sexta-feira, 13 de outubro de 2017

HISTÓRIA DOS MEUS LIVROS - 1



                                                                  



Barros Alves

         Em 1979, sob as bênçãos do meu Padim Ciço e o trabalho de “cabo eleitoral” empreendido pelo poeta Carneiro Portela, fui eleito presidente do Clube dos Poetas Cearenses, com sede na Casa de Juvenal Galeno, naquele tempo dirigida pela escritora Cândida Maria Santiago Galeno. Solteirona carrancuda, mas de largo coração, tinha o apelido carinhoso de Nenzinha. Ela e Alberto, seu irmão, nos acolhiam com imensa lhaneza e muita paciência. Éramos tão jovens quanto barulhentos. O poeta Carneiro Portela, já maduro nos anos vividos, foi um dos fundadores do Clube, juntamente com Rembrandt Esmeraldo, Airton Monte, já falecidos, e outros jovens poetas, a exemplo do hoje diplomata já aposentado, Márcio Catunda. Vindo do interior, nem tão inocente, nem tão puro, nem tão besta, para lembrar a música do Raul Seixas, meti-me no meio deles depois de participar de concurso de poesia, cujo presidente da Mesa Julgadora era ninguém menos do que o poeta Antônio Girão Barroso, luminar da Academia Cearense de Letras. A final foi no Teatro de Arena da Credimus, então centro de artes localizado na Av. Santos Dumont, nas proximidades da Av. Rui Barbosa, salvo engano. Recebi um mísero quinto lugar e fui ao protesto. Queria o primeiro, claro. Girão Barroso, como a repetir Mário Quintana,(1) disse-me em tom de conselho: “Todo poeta deve mesmo ser insatisfeito.” A minha insatisfação levou-me à ousadia de disputar a presidência do Clube dos Poetas Cearenses, poucos dias depois de ingressar na entidade. O vulgo diria: “Este nem sabe se fica e já trouxe a rede.” O certo é que fui eleito e reeleito.



           Mas, vamos ao assunto que interessa e a que se refere o título em epígrafe.


         Certa feita Carneiro Portela mostrou-me um pequeno livro intitulado “Mistério CRISTO Trindático – Amor” (Edição do CPC, 1971), cujos autores eram ele, Portela, Élder Ximenes e Pádua Lima. Quando abri o livro tomei um susto. Nada havia escrito. Todas as páginas estavam misteriosamente em branco, à exceção das seis primeiras que traziam breves biografias e as fotos dos autores, encimadas pelos nomes dos sacrílegos poetas. O PAI, Élder Belchior Ximenes; o FILHO, Antônio Carneiro Portela; o ESPÍRITO, Pádua Lima. Desdenhei da ousada obra e dispensei o presente, o que deixou o Portela agastado. Mas, não ao ponto de continuar me apoiando na gestão daquela sociedade de poetas, fundada 10 anos antes.




  Ironia do destino! Passados cerca de 35 anos eis que, em 2014,  ao vasculhar um dos sebos de Fortaleza deparo com um exemplar do niilista “Mistério Trindático”. Sem titubear adquiro-o. E qual não foi minha surpresa ao folhear o livro! O exemplar que havia pertencido ao aplaudido trovador César Coelho, estava cheio de trovas em homenagem ao proprietário, escritas todas de próprio punho, datadas e assinadas pelos autores. Destarte, o livro que um dia rejeitei, retornou-me em exemplar único pela condição de raridade que lhe pode hoje ser atribuída. É, de fato, pelas circunstâncias referidas, exemplar ÚNICO.



            
         Para deleite dos leitores que tiveram a resiliência de chegar até aqui na leitura desta crônica, transcrevo as trovas que seguem, deliciosas criações plenas de poesia e de sentido filosófico.
         Hildebrando Sisnando escreveu em 14 de janeiro de 1972:

         Em mulher nova, bonita,
         Tudo assenta, tudo enfeita.
         Com um vestido de chita
         Eu já vi Vênus perfeita!

         Quem diz moço, diz loucura;
         Quem diz velho, sensatez.
         Mas, eu queria a esta altura,
         Enlouquecer outra vez.

         Do poeta Paulo Aragão é esta bela trova:

         Há uma data olvidada
         No calendário da vida:
         Marca o dia da chegada
         Mas não marca o da partida.

         Ciro Colares, o insuperável cronista, comparece como bom trovador nesta homenagem a César Coelho:

         A tristeza mais dorida
         Que vi num rosto rolando,
Vinha sem luz e sem vida
Do olhar de um cego chorando.

O velho bardo Batista Soares, meu companheiro de aperitivos, e do Alberto Galeno, sob o sapotizeiro da Casa de Juvenal, depois das reuniões sabatinas, com sua reconhecida inspiração trovadoresca, cantou:

Nossa amizade se prova
De maneira eficiente,
Nos limites desta trova
Feita mais que de repente.


Sou como os cardos agrestes
Que tu vês pelos caminhos.
Um riso só que me emprestes
E eis-me a florir dos espinhos.

Por final, recolho entre as centenas encontradas na obra – repito - que se fez raríssima porque única, a última trova que aqui ficará e que, a meu entender, é antológica. Da lavra de Antônio Justa, esta trova tem duas singularidades, quais sejam a de que não foi escrita à mão, mas datilografada em um pedacinho de papel à parte que estava dentro do livro. Autografada pelo autor, foi escrita no Rio de Janeiro em 11 de julho de 1973.

Jesus! Eu quis, mas não pude
Seguir teus passos sagrados.
Porque me falta virtude,
Porque me sobram pecados!

PS: A propósito: alguém sabe por onde andam os poetas Élder Ximenes e Pádua Lima?

(1)  O poeta Mário Quintana escreveu: “Um poeta satisfeito não vale nada.”










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