quinta-feira, 27 de novembro de 2025
MOMBAÇA, HOMÉRICO POEMA - Por Barros Alves
domingo, 23 de novembro de 2025
"A Igrejinha do Monte" - Por Barros Alves
"Um novo ciclo para as Letras, as Artes e a Memória de Canindé" - Por Barros Alves
Canindé, terra marcada pela fé, pela cultura popular e pela força simbólica de São Francisco das Chagas, assiste, neste momento, ao renascer de uma de suas mais significativas instituições culturais: a Academia Canindeense de Letras, Artes e Memória – ACLAME. Depois de um período de previdente pausa, motivada pela pandemia e agravada pela perda irreparável de alguns de seus líderes e fundadores, a entidade retorna vigorosa, renovada em seus quadros e em seu propósito. É mais do que uma retomada: é um ato de resistência cultural, de compromisso com a cidade e de afirmação do valor da memória. Também uma homenagem ao idealizador e um dos fundadores da Arcádia e primeiro presidente, o jornalista, radialista e escritor Tonico Marreiro.
Os "aclamados" passaram cerca de 7 anos inativos, mas agora novamente a postos, darão prosseguimento aos trabalhos em defesa da cultura da terra de São Francisco das Chagas; terra de nomes exponenciais da nossa literatura, como é o caso de Cruz Filho, segundo Príncipe dos Poetas Cearenses; e de Jósa Magalhães, médico, folclorista e escritor de nomeada. À reunião compareceram importantes nomes do cenário cultural de Canindé: Chico Walter, Ana Célia Gomes, Xico Luiz, Ana Claudia Crisóstomo, Chico Carloto, Sargento Freitas, Pedro Paulo Paulino, Jota Batista, Itami de Moraes, Augusto Cesar Magalhães, Graça Secundino, Vera Secundino, Celso Góis Almeida, Arlando Marques e Marlúcia Freitas. Sinto-me deveras honrado em integrar esse seleto grupo e de ter sido convidado para a reabertura do sodalício, que será dirigido pela professora, pesquisadora e escritora Ana Célia Gomes.
A ACLAME sempre se destacou pela amplitude de seu ideal. Ela nasceu para celebrar as letras, acolher as artes em suas múltiplas expressões e preservar o vasto patrimônio histórico-cultural de um município singular. Canindé não é apenas uma cidade do interior cearense; é um dos grandes centros espirituais do Brasil, reconhecido internacionalmente como o segundo mais importante santuário franciscano, só atrás de Assis, na Itália. Aqui, a devoção a São Francisco das Chagas molda a identidade local, inspira a religiosidade nordestina e atrai, todos os anos, milhares de romeiros que carregam consigo histórias, esperanças e tradições.
Nesse contexto, a presença ativa de uma academia como a ACLAME é fundamental. Ela funciona como guardiã da memória e promotora da criação; como ponte entre o passado e o futuro; como espaço de circulação de saberes e valorização dos talentos locais. Sua atuação contribui para que a cultura não se torne apenas um ornamento, mas continue a ser um fundamento vivo da sociedade canindeense.
O retorno da ACLAME, agora com novos membros, amplia horizontes. O ingresso de novas vozes, novas sensibilidades e novas energias permite que a instituição se fortaleça e se adapte aos desafios contemporâneos sem perder o vínculo com seus princípios originais. É símbolo de continuidade, mas também de reinvenção. Cada cadeira ocupada representa a responsabilidade de manter acesa a chama da intelectualidade e da memória coletiva, tão necessárias num tempo em que o efêmero ameaça obscurecer o que é perene.
Saudar o ressurgimento da ACLAME é, portanto, saudar Canindé em sua totalidade: sua história, sua arte, sua religiosidade, sua vocação para acolher e preservar. É celebrar o retorno de um espaço que faz da palavra instrumento de construção, da arte veículo de identidade e da memória um patrimônio que pertence a todos.
Que este novo ciclo seja fecundo.
Que a ACLAME continue a honrar seus mestres e a inspirar seus novos membros.
E que Canindé, sob o olhar fraterno e as bênçãos de São Francisco das Chagas, veja florescer, mais uma vez, a força criadora de seu povo.
"Sonetos para São Francisco das Chagas de Canindé" - Por Barros Alves
No templo santo se ergue a fé candente.
Francisco, acolhedor, olha o romeiro
Que vem de longe fiado no Cordeiro
E traz no peito a dor de um ser carente.
Em Canindé, contrito e reverente
Vê em Francisco o abrigo derradeiro,
Aflito, aquele pobre caminheiro,
Busca no Santo a luz resplandecente.
"Ex votos" falam mudos da esperança
De graças alcançadas na bonança
Que o Santo bom inspira ao interceder.
E o coração feliz, enfim, descansa,
Pois sente a fé trazer-lhe a confiança
No Amor de Deus que aponta o renascer.
São Francisco das Chagas de Canindé - II
Pobrezinho de Assis, luz peregrina,
Que em Canindé resplende em devoção,
Atrais romeiros das urbes, do sertão,
Cheios de imensa fé que não declina.
De toda a parte a estrada se ilumina.
Passos simples, munidos de oração;
No teu altar, em súplice gratidão,
Milhares rogam pela Luz divina.
"Ex votos" narram dores superadas,
Milagres que em silêncio foram dados,
Gestos de graça em Cristo recebidos.
E tu, Francisco, em chagas consagrado,
Acolhes corações tão humilhados,
Fazendo o céu tocar os desvalidos.
São Francisco das Chagas - III
Francisco, caminheiro peregrino
Que carrega no peito mil paixões,
Paladino dos pobres. Nordestino
Que distribui amor pelos sertões.
Ouve os queixumes dessas multidões
De prófugos famintos sem destino...
No doce olhar profundas emoções,
Sentimentos de santo e de divino.
Andarilho de Deus, santo e poeta,
Lembra o Cristo, o maior dos galileus,
Um rebelde de Amor, alma inquieta...
Se fôssemos cristãos menos ateus
Cumpriríamos de Francisco a meta:
Amar ao outro como se ama a Deus!
quinta-feira, 20 de novembro de 2025
Cordel e Negritude sob o olhar do jornalista Alberto Perdigão - Por Barros Alves
Hoje, 20 de novembro, comemora-se no Brasil o Dia da Consciência Negra. A data carrega pertinência para que tratemos do assunto em área pouco explorada, qual seja a análise crítico-literária de aspectos da literatura de cordel. Em face disto é que trago à baila este breve comentário sobre livro de autoria do jornalista Alberto Perdigão, uma coletânea de artigos subordinados ao título de “Pretas e Pretos na Literatura de Cordel.” De logo, deixo claro ao leitor que eu e o autor da obra estamos politicamente em lados diametralmente opostos. O mesmo, quero crer, não ocorre quanto às nossas visões estéticas da literatura, em especial da literatura de cordel, uma das mais belas e importantes manifestações do cancioneiro popular nordestino, que herdamos das nossas raízes ibéricas. Por necessário, no caso dessa apreciação de obra da lavra do competente jornalista, vale salientar o alinhamento que tenho com o pensamento de Tristão de Athayde quanto à crítica literária, que noutro pé e sobre outro tema escreveu frase que contém verdade universal: “A verdadeira atitude religiosa exige do crítico, acima de tudo, o respeito pela verdade. Não a ‘verdade’ revelada por Deus, pois esta nada tem com as qualidades ou defeitos da literatura a ser avaliada. Mas, a verdade revelada pela própria obra e por seu autor.”
A literatura de cordel, tantas vezes vista apenas como folclore, ganha nova luz no livro “Pretas e Pretos na Literatura de Cordel”, de Alberto Perdigão. Nessa coletânea de ensaios breves, o jornalista e pesquisador cearense reconstrói a presença histórica da negritude no cordel e demonstra como o folheto pode atuar enquanto mídia popular de resistência, memória e afirmação identitária. A obra, que dialoga com conceitos da descolonialidade e da folkcomunicação, amplia significativamente o entendimento do cordel como instrumento político. Perdigão parte de uma premissa ousada: o cordel não é apenas poesia narrativa, mas também um meio de comunicação alternativo capaz de expressar vozes historicamente silenciadas. A análise desconstrói a ideia de que o cordel seria, por essência, reprodutor de estereótipos raciais. Pelo contrário, o autor evidencia uma tradição de folhetos que exaltam personagens negras, denunciam violências e reinterpretam episódios como escravidão, abolição e lutas contemporâneas.
Cada capítulo funciona como um estudo independente, mas todos convergem para uma tese comum: a de que o cordel é um veículo privilegiado para narrar a experiência negra sob a perspectiva popular. A combinação entre análise textual, contextualização histórica e referenciais teóricos contemporâneos dá ao livro densidade acadêmica e Método rigoroso, sem perder o vínculo com a linguagem e as práticas da cultura do cordel.
Como toda obra de recorte temático, a seleção de folhetos pode privilegiar exemplos que reforçam a tese central. Há ainda o desafio de transpor a complexidade teórica da descolonialidade para o universo dos cordelistas tradicionais, que nem sempre dialogam com a academia. Mesmo assim, a obra se sustenta pelo vigor das análises e pela contribuição inédita ao campo da comunicação popular e dos estudos raciais.
Ao sistematizar a presença negra no cordel, Perdigão não apenas ilumina uma dimensão pouco estudada dessa tradição literária, como também oferece material valioso para professores, pesquisadores e poetas populares. O livro sugere que o cordel, divulgado e vendido nas feiras, nas praças, nas escolas, nas redes, em seminários e exposições acadêmicas, continua sendo um espaço vivo de disputa simbólica e construção de cidadania.
Um dos méritos mais significativos da obra de Perdigão é a defesa do cordel como fonte histórica e documental. Ao analisar folhetos escritos por poetas de diferentes épocas, o autor mostra que o cordel registra, à sua maneira, os sentimentos coletivos de comunidades negras que nem sempre aparecem nas versões oficiais da história. Nos folhetos sobre a escravidão, por exemplo, é possível identificar tanto as dores quanto as estratégias de resistência presentes nas narrativas populares. Esse caráter documental coloca a literatura de cordel lado a lado com outras formas de arquivo da memória negra, como músicas, oralidades, crônicas e tradições religiosas; mas com um diferencial: a circulação ampla, barata e imediata dos folhetos. Assim, o cordel funciona como um “jornal do povo”, sensível às questões raciais muito antes de elas se tornarem pauta das grandes redações. Perdigão destaca que personagens como rainhas africanas, guerreiros, líderes quilombolas e heroínas de matriz afro-brasileira estão presentes em muitos folhetos. Essa presença, ainda que reduzida diante da imensidão da produção cordelística, é simbólica: ela reequilibra imaginários e contribui para a construção de orgulho identitário. Ao tratar dessas personagens, o autor evidencia a capacidade do cordel de ressignificar papéis sociais. Em vez de reproduzir a visão eurocêntrica predominante em parte do cordel clássico, ele mostra como muitos poetas populares reelaboraram a história, devolvendo protagonismo às figuras negras e atribuindo-lhes dignidade e grandeza.
Outro ponto forte do livro é sua utilidade prática no campo educacional. Em tempos em que a discussão sobre educação antirracista ganha força, especialmente a partir da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira pela Lei 10.639/03, a obra de Perdigão oferece material abundante para escolas, professores e gestores culturais. Os folhetos analisados trazem histórias acessíveis, linguagem popular e forte apelo visual, elementos que favorecem o diálogo com estudantes. Ao mesmo tempo, a leitura crítica proposta pelo autor permite que educadores utilizem o cordel como instrumento pedagógico para tratar racismo estrutural, identidade, memória e resistência.
Um dos aspectos mais instigantes do livro é a ponte que Perdigão estabelece entre o mundo acadêmico e o universo popular. O cordel, muitas vezes relegado a um folclorismo superficial, é tratado aqui como objeto sério de estudo, sem que isso reduza sua espontaneidade. A pesquisa rigorosa convive com o reconhecimento da oralidade, da sabedoria popular e do improviso dos poetas. Esse equilíbrio, nem sempre presente na crítica acadêmica, reforça a credibilidade do autor e amplia o alcance da obra, que pode ser lida tanto por pesquisadores quanto por cordelistas, jornalistas, agentes comunitários e leitores interessados na cultura brasileira. É fácil constatar a leveza da escritura jornalística no texto de Perdigão, que para o bem do leitor, se desveste da estéril linguagem academicista.
A maior contribuição de “Pretas e Pretos na Literatura de Cordel” talvez seja sua capacidade de abrir caminhos. A obra sugere novos recortes temáticos, novas formas de leitura e novos campos de pesquisa. Ao demonstrar que a negritude está viva e atuante dentro do cordel, Perdigão convida outros estudiosos a investigar gênero, religiosidade, política, direitos humanos, economia e até questões ambientais por meio dos folhetos. Além disso, o livro encoraja poetas e editoras de cordel a explorarem com mais força temas ligados à identidade negra, favorecendo a produção contemporânea e fortalecendo discursos de pertencimento. Apesar de tratar de temas densos, tais como racismo, descolonialidade, entre outros, Perdigão escreve com clareza jornalística. Ele evita jargões desnecessários e conduz o leitor com didatismo, mesmo quando o assunto exige aprofundamento teórico. O texto é direto, sem perder a elegância; firme, sem perder a sensibilidade. A opção pela estrutura em artigos independentes permite diversidade de abordagens, mas também dá ritmo ao livro: cada capítulo abre uma nova janela para temas que vão da representação de heroínas negras à análise de folhetos que narram a violação de direitos humanos. A maturidade intelectual do autor se revela justamente nessa capacidade de fazer pontes: entre poesia e política, entre o popular e o acadêmico, entre tradição e contemporaneidade.
Num momento em que o cordel experimenta revitalização, impulsionado por coletivos, feiras culturais, editais e pelo acesso digital, o livro de Perdigão chega como obra de referência. Ele responde a uma demanda contemporânea, qual seja a de compreender como a cultura popular aborda questões raciais num país ainda marcado pelo racismo estrutural. A crescente presença de mulheres cordelistas, poetas negros, jovens autores e coletivos periféricos demonstra que o cordel está se diversificando. A obra de Perdigão contribui para isso ao oferecer legitimidade acadêmica e visibilidade crítica a essa produção. Hoje, quando se fala em cordel e negritude, a obra de Alberto Perdigão já se coloca como referência obrigatória, tanto para pesquisadores quanto para militantes do movimento negro e para poetas populares. “Pretas e Pretos na Literatura de Cordel” é, em última instância, um gesto de coragem intelectual e de reparação cultural. Ao iluminar um território onde por séculos a presença negra foi decisiva, mas nem sempre reconhecida, Alberto Perdigão devolve ao cordel a inteireza de sua própria história. Seu livro recorda que nenhuma tradição popular é neutra, mas todas carregam disputas, silêncios e heranças profundas. Perdigão desnaturaliza estereótipos, amplia horizontes críticos e demonstra que o cordel, quando visto sem véus, é também espaço de afirmação, dignidade e memória. Trata-se de obra que não apenas enriquece os estudos sobre a cultura nordestina, mas também convoca leitores, pesquisadores e poetas a revisitarem o passado com honestidade e a alimentarem, no presente, uma tradição mais justa, plural e fiel às vozes que a construíram. Enfim, “Pretas e Pretos na Literatura de Cordel” é um livro necessário para quem deseja compreender não apenas o cordel, mas o próprio Brasil que pulsa nas ruas e no coração do povo. E confirma Alberto Perdigão como uma das vozes mais importantes da pesquisa sobre cordel na atualidade.









