domingo, 9 de maio de 2010

Quem fez do Irã um defensor dos direitos das mulheres?






Anne Applebaun,do New York Times

O presidente Mahmoud Ahmadinejad fez campanha em Uganda e no Zimbábue. Nos bastidores, seus lacaios fizeram pressão e ofereceram favores. Durante semanas, propostas foram enviadas para todos os tipos de aliados, até os mais improváveis. Qual era o prêmio diplomático em jogo? Nada menos do que uma cadeira no conselho de direitos humanos da ONU.

Tudo isso foi bastante apropriado. Apesar de seu título, este é um comitê cujos antigos integrantes – entre eles a Síria, a Arábia Saudita e o Zimbábue – não eram exatamente conhecidos por sua aderência à Declaração Universal de Direitos Humanos. Ao contrário, regimes autoritários costumam lutar para entrar no conselho e nas organizações que o precederam, para evitar que gente de fora investigasse seus próprios governos. Quando conseguem se tornar membros, a maior parte de seu tempo é gasto denunciando Israel e os Estados Unidos, enquanto evitam deliberadamente qualquer coisa que pudesse soar, digamos, como crítica ao comportamento da Rússia na Tchetchênia.

Diferentes governos dos EUA adotaram diferentes abordagens em relação a esta instituição peculiar. Nos últimos anos, os Estados Unidos deixaram o conselho, denunciaram o conselho, e isolaram o conselho, geralmente com o apoio bipartidário. Talvez o único editorial do New York Times que foi escrito elogiando John Bolton, o beligerante embaixador do presidente George W. Bush na ONU, cumprimentou-o por defender uma reforma radical da instituição.

Mesmo assim o conselho continuou trabalhando para o benefício de seus membros. O fato é que em lugares como o Irã, Síria, Arábia Saudita e Zimbábue, o elogio – ou mesmo a falta de crítica – por pate de uma instituição chamada “Conselho de Direitos Humanos da ONU” ainda carrega um peso político considerável. Podemos nos irritar quando um comitê liderado pela Líbia elogia solenemente a China por seu bom comportamento no Tibete, mas dentro da China isso se transforma numa propaganda útil. Podemos não levar a sério as inúmeras denúncias contra Israel por outro órgão da ONU, mas o governo Sírio provavelmente acha isso útil.

Sabendo que as coisas são assim, o governo Obama, enquanto pressiona outros botões para “reiniciar”, decidiu voltar para o conselho em 2009, para “reformar a instituição por dentro”. Isso não foi um gesto de amizade para com o conselho de direitos humanos; foi um sinal de paz para a própria ONU: “vamos nos engajar no processo, trabalhar com os outros, usar a diplomacia. Nós vamos mudar a forma como o comitê funciona, fazer com que a ONU trabalhe pelos valores democráticos e não contra eles.

E fizemos isso. Quando o Irã começou a campanha para se tornar membro do conselho, os diplomatas ocidentais – da França, Suíça e outros países, assim como dos EUA – levaram essa possibilidade a sério pela primeira vez na história recente. Eles, também, começaram a fazer pressão e a oferecer favores. Eles, também, enviaram seus embaixadores para a luta. Grupos ocidentais de defesa dos direitos humanos planejaram grandes eventos em torno da reunião do conselho. Dois ativistas franceses pelos direitos humanos fizeram um filme sobre a questão. Outros especialistas mobilizaram suas provas: a onda de prisões e assassinatos que aconteceu após as contestadas eleições iranianas de junho, as mulheres que foram severamente agredidas por não cobrirem seus corpos, a ampla discriminação contra mulheres e minorias religiosas nos tribunais, a presença constante de policiais e informantes nas ruas.

Funcionou. Sentindo que ia perder, ou temendo uma publicidade ruim que poderia se voltar contra o governo dentro do país, o Irã retirou seu pedido para entrar no conselho em 23 de abril. Os grupos de defesa dos direitos humanos declararam “vitória”. Autoridades norte-americanas se orgulharam de dar “um passo na direção certa”.

E o resultado? Cinco dias mais tarde, em 28 de abril, outro comitê, a Comissão sobre a Situação da Mulher da ONU – um órgão dedicado à “igualdade de gênero e ao avanço das mulheres” - lançou um grandiloquente release de imprensa anunciando seus novos membros. Entre eles estava... a República Islâmica do Irã.

Isso não é um problema, a menos que você acredite que o “avanço das mulheres” não deva incluir o apedrejamento por um suposto adultério. E a menos que você pense, assim como eu, que chegou o momento de abandonar a ficção da diplomacia de direitos humanos da ONU de uma vez por todas – ou se você teme, e talvez todos devamos temer, que o Irã conheça seu caminho pelos meandros da diplomacia nuclear da ONU melhor do que imaginamos.
Tradução: Eloise de Vylder

Anne Applebaun é jornalista e colunista do Washington Post, Anne Applebaun ganhou o prêmio Pulitzer pelo livro "Gulag: uma História". Escreve regularmente sobre política norte-americana e assuntos internacionais.

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