terça-feira, 8 de novembro de 2022

ESCAMOTEANDO VERDADE BÍBLICA

                                                                                            

Barros Alves

            Na segunda-feira passada (07/11) fui assistir à missa do meio dia no Santuário de Fátima, como costumeiramente faço. Atento à sagrada liturgia, não me passou despercebido o texto da primeira leitura que está na Carta que o Apóstolo São Paulo escreveu a Tito, capítulo primeiro, versículos 1 a 9. Nos versículos 5 e 6 há orientações de como se deve comportar o presbítero (sacerdote) e o bispo. Chamou-me a atenção o fato de que no texto lido foi olvidada a admoestação paulina de que o presbítero deve ser “marido de uma só mulher.” Em algumas traduções lê-se que o presbítero (sacerdote, padre) deve “ser casado uma única vez.” Tive o cuidado de consultar algumas traduções para confirmar ou não o texto lido, que omitiu a letra bíblica, certamente em face da prática disciplinar do celibato exigido aos presbíteros católicos desde o século XII.  A Igreja tem argumentações irrefutáveis para a exigência do celibato, a partir do exemplo do Rabi da Galiléia. De modo que não é necessário a omissão do texto referido nas Sagradas Escrituras, que são para todos os cristãos a Palavra de Deus. Não a “ipsissima verba” de Deus, claro. Mas, a vontade de Deus revelada aos homens através da tradição oral que se fez escritura e permanece válida  pelos séculos dos séculos. “Examinais as escrituras porque cuidais ter nelas a vida eterna e são elas que testificam de mim,” disse Jesus (João, 5.39).

            Tive o cuidado de consultar as traduções da Bíblia para católicos, feitas pelo Padre Matos Soares; pelo Padre Antônio Pereira de Figueiredo; a “Ave Maria”, traduzida dos originais dos monges de Maredsous (Bélgica) e revista por Frei João José Pedreira de Castro; a Nova Tradução na Linguagem de Hoje, edição da Paulinas/Sociedade Bíblica do Brasil; a Edição Pastoral, da Paulus; a tradução de João Ferreira de Almeida, usada pelos evangélicos. Não descuidei de ir à Vulgata, edição da Sociedade Bíblica do Brasil, 2011, cujo texto em questão está na página 1840. Com o mesmo afã de ser fiel à Palavra Revelada fui ter com o Novo Testamento Grego, edição brasileira da SBB/Kurt Aland, pág. 617. Em todas as traduções, assim como no texto grego e no latino, estão escritos os ordenamentos paulinos sem qualquer desvio. Ou seja, que os presbíteros a serem escolhidos em cada cidade por Tito, “meu verdadeiro filho em nossa fé comum”, deveriam inequivocamente ser escolhidos entre “quem seja irrepreensível, casado uma só vez, tenha filhos fiéis e não acusados de má conduta ou insubordinação.” (Cf. Bíblia Ave Maria).

            Sob nenhuma hipótese a Igreja deve escamotear as verdades sagradas. Com a sabedoria de seu magistério autêntico e legítimo, deve interpretar e explicar as Sagradas Letras aos fiéis. Jamais omitir, olvidar, esconder, desviar-se da verdade contida na Revelação. No caso, sabe-se que os primeiros seguidores de Jesus eram quase todos casados. Os presbíteros também o eram. A Bíblia diz que Jesus curou a sogra de Pedro, que segundo a tradição católica foi o primeiro Papa. Ora, se Pedro tinha sogra só podia ser casado. Aliás, alguns historiadores da Igreja concordam que alguns presbíteros e mesmo bispos da primeira Cristandade, convertidos do paganismo ou de outras seitas, adentravam na Igreja com mais de uma esposa, porque a legislação civil da época assim o permitia. Daí é que o Apóstolo Paulo teria frisado que o líder da igreja local deveria ser esposo de “uma só mulher.” Ou seja, se fosse costume ter uma só mulher, certamente seria desnecessário a ênfase do apóstolo na necessidade da monogamia do presbítero.

Não esqueçamos que São Paulo inicia a Carta a Tito, arrimado no “profundo conhecimento da verdade que conduz à piedade, na esperança da vida eterna prometida em tempos longínquos por Deus veraz e fiel...” Também tenhamos bem presente que Cristo é o Caminho, a Verdade e a Vida. Sem a verdade não há salvação. Quem rodeia,  tergiversa, escamoteia, desliza é Satanás, Pai da Mentira. O cristão deve ser direto, firme como a rocha da Palavra Sagrada.

Por final, uma breve palavra sobre o celibato exigido aos sacerdotes católicos. Na verdade, nem se trata de uma exigência, mas de uma opção daquele que é chamado ao sacerdócio, um voto de entrega do vocacionado à nobre missão para a qual Deus o chamou. Depois de inúmeras discussões ao longo de nove séculos, idas e vindas, desde o Sínodo de Elvira, cerca do ano 300, finalmente o celibato foi estabelecido definitivamente pelo Papa Calisto II, no Nono Concílio da Igreja e primeiro realizado na Basílica de Latrão, em Roma (1123), ao qual compareceram mais de 300 bispos. Daquele tempo a esta parte, o sacerdote católico que deseje se casar terá de solicitar ao Papa a dispensa de Ordem, especial.

Por oportuno, vale transcrever o que diz sobre o assunto o historiador Rudolf Fischer-Wollpert: “Na Igreja antiga era comum a conjugação do sacerdócio com o matrimônio. Esperava-se que um bom dignitário da Igreja tivesse as qualidades de um bom pai de família. ‘Um presidente (epíscopos=bispo)... só deve ser casado uma vez... Deve ser um bom pai de família e educar seus filhos para a obediência com toda a dignidade. Mas, como poderá cuidar da comunidade de Deus aquele que não sabe gerir sua própria casa?’ (Cf. 1Tm 3.1-5; Tito 1.5-9). Nos tempos mais remotos seguia-se a seguinte prática: quem recebera a ordenação como solteiro, não devia casar; aquele que, no entanto, já era casado antes de receber a ordenação, podia continuar casado; os casados em segundas núpcias não eram admitidos à ordenação.”(Cf. “Léxico dos Papas – De Pedro a João Paulo II”, Editora Vozes, 1991). Vale lembrar que as Igrejas Católicas Ortodoxas do Oriente permitem o casamento para presbíteros, mas não aos bispos. 

O Catecismo da Igreja Católica trata desse assunto em vários itens, com  devida justificativa histórica e bíblica. No item 1599 se lê: “Na Igreja latina o sacramento da Ordem para o presbiterato normalmente é conferido apenas a candidatos que estão prontos a abraçar livremente o celibato e manifestam publicamente sua vontade de guardá-lo por amor do Reino de Deus e do serviço aos homens.” Vale dizer que guardar não apenas o celibato formal, ou seja, a condição de não casado. Mas, sobretudo, é a castidade que assegura o vocacionado a posse dos valores do Reino de Deus.

             

 

2 comentários:

  1. Excelente artigo, Barros Alves. Concordo com ele em número, gênero e grau. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Perfeito posicionamento, como sempre. Parabéns pelo artigo.

    ResponderExcluir