sábado, 1 de maio de 2010

Carta a Nonato Albuquerque sobre o trabalho

Caro Nonato Albuquerque, coisa constrangedora são os ruídos de comunicação.

Eu liguei para o seu programa hoje ao ouvir o Pastor Armando Bispo e sugeri à jovem que me atendeu que se fizesse um contraponto à interpretação do reverendo. Seriam argumentações formuladas não exatamente por mim, mas por personalidades como Santo Agostinho, Bertrand Russel (Elogio ao Ócio, de 1935) e Paul Lafargue (Direito à Preguiça).

Ficou a ideia de que eu disse que o trabalho era um castigo.

Bem, não digo que não o seja!

Não poucos teólogos cristãos entendem que o trabalho somente foi definido segundo os parâmetros que até hoje vigem, depois da queda do ser humano em relação ao Plano de Deus. Ou seja, a desobediência que levou ao pecado, segundo a "mitologia" bíblica.

Deus, em sua suprema sabedoria, criou o ser humano - homem e mulher - e os colocou no Paraíso. Não para trabalhar, mas para "vigiar e guardar". A ideia historica de paraíso é pré-bíblica e se nos apresenta sempre como um lugar maravilhoso de descanso e lazer, JAMAIS DE LABUTA E SOFRIMENTO. A ideia clara pré-queda é que o homem foi criado para adorar a Deus, ou seja, para uma espécie de exercício - ou trabalho, como queira - intelectual, JAMAIS TRABALHO BRAÇAL.

Na Idade Média esta dicotomia ficou bem clara dentro da própria Igreja Católica, com a criação de muitos mosteiros onde as pessoas viviam somente em estado de contemplação. Por outro lado, paradoxalmente, foi na Idade Média que se insistiu com mais entusiasmo na divinização do trabalho, porque a Igreja estava grandemente imbricada com os interesses dos senhores feudais que necessitavam de mão de obra gratuita. A ideia estendeu-se com ênfase para a burguesia que continuou a massacrar o assalariado sob o beneplácito da Igreja Católica e também das seitas protestantes. Aliás, neste sentido não é bom descuidar da leitura de Max Weber, especialmente "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", mas também "Economia e Sociedade".

Bem antes, porém, Caio Túlio Cícero, o grande orador do Senado romano, já dizia: "Tem uma inferior profissão todos os artesãos, porque numa oficina não pode haver algo de decoroso". Também Aristóteles foi claro na POLÍTICA, ao expressar o questionamento: "Devem-se contar também entre os cidadãos da Pólis os trabalhadores mecânicos?"

Nos últimos anos tem-se acelerado com justeza a luta por mais tempo de lazer para os trabalhadores, num evidentíssimo indicativo de que o homem nasceu para pensar e assim criar mecanismos que em lugar dele cuidem da azáfama diária que o cansa e o enfastia, como um verdadeiro castigo. O ser humano, segundo pensam muitos filósofos, foi castigado com o trabalho, mas já aí estão os robôs e as imensas possibilidades da cibernética.

Eu nasci na roça. Fui trabalhador braçal até os 16. Por força das circunstâncias, claro. Nunca por gosto. A experiência foi útil? Sim. Porém, não agradável, porque penosa. Mas, como Descartes, PENSO, LOGO EXISTO. Por isso defendo o trabalho intelectual, ou mesmo aquele trabalho mecânico que me dê alegria e que também estava no conceito aristotélico de prazer.

Não descuido, por outro lado, do viés pedagógico do trabalho. Desde que seja feito com espontaneidade como fazem os beneditinos, segundo a regra de São Bento: Ora et Labora.

Por final, lembre-se que ninguém é dono da verdade. Armando Bispo também não o é. Prefiro NIETSZCHE: "Não existem fatos, existem interpretações". As muitas que fazem da Bíblia são um dado que dá razão ao pensador alemão.

Abços e o apreço renovado do

Barros Alves

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