Barros Alves
Em
1979, sob as bênçãos do meu Padim Ciço e o trabalho de “cabo eleitoral” empreendido pelo poeta
Carneiro Portela, fui eleito presidente do Clube dos Poetas Cearenses, com sede
na Casa de Juvenal Galeno, naquele tempo dirigida pela escritora Cândida Maria
Santiago Galeno. Solteirona carrancuda, mas de largo coração, tinha o apelido
carinhoso de Nenzinha. Ela e Alberto, seu irmão, nos acolhiam com imensa
lhaneza e muita paciência. Éramos tão jovens quanto barulhentos. O poeta
Carneiro Portela, já maduro nos anos vividos, foi um dos fundadores do Clube,
juntamente com Rembrandt Esmeraldo, Airton Monte, já falecidos, e outros jovens
poetas, a exemplo do hoje diplomata já aposentado, Márcio Catunda. Vindo do
interior, nem tão inocente, nem tão puro, nem tão besta, para lembrar a música
do Raul Seixas, meti-me no meio deles depois de participar de concurso de
poesia, cujo presidente da Mesa Julgadora era ninguém menos do que o poeta
Antônio Girão Barroso, luminar da Academia Cearense de Letras. A final foi no
Teatro de Arena da Credimus, então centro de artes localizado na Av. Santos
Dumont, nas proximidades da Av. Rui Barbosa, salvo engano. Recebi um mísero
quinto lugar e fui ao protesto. Queria o primeiro, claro. Girão Barroso, como a
repetir Mário Quintana,(1) disse-me em tom de conselho: “Todo poeta deve mesmo
ser insatisfeito.” A minha insatisfação levou-me à ousadia de disputar a
presidência do Clube dos Poetas Cearenses, poucos dias depois de ingressar na
entidade. O vulgo diria: “Este nem sabe se fica e já trouxe a rede.” O certo é
que fui eleito e reeleito.
Mas, vamos ao assunto que interessa e a que se refere o título em epígrafe.
Certa
feita Carneiro Portela mostrou-me um pequeno livro intitulado “Mistério CRISTO
Trindático – Amor” (Edição do CPC, 1971), cujos autores eram ele, Portela,
Élder Ximenes e Pádua Lima. Quando abri o livro tomei um susto. Nada havia
escrito. Todas as páginas estavam misteriosamente em branco, à exceção das seis
primeiras que traziam breves biografias e as fotos dos autores, encimadas pelos
nomes dos sacrílegos poetas. O PAI, Élder Belchior Ximenes; o FILHO, Antônio
Carneiro Portela; o ESPÍRITO, Pádua Lima. Desdenhei da ousada obra e dispensei
o presente, o que deixou o Portela agastado. Mas, não ao ponto de continuar me
apoiando na gestão daquela sociedade de poetas, fundada 10 anos antes.
Ironia do destino! Passados cerca de 35 anos eis que, em 2014, ao vasculhar um dos sebos de Fortaleza deparo com um exemplar do niilista “Mistério Trindático”. Sem titubear adquiro-o. E qual não foi minha surpresa ao folhear o livro! O exemplar que havia pertencido ao aplaudido trovador César Coelho, estava cheio de trovas em homenagem ao proprietário, escritas todas de próprio punho, datadas e assinadas pelos autores. Destarte, o livro que um dia rejeitei, retornou-me em exemplar único pela condição de raridade que lhe pode hoje ser atribuída. É, de fato, pelas circunstâncias referidas, exemplar ÚNICO.
Para
deleite dos leitores que tiveram a resiliência de chegar até aqui na leitura desta
crônica, transcrevo as trovas que seguem, deliciosas criações plenas de poesia
e de sentido filosófico.
Hildebrando
Sisnando escreveu em 14 de janeiro de 1972:
Em
mulher nova, bonita,
Tudo
assenta, tudo enfeita.
Com
um vestido de chita
Eu
já vi Vênus perfeita!
Quem
diz moço, diz loucura;
Quem
diz velho, sensatez.
Mas,
eu queria a esta altura,
Enlouquecer
outra vez.
Do
poeta Paulo Aragão é esta bela trova:
Há
uma data olvidada
No
calendário da vida:
Marca
o dia da chegada
Mas
não marca o da partida.
Ciro
Colares, o insuperável cronista, comparece como bom trovador nesta homenagem a
César Coelho:
A
tristeza mais dorida
Que
vi num rosto rolando,
Vinha sem luz e
sem vida
Do olhar de um
cego chorando.
O velho bardo Batista
Soares, meu companheiro de aperitivos, e do Alberto Galeno, sob o sapotizeiro
da Casa de Juvenal, depois das reuniões sabatinas, com sua reconhecida
inspiração trovadoresca, cantou:
Nossa amizade se
prova
De maneira
eficiente,
Nos limites
desta trova
Feita mais que
de repente.
Sou como os
cardos agrestes
Que tu vês pelos
caminhos.
Um riso só que
me emprestes
E eis-me a
florir dos espinhos.
Por final,
recolho entre as centenas encontradas na obra – repito - que se fez raríssima
porque única, a última trova que aqui ficará e que, a meu entender, é
antológica. Da lavra de Antônio Justa, esta trova tem duas singularidades,
quais sejam a de que não foi escrita à mão, mas datilografada em um pedacinho
de papel à parte que estava dentro do livro. Autografada pelo autor, foi
escrita no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1973.
Jesus! Eu quis,
mas não pude
Seguir teus
passos sagrados.
Porque me falta
virtude,
Porque me sobram
pecados!
PS: A propósito: alguém sabe por onde andam
os poetas Élder Ximenes e Pádua Lima?
(1) O poeta Mário Quintana escreveu: “Um poeta
satisfeito não vale nada.”
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