domingo, 12 de outubro de 2025

“Em torno de uma biografia” – Por Paulo Elpídio de Menezes Neto

                                                                               

 

A memória ou biografia, assim seja, tornou-se um gênero "literário" de risco considerável. Para quem a escreve e para os que a leem.

Associado a um empreendimento contratado com um "ghost writer", assume a condição de procuração passada para uma devassa na vida de alguém. Em alguns casos, sob a proteção de regras combinadas sob contrato. Em outros, sob confiança celebrada entre as partes. Ou por impulso acadêmico de extrair o que a história oficial omitiu.

A construção da "memória" de um biografado resulta, em geral, de uma intenção generosa. ainda que esta não seja a regra. Em alguns casos, traz consigo o propósito da celebração de qualidades reconhecidas ou pretendidas "reconhecíveis". No mais das vezes, será propósito acadêmico de conotação biográfica para a reconstituição de uma época ou de feitos notórios e a formulação de crítica idônea e segura. Ou para o esclarecimento de incertezas e dúvidas perdidas ou mal construídas na memória coletiva.

Como tarefa de busca e conhecimento de fatos e circunstâncias, haverá de valer-se, entretanto, de fontes seguras, de assentamentos documentais primários reconhecidos e de depoimentos confiáveis.

Preferências pessoais, simpatias ou reservas dissimuladas não devem interferir na construção do personagem e do julgamento da sua obra. Menos ainda haveria de dar-se acolhida a inclinações políticas e ideológicas que pusessem sob suspeita indevida os fatos reais em favor de uma versão mal fixada.

Neste caso, quando o objeto de trabalho e pesquisa é uma instituição pública, impõem-se cuidado e correção para a apreensão do cenário, dos personagens e do seu entorno histórico que lhes dão sentido e relevo.

Em muitos casos, a imagem do objeto ou da pessoa biografada passará a ser reconhecida como decorrência de "insights" cujo tratamento não poderá confundir-se com um viés de jornalismo ligeiro ou de ficção improvisada. Os entes biografados - pessoas ou instituições - têm vida própria cujo tratamento exige respeito e cuidados, sobretudo quando se tornam objeto de crítica do biógrafo.

Martins Filho, Cândido Albuquerque e outros figurantes desta obra editada pela UFC, por contrato passado com um jornalista consagrado pela produção prolífica no campo da memória histórica, não foram tratados com a circunspecção devida.

O caricato e o anedótico tiraram da sua passagem pela UFC o brilho que mostraram como gestores e formuladores de ideias e de projetos que marcaram a maior das instituições criadas e desenvolvidas no Ceará. Ao professor Cândido Albuquerque as omissões e descuidos no repasse de registros essenciais emprestaram decisões e inquinações contestadas publicamente, ademais de omissões que silenciaram projetos e medidas administrativas significativas, do ponto de vista da gestão e de inovações no plano acadêmico, da ciência e da pesquisa.

De minha parte, não pretendo reivindicar tratamento indulgente para os registros que me foram dispensados.

Marquei a minha gestão, como reitor, pelo fomento à cooperação internacional, com instituições universitárias de proteção incontestada na Europa e com os Estados Unidos. O suporte financeiro para a expansão física e de equipamentos avançados   foi negociado com fontes internacionais de financiamento. Em meio a restrições à liberdade acadêmica de que a UFC foi objeto de ação permanente de controle político, projetos culturais - palestras, debates e seminários sobre temas delicados - não sofreram descontinuidade. Estas iniciativas foram em verdade fortalecidas com o “Fórum de Educação e Cultura”, o “Jornal de Cultura”, as “Edições UFC”, e a “Rádio Universitária FM”. A “Universidade Brasileira em Questão” foi tema de Seminário Internacional com a participação de especialistas brasileiros e estrangeiros.

Tirei minha carta de pedágio pelos caminhos incertos de um país sob vigilância autoritária e passei pelo teste a que foi submetida a universidade brasileira e a UFC, sob o jugo dos órgãos de segurança e informação e da pratica generalizada da delação espontânea por muitos dos que desfraldam, agora, as bandeiras suspeitas de uma democracia “relativa”, demasiadamente “relativa”.

*Paulo Elpídio de Menezes Neto é professor, escritor e ex-reitor da Universidade Federal do Ceará - UFC. 

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