Há poemas que se erguem como retratos da alma. Este, de Barros Alves, é mais que autorretrato — é confissão e espelho. Em “Eu”, o poeta se dá inteiro, na contradição que o humaniza: tempestade e bonança, fé e dúvida, carne e verbo.
Como em Ortega y Gasset, cuja epígrafe anuncia o tom filosófico — “Yo soy yo y mi circunstancia” —, o autor não descreve o homem abstrato, mas o homem concreto, aquele que se constrói entre as forças opostas do viver. É, pois, um poema de síntese existencial: nele, cada verso é um espelho partido que reflete a unidade do ser.
A musicalidade clássica das rimas e a cadência dos quartetos revelam o domínio da forma, mas o que se impõe é a densidade do conteúdo: um lirismo de ideias, uma poesia que pensa. O poeta, em seu equilíbrio de opostos, alcança o que poucos conseguem — a harmonia do conflito.
No fecho, a grande lição: “Sou guerrilheiro de muitas militâncias, / porém não sou revolucionário. / Eu sou somente as minhas circunstâncias.” Eis o verso que encerra a luta de todo homem sensível — não a de mudar o mundo à força, mas a de compreendê-lo, na plenitude das próprias contradições.
Barros Alves, brilhante poeta e polímata, com a serenidade dos que sabem e a lucidez dos que sentem, lega neste poema, em chave filosófica com Gasset, esta verdade perene: o homem é feito das suas tempestades, mas é nas bonanças que se reconhece.
*Sousa Nunes é presidente da Academia Cearense da Língua Portuguesa.
O belo soneto de Alves busca a infindável definição do "ser" (verbo), do ser (nome) em eterna construção e incompletude e finitude (ou infinitude). Já a leitura analítica de Nunes é uma obra à parte. Senhor da mais esmerada e profunda capacidade de perscrutar as palavras. Para mim, o Crítico Literário mais sensível, profícuo e preparado da atualidade.
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