O São João de Maracanaú transformou-se, nas últimas duas décadas, numa das festas juninas mais importantes do Nordeste e quiçá do país. O que nasceu como um festival de quadrilhas municipais ganhou escala, público e uma infraestrutura própria, até conquistar epítetos grandiosos de marketing como “Maior São João de Arena” ou “Maior São João do Planeta”, inscrevendo Maracanaú no calendário turístico e cultural do Ceará e do Brasil. Em face dessa constatação inequívoca, a Assembleia Legislativa do Ceará, atendendo requerimento de autoria do deputado Firmo Camurça, subscrito pelos colegas parlamentares Júlio César Filho, Heitor Férrer e Sargento Reginauro, realizará na tarde de hoje, sessão solene para prestar homenagem a personalidades que ao longo da história contribuíram para o crescimento dessa manifestação folclórica, a mais popular do ciclo junino e que conserva aspectos da religiosidade do povo.
Conheço bem o desenvolvimento dos festejos juninos em Maracanaú, pois fui assessor para assuntos de Cultura na segunda administração do prefeito Júlio César Costa Lima, que determinou apoio total aos grupos protagonistas das festas de São João, o que, de fato, contribuiu decisivamente para a sustentabilidade e o consequente progresso das manifestações folclóricas juninas, em especial as quadrilhas. Escrevi um pequeno livro sobre o assunto: FESTEJOS JOANINOS E OUTRAS FESTAS JUNINAS, no qual abordo as origens das festas de São João, com as suas belas danças de quadrilhas juninas e, sobretudo, a festa dedicada a Santo Antônio do Pitaguary, em que se sobressai a lenda de Santo Antônio do Buraco. Registro os começos dessas manifestações que, efetivamente, ganharam corpo e alma, transformando-se em um evento de grandes dimensões, ao qual comparecem milhares de pessoas não apenas de Maracanaú ou do Ceará, mas de várias partes do Brasil. É certo que tenho críticas técnicas a fazer quanto à essência das quadrilhas juninas em face de deletérias influências modernosas, que não cabem aqui ser discutidas.
As raízes do festejo joanino em Maracanaú estão nas competições de quadrilhas e nas manifestações populares em louvor a São João, tradições enraizadas na religiosidade e na cultura nordestina. Desde que Maracanaú foi emancipada, logo nos anos iniciais a Prefeitura apoiava festivais municipais de quadrilhas. Em 1997 houve tentativa de descentralização, com apresentação de grupos em vários distritos. A iniciativa não vingou. A partir de 2005 uma reformulação administrativa, com mudança de local e aposta em grandes atrações, teve início uma nova fase que prosperou e o São João ganhou shows com cantores de renome nacional, uma cidade cenográfica, quadrilhódromo e programas culturais mais amplos.
Nos anos recentes a festa foi novamente ampliada com a construção e uso do Parque de Eventos, uma grande infraestrutura permanente, com grande área para shows, quadrilhas e agrados populares, o que permitiu também a ampliação cronológica da programação, com atividades culturais diversificadas, ligadas à cultura à cultura nordestina; e maior segurança logística. Em 2025 o evento celebrou 20 anos da sua configuração atual, com dezenas de festivais de quadrilha, feiras de artesanato e concurso internacional de literatura de cordel, além de uma extensa grade de shows.
Embora hoje o São João de Maracanaú seja muito conhecido pelos grandes shows e pela dimensão de arena, a festa continua profundamente marcada pela religiosidade popular. Novenas, missas, romarias, bênçãos e rituais do ciclo dos santos juninos (Santo Antônio, São João e São Pedro) fazem parte da rotina festiva nas comunidades e nas igrejas do município, sobretudo, como dito, a festa de Santo Antônio. Essa presença religiosa mantém o caráter devocional da celebração, não só como entretenimento, mas como prática coletiva de fé que legitima e dá sentido às manifestações folclóricas.
O São João de Maracanaú é também um palco de salvaguarda cultural. Festivais de quadrilhas infantis, de adultos e da terceira idade, apresentações de forró pé de serra, repentistas, violeiros, literatura de cordel, circo popular, artesanato e culinária típica compõem um rico repertório de expressões tradicionais. A “cidade cenográfica”, réplica lúdica de espaços rurais e urbanos nordestinos, funciona como laboratório de memória cultural, onde dança, música, comidas e ofícios populares são exibidos e transmitidos às novas gerações. Essa combinação ajuda a preservar saberes locais e a difundir o folclore para visitantes de outros estados.
Para Maracanaú, o São João deixou de ser apenas festa. Constitui um exercício profícuo de política pública e motor econômico: movimenta o comércio, gera empregos temporários, aquece a hotelaria e atrai investimentos. Relatos das edições recentes registram públicos em centenas de milhares por noite e projeções de milhões de visitantes ao longo do mês junino, consolidando o evento como instrumento de desenvolvimento municipal e promoção turística regional.
No Nordeste existe um panteão de “capitais juninas”: Campina Grande (PB) e Caruaru (PE) tradicionalmente disputam os títulos de “maior São João do Mundo”; Mossoró, em menor escala, também é referência. Maracanaú, no entanto, passou a se posicionar como potência própria, homenageando explicitamente esses polos em suas edições e afirmando ambições de concorrer com eles por público e projeção nacional. Jornais e coberturas especializadas passaram a comparar Maracanaú com Campina Grande e outros grandes eventos, ressaltando que as dimensões de público, estrutura e diversidade cultural já colocam Maracanaú entre as festas juninas mais expressivas do Brasil. Essa rivalidade é, em grande parte, construída na arena simbólica (quem atrai mais público, quem tem mais quadrilhas, quem tem maior programação artística), mas ela também evidencia o fortalecimento de Maracanaú como centro cultural junino.
Como qualquer grande evento popular, o São João de Maracanaú enfrenta desafios: manutenção de infraestrutura, segurança pública, sustentabilidade dos impactos ambientais, inclusão social, como garantir espaço e retorno para grupos locais; e equilíbrio entre shows pagos e programação popular gratuita. A consolidação do Parque de Eventos e o apoio institucional ampliado mostram capacidade de gestão, mas também exigem planejamento contínuo para garantir que o crescimento não dilua as raízes culturais e devocionais que tornam a festa autêntica.
Sem dúvida, o São João de Maracanaú é hoje uma síntese exemplar do que o festejo junino pode ser: devoção religiosa, celebração comunitária, palco de preservação folclórica e vetor de desenvolvimento local. Ao ampliar concursos de quadrilha, manter espaços para manifestações tradicionais e investir em infraestrutura, Maracanaú preserva e projeta sua identidade cultural ao mesmo tempo em que disputa, com legitimidade, um lugar ao lado dos grandes polos juninos do país, como Campina Grande. Para moradores e visitantes, o resultado é uma experiência que reafirma a vitalidade do Nordeste e a força da cultura popular brasileira.
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