Arievaldo Viana
O poeta Leandro Gomes de Barros, considerado o pioneiro na publicação de folhetos rimados aqui no Brasil, aproveitou-se de muitos temas correntes, alguns deles seculares, geralmente compostos em quadras, que circulavam de forma manuscrita pelo Nordeste, para deleite dos folcloristas da época, que raramente se preocupavam em apurar sua origem para saber a autoria. Um caso evidente dessa afirmativa é o folheto “O soldado Jogador” que já existia em quadras com o título de “Obra de Ricarte”.
No livro “Cancioneiro do Norte”, do folclorista paraibano Rodrigues de Carvalho (1867 - 1935) aparece uma versão em quadras da história do Soldado Jogador intitulada “Obra de Ricarte” (do arquivo de João Carneiro Monteiro) que, seguramente foi escrita quando Dom Pedro I ainda reinava no Brasil e seu irmão D. Miguel reinava em Portugal, após usurpar o trono de sua sobrinha Maria da Glória. Esse livro é possivelmente a primeira obra sobre folclore brasileiro impresso fora do Rio de Janeiro (foi ao prelo em 1903, na Typografia Minerva, em Fortaleza-CE). Referido poema é composto de 65 quadras e apresenta evidência dessa afirmativa na estrofe de número 55:
“Se pego num Rei de Paus
Me aparecem dois reis,
D. Pedro, rei do Brasil
D. Miguel, rei Português.”
A versão do Soldado Jogador, escrita por Leandro data das primeiras década do século XX. O exemplar mais antigo que se encontra preservado apresenta o seguinte endereço: Rua do Motocolombó, 28, Bairro de Afogados, Recife-PE. Até 1906 Leandro residia em Jaboatão. A partir deste ano fixa moradia no Recife, inicialmente no Beco do Sousa, mudando-se posteriormente para a rua que aparece na capa desta publicação. O folheto de 16 páginas, foi impresso na Tipografia Mendes, Rua das Laranjeiras e dele existe cópia preservada no acervo da Casa de Rui Barbosa. Isto significa dizer que Leandro transpôs para as sextilhas e atualizou uma obra que já deveria ter mais de setenta anos de existência. É lógico que a versão de Leandro é muito mais rica e interessante. Ele só aproveitou o tema e deu o seu toque pessoal. O mesmo aconteceu com a “Cantiga do Vilela” que também foi recriada a partir de quadras por Chagas Batista e, possivelmente, também por Leandro. É que a versão que chegou aos nossos dias continua sendo atribuída a João Martins de Athayde, embora existam controvérsias.
É possível que a versão em quadras nunca tenha sido publicada em folheto, dela circulando apenas cópias manuscritas como esta que pertencia ao acervo de João Carneiro Monteiro e foi gentilmente cedida a Rodrigues de Carvalho, para enfeixá-la no seu “Cancioneiro do Norte”. É uma pena que o jovem folclorista (estava com 36 anos no ano de lançamento de sua obra) não tenha feito qualquer comentário a essa obra-prima da pré-história da Literatura de Cordel no Brasil. Vejamos como começa a versão em quadras:
“Havia um soldado em França
Chamado ele Ricarte,
Que vivia no baralho,
Nele achava a melhor arte.
Chamava o sargento à igreja
Para a missa vir ouvir;
Ele pegava no baralho
E se punha a divertir.”
Versão de Leandro, em sextilhas, extraída do folheto acima mencionado, impresso na Typografia Mendes:
“Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bolço (sic)
O resultado da arte.
Os franceses nesse tempo
Tinham por obrigação,
O militar, o civil,
Seguir a religião
O papa deitava (sic) a lei
Botava em circulação.”
Nesta mesma obra de Rodrigues Carvalho, encontramos outra variante do poema, com apenas 19 quadras, recolhida no Ceará, intitulada “O Baralho”. Como se vê, o reaproveitamento de temas, ainda hoje freqüente na poesia popular é um costume que vem desde os primórdios da chamada Literatura de Cordel.
Veja também em http://fotolog.terra.com.br/acorda_cordel:191
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