segunda-feira, 12 de setembro de 2022

COMO SE FAZ UM SANTO

                                                                                

                                                                            


Barros Alves

 Quando a Igreja anunciou oficialmente a beatificação da Menina Benigna, que a religiosidade popular venera na Cidade de Santana do Cariri, houve certo estranhamento por parte de muitos quanto à precedência dessa decisão vaticana em relação ao Padre Cícero Romão Batista, cuja história de santidade remonta ao final do século XVIII. Benigna nasceu em 1928 quando Padre Cícero já estava no final da vida e já gozava da auréola de santidade. Mesmo tendo sido punido – injustamente, penso eu – pelos superiores o velho prelado já gozava da convivia com a devoção popular a incensá-lo. A morte do taumaturgo em 1934 só contribuiu para aumentar as romarias à terra que ele evangelizou durante dezenas de anos e onde foi protagonista, juntamente com a “beata” Maria de Araújo, do tão polêmico quanto famoso “Milagre da Hóstia”. A história de Benigna é bem diferente e tem ares de martírio em nome da fidelidade a valores cristãos como a castidade. Assassinada por um tal de Raul Alves, que o assediou antes de cometer o hediondo crime por não ter merecido a atenção da jovem cristã que preferiu morrer a entregar sua virgindade ao criminoso. Logo depois da morte de Benigna começaram a ocorrer eventos de intercessão em favor daqueles que apelavam para a menina-mártir. Em outubro vindouro, depois do processo de praxe, Benigna será considerada beata pela Igreja, o penúltimo passo para alcançar a formal santidade, segundo os cânones católicos. Eu penso que o anúncio da abertura do processo de beatificação do Padre Cícero, nosso venerado Padim Pade Ciço do Juazeiro, se dá, para além dos seus méritos e virtudes cristãs, por uma ação de política eclesiástica em que o Vaticano atentou para o fato de que a imensa multidão de devotos não compreenderia o porquê da menina Benigna ser beatificada antes do Meu Padim. A abertura do processo de beatificação do Padre Cícero é acertada porque justa e necessária, posto que a Igreja sempre se deu bem em todos os aspectos com as romarias a um santo do povo que a Igreja não reconhecia canonicamente.

Todavia, há que se ponderar que o tempo de Deus não é o tempo dos homens. Há tempo para tudo debaixo do sol, diz o Pregador. Diz com propriedade Kenneth L. Woodward em obra que trata desse tema, que “a canonização é como o Prêmio Nobel: ninguém sabe, de fato, porque um candidato é escolhido em detrimento de outros, e quem – afora o Papa – faz a escolha.” Trata-se, é mister lembrar, de um processo formal, de uma escolha depois de longa e rigorosa investigação da vida de uma pessoa que tem o nome postulado para se tornar santo. Há muitas pessoas que são verdadeiramente santos sem que seja reconhecida como tal, até porque esse reconhecimento é exclusivo da Igreja Católica. Woodward explica com pertinente analogia: “Mesmo entre os católicos romanos o processo de fazer santos parece tão demorado e misterioso quanto à formação de uma pérola ou de uma estrela no firmamento.” Lembra esse autor que o trabalho investigativo é realizado por um grupo restrito de especialistas, que sequer ocupam posições de mando na hierarquia vaticana e a Congregação para a Causa dos Santos não está incluída entre os dicastérios que detêm poder no Vaticano, de modo que “seus funcionários não governam a Igreja, não formulam política externa, não determinam a ortodoxia da doutrina, não selecionam bispos nem disciplinam o clero. E, todavia, seu trabalho é a única atividade que, na opinião deles pelo menos, exige o exercício do poder mais temeroso do chefe da Igreja e que só ele tem: a infalibilidade papal.” Em questões de fé, claro.

A Igreja exige, em face de processo aberto pela Congregação para a Causa dos Santos, que seja confirmado pelo menos um milagre do potencial beato. Depois outro milagre para o processo de canonização. Essa caminhada pode ser curta como pode ser longa, levando centenas de anos para o reconhecimento de um santo. Todavia, para apressar a definição de um santo, o Papa pode fazer concessões como fez em relação à aos Papas Paulo VI, João XXIII e João Paulo II, que alcançaram a glória dos altares sem que necessário fosse a realização dos procedimentos de praxe.  Assim como nos processos civis, nos canônicos existem aqueles que advogam a causa do postulador (Avocatus Dei) e aqueles que atuam como o promotor de acusação (Avocatus Diaboli). No Vaticano tudo é feito sem pressa, com firmeza, segurança, determinação e fé. Os erros ou senões que porventura forem detectados a posteriori são colocados na conta da falibilidade humana.

Podemos ler no site do Vaticano as informações, que transcrevo abaixo, a respeito dos caminhos por onde segue um processo de beatificação e/ou de canonização, normatizado há centenas de anos, a partir da Constituição “Immensa Aeterni Dei”, do dia 22 de Janeiro de 1588, quando o Papa Sixto V criou a Sagrada Congregação dos Ritos e lhe confiou a tarefa de regular o exercício do culto divino e de estudar as causas dos santos. Paulo VI, com a Constituição Apostólica “Sacra Rituum Congregatio”, editada em 8 de Maio de 1969, dividiu a Congregação dos Ritos, criando assim duas Congregações, uma para o Culto Divino e outra para as Causas dos Santos. Com a mesma Constituição de 1969, a nova Congregação para as Causas dos Santos teve a sua própria estrutura, ficando organizada em três departamentos: o Judicial, o do Promotor Geral da Fé e o histórico-jurídico, que é a continuação da Secção Histórica criada pelo Papa Pio XI, no dia 6 de Fevereiro de 1930. A Constituição Apostólica “Divinus perfectionis magister” do dia 25 de Janeiro de 1983 e as respectivas “Normae servandae in inquisitionibus ab episcopis faciendis in causis sanctorum” do dia 7 de Fevereiro de 1983, deram lugar a uma profunda reforma no procedimento das causas de canonização e a reestruturação da Congregação, dotando-a de um Colégio de Relatores, encarregado de cuidar da preparação das “Positiones super vita et virtutibus (ou super martyrio)” dos Servos de Deus. João Paulo II, com a Constituição Apostólica “Pastor Bonus”, de 28 de Junho de 1988, mudou a denominação para Congregação para as Causas dos Santos. Unido ao Dicastério encontra-se o “Studium”, instituído no dia 2 de Junho de 1984, cujo objetivo é a formação dos Postuladores e dos que colaboram com a Congregação, como também daqueles que exercitam os diferentes ofícios perante as cúrias diocesanas para o estudo das Causas dos Santos. O “Studium” tem além disso a tarefa de cuidar da atualização do “Index ac Status Causarum”. A Congregação prepara a cada ano tudo o necessário para que o Papa possa propor novos exemplos de santidade. Depois de aprovar os resultados sobre os milagres, martírio e virtudes heróicas de vários Servos de Deus, o Santo Padre procede uma série de canonizações e delegará a celebração das beatificações.”

Enfim, tenhamos presente que não é a Igreja que faz um santo. A Igreja reconhece a santidade de alguém em obediência a parâmetros por ela mesma criados ao longo de sua história como Mater et Magistra da humanidade. Só Deus proporciona a graça da santidade que pode ser concedida a cada um de nós. Muitos são os santos venerados na universalidade da Igreja que não foram beatificados ou canonizados segundo os trâmites estabelecidos pela Sé de Apostólica de Roma. Assim são os santos dos Evangelhos, como Pedro, Paulo, João etc. E também outros da devoção popular como São Jorge, que é padroeiro da Inglaterra, inclusive. Seja um fiel cristão, sincero, obediente, piedoso, disposto a morrer pela causa de Cristo se necessário for,  e você está a caminho da santidade, pode ter certeza disso.

 

 

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