segunda-feira, 12 de setembro de 2022

DATAS MARCANTES PARA A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

                                                                                 


    

Barros Alves

Normalmente o senso comum absorve com facilidade as narrativas que lhe são ditadas por personalidades importantes que protagonizam fatos e definem datas simbólicas em determinadas circunstâncias, ao sabor de interesses políticos. Tal é caso do dia sete de setembro para o espírito cívico do brasileiro, data definida para comemoração da Independência pelo decreto nº  155-B, de 14 de janeiro de 1890, ironicamente assinado pelo governo republicano que derrubou uma monarquia constitucional, cujo monarca era o filho daquele que foi o fiador-mor da nossa emncipação política. 

De logo, um breve parêntese. Não me alinho com o discurso esquerdamente ideologizado – ou enviesado - daqueles que vivem a desmerecer os atos de Pedro I, herói do povo brasileiro, e insistem em martelar que o Brasil ainda carece de ser independente. Partilho o pensamento de Oliveira Viana, quando ele debruça o olhar sobre o Brasil pós-setembro de 1822. Entende esse historiador e diplomata que, ao contrário das nações vizinhas, às voltas com sangrentos embates pelo poder na primeira metade do século XIX, no Brasil “havia mais espírito democrático do que na maioria das colônias espanholas, cujo pendor aristocrático se patenteou na oligarquia portenha, avassalada pelo caudilhismo gaúcho (...). A democracia brasileira foi assim paralelamente política e social, teórica e prática, fundada nos costumes e na onipotência da razão.” (Cf. Oliveira Viana, em “O Movimento da Independência – 1821/1822, editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1989, pág. 262).

Voltemos à vaca fria. Foi o espírito democrático de Pedro de Alcântara, o jovem príncipe de 24 anos de idade, impetuoso e viril, firme e corajoso, que determinou os destinos de liberdade para a nossa Pátria naquele momento crítico, em que Portugal sob a atuação de uma Assembleia Constituinte, insistia que o filho seguisse o rumo do pai, D. João VI, obrigado a retornar ao cenário luso onde se fez refém do Congresso revolucionário. Pedro não apenas rejeitou a ideia, mas altiva e sabiamente, foi pavimentando como podia, o caminho para a consecução da nossa independência. Aconselhado pela esposa Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria, de formação política ampla e consistente; e por figuras como o cientista e intelectual José Bonifácio; pelo sagaz e experiente Gonçalves Ledo, entre outros, D. Pedro providenciou todas as articulações internas e externamente, já preparando a população e as nações estrangeiras para a cutelada final nas Cortes de Lisboa, que intentavam recolonizar o Brasil a qualquer custo.

Uma data marcante para o Brasil é o dia 3 de junho de 1822, quando Pedro convocou uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de normatizar a autonomia da governança brasileira, não mais uma colônia, mas sim um Reino Unido, o que incomodou profundamente as Cortes portuguesas, sempre a insistirem no retorno dele para Portugal. Um golpe de mestre! Porque, com efeito, essa Assembleia Geral Constituinte, formada por representantes das províncias, servia para unificar a nação em torno do projeto independentista. Quando a maioria das nações do planeta, sobretudo da civilizada Europa, era governada por sistemas absolutistas, eis que um jovem príncipe regente, em meio a pressões, adota uma postura democrática ao convocar uma Constituinte formada por representantes do povo, respeitadas as circunstâncias históricas que limitavam essa representação.   

Por pertinente, vale lembrar novamente o pensamento de Oliveira Viana: “O constitucionalismo de Dom Pedro sempre foi o de Cortes deliberativas, não apenas consultivas; mas nunca foi o de uma Assembleia soberana delegando a função executiva num monarca irresponsável, servido por ministros responsáveis para com a nação dos atos políticos e administrativos praticados sob sanção real. Na concepção democrática do sistema a soberania cabia em última análise ao povo: na sua concepção pessoal ela cabia ao Rei e à Nação” (Cf. op.cit. pág. 270). Conforme expressou D. Pedro ao seu pai em carta de 21 de maio de 1822, “O Rei e a Nação sempre estão reunidos e nunca separados, pois quem defende o Rei, defende a nação.” O leitor atual não olvide o fato de que a honra de um rei assomava em ter ele o compromisso moral de estar na vanguarda dos acontecimentos e, na pior das crises, ter a coragem de morrer pelo seu povo. Pedro deu provas disso aqui e alhures, como veremos pelas suas declarações e manifestos.

Outra data marcante para a história de nossa independência é o 1º de agosto de 1822, a qual dá maior importância à liberdade consagrada na convocação da Constituinte dois meses antes. Nessa data D. Pedro edita decreto que declarou inimigas forças militares enviadas por Portugal para forçar seu retorno. No preâmbulo se lê: “E como as Cortes de Lisboa continuam no mesmo errado sistema e a todas as luzes injusto, de recolonizar o Brasil, ainda à força de armas; apesar de ter o mesmo já proclamado sua Independência Política, a ponto de estar já legalmente convocada pelo Meu Real Decreto de 3 de junho próximo passado uma Assembleia Geral Legislativa etc...” Vê-se como clareza que na compreensão do Príncipe, o decreto de 3 de junho já sacramentara a independência política do Reino, extinguindo possíveis subordinações às decisões emanadas do Congresso Constituinte de Lisboa.

O 1º de agosto de 1822 configura data marcante porque também foi nesse dia em que D. Pedro divulgou manifesto à nação, esclarecendo ao povo as causas da crise entre Brasil e Portugal, ao tempo em que dava uma ideia exata do seu espírito a um tempo guerreiro e democrático: “Encarai, habitantes do Brasil, encarai a perspectiva de Glória e de Grandeza, que se vos antolha; não vos assustem os atrasos da vossa situação atual; o fluxo da civilização começa a correr já impetuoso desde os desertos da Califórnia até ao Estreito de Magalhães. Constituição e liberdade legal são fontes inesgotáveis de prodígios e serão por onde o bom da velha e convulsa Europa passará ao novo continente. Não temais as Nações Estrangeiras: a Europa, que reconheceu a independência dos Estados Unidos da América, e que ficou neutral nas lutas das colônias espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil, que com tanta justiça e tantos meios e recursos, procura também entrar na grande Família das Nações (...) Não se ouça entre nós, pois, outro grito que não seja UNIÃO DO AMAZONAS AO PRATA; não retumbe outro eco que não seja INDEPENDÊNCIA! Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar.”

Veja-se quão importantes as datas citadas, as quais, de fato, não são menores do que o icônico 7 de setembro, este mais simbólico para exaltar a personalidade intempestiva do jovem Pedro, do que como data de coroação de um duro processo emancipatório que, na verdade, culminou com uma data magna que não é a hoje comemorada em todo o Brasil, por que foi olvidada pelo decreto republicano.

            É necessário lembrar que mesmo após todos esses episódios que comportam explicações mais delongadas, não convenientes em um artigo de mídia, D. Pedro continuou a assinar os documentos oficiais como “S. A. R. o Príncipe Regente”, isto significando que ele, não se sabe por qual motivo, ainda resguardava o título de Príncipe Regente do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Estaria D. Pedro, mesmo depois do grito do Ipiranga pressagiando que poderia lhe advir a morte em vez da independência do Brasil? Não há registros a esse respeito que eu conheça. O fato é que para ele a data magna nesse processo é o dia 12 de outubro, coincidentemente data consagrada a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, em cuja pequena capelinha localizada na Vila de Guaratinguetá, o Príncipe rezara quando de sua viagem para apaziguar rusgas políticas em São Paulo e Minas Gerais.

            12 de outubro de 1822 é a data-mor do calendário da nossa independência, segundo os registros da Corte brasileira, em especial a Ata de Aclamação de Dom Pedro I como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: “No fausto dia 12 de outubro de 1822, PRIMEIRO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, nesta Cidade e Corte do Rio de Janeiro e Palacete do Campo de Santa Anna, se juntaram o desembargador Juiz de Fora, vereadores e Procurador do Senado da Câmara, comigo escrivão abaixo nomeado e os Homens Bons que no mesmo têm servido, e os Mestres, e os Procuradores das Câmaras de todas as Vilas, desta Província adiante assinada, para o fim de ser aclamado o Senhor Dom Pedro de Alcântara Imperador Constitucional do Brasil etc...”

            Mais eloqüente quanto à importância do 12 de outubro é o decreto de 10 de dezembro de 1822, rubricado pelo Imperador e pelo seu ministro José Bonifácio, que deixa patente a significação da data: “Sendo conveniente memoriar a gloriosa época da Independência do Brasil e a sua elevação à categoria de Império: Hei por bem que os Diplomas d’ora em diante publicados em Meu Augusto Nome e que forem por Mim rubricados ou assinados, se acrescente depois de sua data, o número dos anos que decorrerem depois da mencionada época, A QUAL DEVERÁ CONTAR-SE DESDE O MEMORÁVEL DIA 12 DE OUTUBRO DO PRESENTE ANO...” (Para informações sobre o 12 de outubro, cf. artigo de Manoel Sátyro, in Revista do Instituto do Ceará, 1922, págs. 232-235. Grifos meus).

O que terá levado o legislador republicano a determinar o 7 de setembro como data magna da Independência do Brasil? Talvez o mesmo afã de desdizer preeminentes personalidades monárquicas, consoante ocorreu com o verdadeiro Hino Nacional brasileiro, substituído pelo longo e complicado  hino que atualmente cantamos. O hino escrito por Evaristo da Veiga com música do Imperador Pedro I, que fala da “brava gente brasileira/ longe vá temor servil,/ ou ficar a Pátria livre/ ou morrer pelo Brasil”, ficou limitado a uma homenagem à Independência. Foi substituído por decreto republicano por um inexplicável “Deitado eternamente em berço esplêndido.” Esses descompassos me impelem a concordar com aqueles que entendem ter sido a República (ou seria ré pública?) brasileira um desastre no meio do caminho da história da nossa Pátria amada.

 

                             

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