sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O PANFLETÁRIO FARIAS BRITO

                                                                     


Barros Alves

Conhecido no cenário intelectual brasileiro como o grande filósofo da nacionalidade, o cearense Farias Brito (1862-1917) lá dos tronos celestiais vê passar no olvido de seus conterrâneos o centenário de sua morte. Espírito brilhante e multifacetário foi, consoante autodefinição, “um indivíduo que encerra muitos homens dentro de si mesmo”, entre os quais contam-se “os violentos, apaixonados, quase agressivos”. Assim também tinha abrigo naquele “cabeça chata” de São Benedito, as personalidades sombrias, tempestuosas, sempre prontas para a luta e a revolução, a conviverem dramaticamente com a luminosidade de tantas outras faces que compuseram o grande filósofo,  o investigador do desconhecido e combatente do pensamento que legou à posteridade obra marcante e referencial nos estudos filosóficos de dicção lusófona. Em fins de 1916, Farias Brito logrou êxito em empreitada iniciada cinco anos antes, qual seja a publicação de uma revista de feição crítica, cujo primeiro e único número recebeu o icônico batismo de O PANFLETO. Crítica acerba, sátira violenta. Uma tempestade verbal saiu aos borbotões desse texto-diatribe marcado pela severidade de um homem ético tentando sobreviver numa sociedade mundana e hipócrita, para não dizer de outras mazelas que ele vergasta sem dó nem comiseração. Infelizmente, Farias Brito morreu dois meses depois de sair à lume o panfletária publicação. O PANFLETO, porém, cumpriu seu desiderato. Assestou suas baterias contra homens de letras, jornalistas e políticos, na visão dele, aquilo que hoje conceituaríamos como uma verdadeira organização criminosa, guardando-se as devidas e raras exceções, entre as quais não figura, por exemplo, nomes como Rui Barbosa, que dele merece boas estocadas. Por agora, conheçamos um pouco do que vai n’O PANFLETO sobre os literatos da época, imagem que não se distancia muito dos de hoje. “Dos nossos homens de letras não valia talvez a pena falar. Contudo é possível sair daí muita coisa interessante. Interessante e cômico(...) Homens de letras – eis uma raça que entre nós prolifera de uma maneira espantosa. Literatos temos de todo o tamanho e de todos os feitios. Alguns há que se apresentam em forma de ursos; outros de cobras, répteis ou víboras danadas. Alguns fazem a figura do jabuti; outros, a do cágado; e ainda outros a da lesma ou do porco.” Investe o filósofo contra a Academia Brasileira que não sabe se “de letras ou de tretas.” Reconhece ironicamente que o sodalício-mor da literatura nacional é um curral “que certamente não deve ser de bestas nem de vacas...”, e que “melhor se poderia chamar a Academia, para falar em linguagem menos zoológica, alojamento de pedantes e nulos, que nada valendo imaginam valer alguma coisa através daquela ficção já desfeita e completamente desmoralizada...” Farias Brito, de fato, não poupou viv’alma nessa publicação que dá bem uma ideia do seu inconformismo com o “status quo” intelectual da capital da república no limiar do século passado.

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