O geógrafo Aziz Ab'Saber atribui à natureza sua parcela de culpa nas tragédias, mas não esquece a responsabilidade dos governantes:
- Agora, não adianta o governador dizer: 'foi a chuva que ocasionou isso'. Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e atravessou o ano inteiro de 2010 e só vai terminar depois dos meados de março.
Desses 42 dias de chuva, a maioria deles intensificou o já caótico trânsito da metrópole, alagou ruas e interditou túneis. Ab'Saber critica a falta de planejamento das obras: "Os dois túneis que a ex-prefeita Marta Suplicy (PT) aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo de (Paulo) Maluf (PP), sem qualquer previsão de impacto".
Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Ab'Saber estuda geografia há 68 anos e é considerado um dos principais nomes em atividade do país. Ele concedeu entrevista à "Terra Magazine"
Leia os principais trechos da entrevista:
Terra Magazine - Nesta terça, 2, choveu pelo 42º dia seguido na cidade de São Paulo. No Estado e na sua caputal, tem ocorrido deslizamentos, enchentes, mortes, alagamentos...
Aziz Ab'Saber - Temos problema em toda a parte do Estado de São Paulo, tanto em Atibaia por causa das represas, quanto em São Paulo, por causa das ruas e das beiradas do rio Tietê, é um ano em que as fortes chuvas em função delas atingirem setores não urbanizados, como é o caso das represas, então nós estamos em período muito triste.
Os governantes estão culpando as chuvas, que realmente não tem dado trégua, mas dá para culpar somente a natureza em um caso como esse?
A natureza é culpada por causa do El Niño, é um ano anômalo, isso não tenha dúvida. Agora, não adianta o governador dizer: "foi a chuva que ocasionou isso". Ele tem que saber que há um período que vem desde dezembro de 2009 e atravessou o ano inteiro de 2010 e só vai terminar depois dos meados de março, estamos em um verão anômalo devido a periodicidade climática. No passado já houve algumas grandes chuvas e alagamentos, mas eram muito menores os danos, porque as cidades cresceram muito de um modo não só caótico, mas desigual. Alguns lugares têm escoamento bom e outros não têm. Um rio como o Pirajussara, tem trechos que são de canais, depois tem trechos de encarceramento, depois de encarceramentos muito fracos e depois outras obras, etc. Então o crescimento da cidade foi extensivo e diversificado, com grandes problemas quando vêm períodos de chuva forte.
Um exemplo é o buraco da Avenida Nove de julho, que abriu outra vez...
Há córregos importantes que formam o rio Tamanduateí, um deles onde está a Avenida 23 de maio e o outro a Avenida Nove de julho tem uma predição de escoar tudo que cai dos setores mais altos dessas avenidas. No caso do Pacaembu fez-se aquele piscinão e conseguiu-se resolver o problema, mas no caso desses dois não. Não dá pra fazer um piscinão na frente do túnel da nove de julho, não dá. E o resultado é que quando chove entra por baixo dos canais da avenida e aflora em alguns lugares por excesso de escoamento.
Cada local tem a sua especificidade e necessita de estudos específicos. Os dois túneis que a Marta Suplicy aprovou no fim de seu governo, para dizer que fez obras, no mesmo estilo do Maluf, sem qualquer previsão de impacto. E agora esse ano, que foi um ano anômalo, a situação tornou-se grave.
Houve também a queda de encosta na rodovia Presidente Dutra...
Nos locais de terra vermelha que é um solo fofo, em alguns lugares onde o talude não foi bem estabilizado, as grandes chuvas entram por dentro do solo e acontecem os deslizamentos em função das chuvas e da declividade dos taludes (NR: talude é o plano inclinado que limita um aterro. Tem como função garantir a estabilidade do aterro).
O nível de água nos reservatórios do Estado também tem preocupado...
As represas que tentaram retirar água das encostas da Mantiqueira Ocidental e de outras serras deixaram terrenos baixos e menos alagados, a população foi entrando nessas faixas e os governantes deixaram. E agora essas populações tão ameaçadas pelo excesso de água dessas represas, o caso de Atibaia, por exemplo, é seriíssimo, a população estava tão desesperada que ela entrou nesses vales na frente da barragem e nunca se lembrou que a barragem podia arrebentar.
As áreas ao redor do rio Tietê tem sido cada vez mais impermeabilizadas, o Governo do Estado diz que a contrapartida das árvores retiradas da Marginal Tietê são as árvores que estão sendo plantadas ou re-plantadas nos parques lineares.
Isso não adianta nada. Isso serve para eles dizerem que eles estão trabalhando. Isso vai ter importância se houver grandes chuvas rio acima, mas as massas de água vêm de rio acima.
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