro sofreu grave derrota política em 1964, convertendo-se de partido relativamente grande numa pequena organização; erguendo a bandeira da social-democracia alemã, o partido de Brizola viu minguar seu potencial de influência entre as massas; o PT, apesar de haver mobilizado algumas lideranças sindicais, não conseguiu até agora deitar raízes no proletariado, tem maior penetração entre os estudantes e a classe média em geral. Tudo isso indica que a social-democracia não consegue introduzir-se facilmente no país.
Será, porém, incorreto subestimá-la. O dano que poderá causar ao movimento operário não é pequeno. Impõe-se combatê-la, esclarecendo seus verdadeiros propósitos, artimanhas táticas e falso caráter proletário. Erradicando as tendências reformistas entre os trabalhadores e propagando as idéias revolucionárias do socialismo científico."
Todas as passagens aspeadas, com relação ao Partido dos Trabalhadores, que constam deste artigo foram retiradas do livro “Lula – Entrevistas e Discursos” e da entrevista de Luiz Inácio da Silva, publicada no jornal “Em Tempo”, de 12 a 24 de março de 1981.
* João Amazonas - Jornalista, constituinte de 1946, dirigente comunista.
EDIÇÃO 2, JUNHO, 1981, PÁGINAS 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12
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