Tenho em mãos uma relíquia. Velha edição de uma obra extraordinária: O DRAMA DA EUROPA, que foi “best seller” ao tempo em que veio à lume nos Estados Unidos (1936) e em outros países, como o Brasil, onde a Editora Globo publicou a obra traduzida por Gilberto Miranda, 600 páginas, logo que o livro foi publicado. A edição que tenho é a segunda, de 1941. John Gunther, o autor, era experiente jornalista a serviço do Chicago Daily News. Observador percuciente e investigativo, produziu uma das melhores obras jornalísticas e históricas sobre o continente europeu no período entre as duas guerras mundiais. Ele traça um perfil realista dos líderes da época e do próprio povo dos países da Europa que protagonizaram a Segunda Guerra Mundial, em especial Alemanha e Itália. Trata-se de um relato analítico e profético, pois o autor farejou o desastre em que iria mergulhar a Europa.
Gunther descreve com notável precisão a ascensão do fascismo, do nazismo e do comunismo, a crise das democracias liberais e o colapso do sistema de Versailles. Ele percebeu com clareza que o nazismo não era um fenômeno passageiro. Descreveu Hitler como um líder carismático, disciplinado e implacável, com um projeto de dominação continental, que encantou o povo alemão, o qual se tornou “os carrascos voluntários de Hitler”, no dizer de outro autor. Advertiu que a Europa “estava dormindo enquanto a Alemanha se armava”, e que o rearmamento alemão seria inevitavelmente seguido pela guerra. Descreveu Mussolini como teatral, vaidoso e ideologicamente incoerente, mais movido pelo desejo de poder do que por uma doutrina sólida. Acreditava, com razão, que o fascismo italiano não teria a mesma força militar ou ideológica da Alemanha e que Mussolini acabaria sendo arrastado por Hitler. Gunther via a URSS como uma potência temida, mas ainda isolada, concentrada em purgas internas e sem condições imediatas de projetar poder militar fora de suas fronteiras. Estava no início da década de 1930 e ele não acreditava que o tirano Stalin pudesse, num futuro próximo, enfrentar a Alemanha numa guerra total. No início, parecia que ele estava certo. Já era 1939 quando Stalin assinou o Pacto Molotov-Ribbentrop, aliança com Hitler. Mas, a partir de 1941, com a invasão alemã, a URSS tornou-se adversária do nazismo, reerguendo-se com o decisivo apoio material dos demais países aliados, em especial dos EUA.
Gunther constatou que a França e Inglaterra eram nações civilizações fatigadas, moralmente divididas e politicamente indecisas. E nas matérias que escrevia criticava duramente a política de apaziguamento, especialmente da Inglaterra, e previa que tal hesitação levaria a um desastre. Ele mostrou em análise extraordinariamente lúcida uma França e uma Inglaterra hesitantes, enquanto Hitler era cada vez mais ousado. A França foi invadida e subjugada por Hitler e o Reino Unido só reagiu sob o comando de Churchill. “O Drama da Europa” é um testemunho premonitório. Gunther não apenas relatou o que via, mas sentiu o colapso moral da Europa moderna em face dos totalitarismos, em especial a ditadura comunista que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial.
Vale uma reflexão em face desse excerto do livro: “Os alemães, por exemplo, afirmam não serem eles que lutam por Hitler, e sim Hitler que luta por eles; Mussolini não quer o poder para seu gozo, crêem muitos italianos, mas sim para o bem da Itália” (pág. 46). Mutatis mutandis, qualquer semelhança com certas lideranças que governam o Brasil, não é mera coincidência. Os ditadores se repetem. Como farsa ou como tragédia. Com o perdão da paródia do pensamento de Karl Marx sobre a repetição da história.
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