Barros
Alves
Conhecido no cenário intelectual
brasileiro como o grande filósofo da nacionalidade, o cearense Farias Brito
(1862-1917) lá dos tronos celestiais vê passar no olvido de seus conterrâneos o
centenário de sua morte. Espírito brilhante e multifacetário foi, consoante
autodefinição, “um indivíduo que encerra muitos homens dentro de si mesmo”,
entre os quais contam-se “os violentos, apaixonados, quase agressivos”. Assim
também tinha abrigo naquele “cabeça chata” de São Benedito, as personalidades sombrias,
tempestuosas, sempre prontas para a luta e a revolução, a conviverem
dramaticamente com a luminosidade de tantas outras faces que compuseram o
grande filósofo, o investigador do
desconhecido e combatente do pensamento que legou à posteridade obra marcante e
referencial nos estudos filosóficos de dicção lusófona. Em fins de 1916, Farias
Brito logrou êxito em empreitada iniciada cinco anos antes, qual seja a
publicação de uma revista de feição crítica, cujo primeiro e único número
recebeu o icônico batismo de O PANFLETO. Crítica acerba, sátira violenta. Uma tempestade
verbal saiu aos borbotões desse texto-diatribe marcado pela severidade de um
homem ético tentando sobreviver numa sociedade mundana e hipócrita, para não
dizer de outras mazelas que ele vergasta sem dó nem comiseração. Infelizmente,
Farias Brito morreu dois meses depois de sair à lume o panfletária publicação.
O PANFLETO, porém, cumpriu seu desiderato. Assestou suas baterias contra homens
de letras, jornalistas e políticos, na visão dele, aquilo que hoje
conceituaríamos como uma verdadeira organização criminosa, guardando-se as
devidas e raras exceções, entre as quais não figura, por exemplo, nomes como
Rui Barbosa, que dele merece boas estocadas. Por agora, conheçamos um pouco do
que vai n’O PANFLETO sobre os literatos da época, imagem que não se distancia
muito dos de hoje. “Dos nossos homens de letras não valia talvez a pena falar. Contudo
é possível sair daí muita coisa interessante. Interessante e cômico(...) Homens
de letras – eis uma raça que entre nós prolifera de uma maneira espantosa.
Literatos temos de todo o tamanho e de todos os feitios. Alguns há que se
apresentam em forma de ursos; outros de cobras, répteis ou víboras danadas.
Alguns fazem a figura do jabuti; outros, a do cágado; e ainda outros a da lesma
ou do porco.” Investe o filósofo contra a Academia Brasileira que não sabe se “de
letras ou de tretas.” Reconhece ironicamente que o sodalício-mor da literatura
nacional é um curral “que certamente não deve ser de bestas nem de vacas...”, e
que “melhor se poderia chamar a Academia, para falar em linguagem menos
zoológica, alojamento de pedantes e nulos, que nada valendo imaginam valer
alguma coisa através daquela ficção já desfeita e completamente desmoralizada...”
Farias Brito, de fato, não poupou viv’alma nessa publicação que dá bem uma ideia
do seu inconformismo com o “status quo” intelectual da capital da república no
limiar do século passado.
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